"As pessoas ficaram muito prejudicadas com os eucaliptos, as pessoas que têm pouco"

Título | Title

"As pessoas ficaram muito prejudicadas com os eucaliptos, as pessoas que têm pouco"

Nome do entrevistado | Interviewee's name

José Pilriteiro (nome fictício)

Breve informação sobre a pessoa | Brief information about the person

Agricultor, reformado. Nasceu e cresceu na Serra de Monchique, esteve empregado em Lisboa durante parte da vida

Data | Date

8 Jun 2022

Local da gravação | Place of the recording

Amorosa, Serra de Monchique

Sinopse | Abstract

FIREUSES - Desse tempo, entre os [seus] 11 anos, ou desde quando se lembra, até se ir embora, lembra-se de algum grande incêndio, de algum grande fogo ou não?

Naquele tempo havia incêndios mas era uma coisa… porque não havia mato como há agora. Aqui, como eu lhe digo, moram pessoas mas já pouco semeiam, está desprezado. Vão, pegam na maquinazita e roçam aí qualquer coisa, mas semeiam pouco; só para comer. Naquele tempo as pessoas semeavam para venderem no Portimão. Duas quintas e domingos havia feira para os agricultores. O meu avô tinha um carro e uma mula e ia lá vender as coisas dele. E outros, aí a partir da meia noite, vinham desde o Alferce – o Alferce é uma povoação que há aqui – vinham aqui, passavam aqui à estrada de baixo com um carro e uma besta e levava-se quatro horas a chegar a Portimão com uma carradinha de fruta, mas chegava lá vendia e vinha com a carteirinha cheia. [...]

FIREUSES - Não se lembra de nenhum incêndio da sua juventude aqui?

[...] Lembra-me e ainda tenho aqui umas propriedades que já me arderam. Nunca tirei de lá nada. A minha sogra ainda fez lá uns cortes de eucaliptos que eram do pai dela, eu nunca tirei de lá nada desde que ela morreu. Depois essa propriedade ficou para mim e para uma outra pessoa, ficou para a gente os dois. Agora já é de três, já morreu essa pessoa, ficou com os filhos. Eles são três irmãos, têm metade dessa propriedade. Essa propriedade já ardeu umas três ou quatro vezes. Mas a minha sogra ainda tirou de lá proveito. Eu tenho uma ali no Cano, de sobreiros… epá, não foi este incêndio, foi antes deste que houve agora…

FIREUSES - 2003…

… ardeu aquilo tudo. Perdeu-se metade das sobreiras.

FIREUSES - Que área é que tem esse das sobreiras? Quantos hectares?

Aquilo não é muito grande, aquilo é pequeno, é para aí dois hectares.

FIREUSES - E a outra tem quanto?

A outra dos eucaliptos ainda é capaz de ser mais pequena. Também é hectare e meio ou assim. É pequeno, aquilo é pequeno.

FIREUSES - Lembra-se quando é que puseram lá esses eucaliptos?

Ah isso já foi há muitos anos! Aquilo cortava-se aí de oito em oito anos. De oito ou 10 anos davam corte. A minha sogra ainda fez lá uns dois ou três cortes. Eu não fiz nenhum porque aquilo ardeu. Agora, esse meu primo que mora aqui, tem lá uma parte mais os irmãos, deu aquilo dado só para cortarem aquilo, que estava lá um matagal do caraças. A ver se aquilo rebentava, mas já estamos velhos…

FIREUSES - Foi a sua sogra que pôs os eucaliptos?

[…] Não, não, devia ser já a mãe dela. Ela já herdou aquilo com os eucaliptos e por isso é que ficou para ela e para um tio meu que morava aqui à frente. […]

FIREUSES - Antes de ir para a tropa as pessoas já estavam a pôr eucalipto nas terras?

Epá nesse tempo havia poucos eucaliptos. [...] Já havia eucaliptos, mas não havia o que há agora. Eu ainda andei ali na Nave a pôr eucaliptos quando era moço pequeno antes de ir para a tropa. Era um senhor que tinha ali uma propriedade e fui para lá plantar eucaliptos [...] Não sei onde é que ele os ia comprar. Onde está ali aquela pedreira há muitos eucaliptos, eu ia pôr esses eucaliptos junto à pedreira. [...] Eu e outro que andava lá. Eu queria ganhar um dinheirito, o meu pai deixou… [...] tinha aí uns 17 ou 18 anos, antes de ir para a tropa.

FIREUSES - Antes do eucalipto o que é que estava na zona dessa pedreira?

Mato, não estava nada. Aquilo é entre as pedras e eles punham aquilo até entre as pedras. O eucalipto pega em qualquer lado desde que tenha um bocado de terreno. Aquilo é só pedras por ali acima e eles estão lá. Onde está a pedreira também havia eucaliptos, e junto à pedreira é pedras por ali acima e é aí que eu andei a pôr eucaliptos. [...] Quando eu lá andava a pôr eucaliptos, a pedreira já lá estava, mas era cá no princípio da estrada e depois foram tirando pedras por aí acima, já vai lá em cima. Agora parou! Agora não está lá ninguém a trabalhar. O meu pai, depois de sair d’além, andou aí a trabalhar também.

FIREUSES - Porque é que as pessoas começaram a pôr o eucalipto?

Epá, era uma coisa que dava em menos tempo e as pessoas começaram a pôr. E isso já veio empurrado se calhar lá de outro lado, porque o eucalipto, isto antigamente havia aí nascentes de água em todo o lado, agora não! [...] Os eucaliptos acabou com isso. Isto aqui tinha muita água. A gente vinha de Portimão – ainda me lembro quando era moço pequeno – aí até ao Alferce havia bicas de água a correr desses muros. Puseram os eucaliptos, os eucaliptos chupou isso tudo. Já não há água como havia. Só lá mais para os fundos. Acho eu que é dos eucaliptos. Os eucaliptos faz muito mal à água. A gente tinha ali um tanque aqui em cima… aquilo secou! Em cima é só eucaliptos e aquilo secou, não temos lá água nenhuma.

FIREUSES - E as pessoas não se queixam?

De que é que serve se queixar? Não serve se queixarem, mas as pessoas ficaram muito prejudicadas com os eucaliptos, as pessoas que têm pouco. Quem tem grandes propriedades que põe aquilo tudo de eucaliptos… Agora aqui não há água como havia, isso nem pensar!
Serra da Lapa, 6 de agosto de 2020