"A cidade de Portimão consumiu o carvão todo"

Título | Title

"A cidade de Portimão consumiu o carvão todo"

Nome do entrevistado | Interviewee's name

Luís Aventino (nome fictício)

Breve informação sobre a pessoa | Brief information about the person

Nasceu e cresceu na Serra de Monchique, reformado e criador de cabras na serra, durante parte da vida foi mecânico em Portimão

Data | Date

5 Mar 2022

Local da gravação | Place of the recording

Sítio perto das Caldas de Monchique, Serra de Monchique

Sinopse | Abstract

[...]

FIREUSES – Ele [o seu bisavô] era comerciante ou era uma pessoa importante..?

Nada, era tudo agricultura, fez grandes rebanhos de cabras, foi com o gado, com o carvão, que naquele tempo o carvão ia nas bestas levar a Portimão.

FIREUSES – E o carvão era a partir de que árvore?

Dos medronheiros, carvão do medronheiro e depois iam vender a Portimão, então eu lembro-me disso, só carros e carros de besta a levar carvão, não havia gás, a cidade de Portimão consumiu o carvão todo. [...] Toda a gente tinha aquele fogareirozinho para fazer a comida, aqueles de barro, de ferro … eu conheci o gás aqui também já era um rapaz grande quando eu vi o primeiro fogão aqui, era tudo a fogo de lenha. [...] O fogão a gás… eu vi deve haver uns 50 anos [...] mas também só se utilizava o fogão em extrema necessidade, era tudo feito a fogo de lenha, cá está as razões que não havia fogos, porquê? [...] Cá está, as razões porque não havia fogos, qual era o gás que havia naquele tempo? Era a lenha, o que é as padarias trabalhavam? Tudo com lenha, eu lembro-me de andar, havia uma zona aqui que tinha tojo, tojo, era preservado ali um bocadinho para quando matasse o porco termos tojo para chamuscar o porco, tá a ver…isto era tudo semeado, era tudo trigo, tudo o que aqui se vê. [...] Vinham de Monchique nuns burros, vinham pedir por favor para deixarem levar um feixinho no burro às costas de lenha? [...] E antes de eu estar aqui também já era assim, mas eu lembro disto ser tudo semeado, tudo cavado com animais, onde a terra era mais fácil, onde não era tão fácil de carregar, de lavrar, era tudo com alferce, uma enxada assim estreita, o alvião, era tudo picado e semeado, tudo à mão e ceifado à mão e carregado… Lembro-me de carregarem ali para as Caldas no que se chamava o campo do ténis que não havia aqui estradas, não havia nada, carregarem em cima de bestas para debulhar o trigo…

[...]

Antigamente não havia caminho, olha, aqui por cima havia um caminho a pé, que as pessoas vinham de Monchique com as bestas, os burros, os muares, passavam por aqui para ir para a Fornalha, isto é tudo caminho, eu conheci isto tudo sem estradas, caminhos a pé, aqui havia um aqui quando passavas aí ao lado da casa quem ia para Monchique a pé por esse caminho, subia a serra toda, isto as estradas é uma coisa recente, é uma coisa de 40, 50 anos.
É que isto depois começou a melhorar, pronto, e depois evolução, do tempo, as máquinas, as coisas, os dinheiros. Esta estrada de baixo foi toda feita com dinheiros dos terrenos, não havia comparticipação, nem câmaras, nem estado, nem nada. Um dava 20, um dava cinco contos, outro dava três, outro andava fazendo um peditório, outro dava mil, outros não davam, outros não queriam deixar passar a estrada porque se apanhasse um canteiro era logo uma grande destruição.

FIREUSES – Quando diz que se fazia carvão do medronho o que é que tinha a serra nessa altura além do medronho?

Tinha a esteva, mas a esteva era para os fornos, as pessoas vinham buscar, andava a apanhar, a apanhar lenha, era pó consumo da casa, queijos, destilas só podiam ser feitas com mato verde, com matos mais ruins que ninguém ia estragar lenha válida, boa. Para as destilarias era tudo que era [ininteligível]. Eu conheci a primavera, vou começar assim, conheci a primavera certa, o verão certo, o outono certo, e o inverno certo. Chuvas, mas era chuva, aquela chuva, não é esta coisa que vem agora, estes marruntos de água parvos, não senhora. Começando o inverno vinha, levava meses, meses, meses, meses a chover aquela chuva certa, chuva mesmo de inverno, aquela chuva. Não é como agora.
Serra da Lapa, 6 de agosto de 2020