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Registo em Audio de leitura de uma carta
Carta envida por Maria de Lurdes e Prazeres à família dos seus Patrões e padrinhos. Na carta é referida um passeio ao circo e a passagem de um hidroavião rasante pela localidade de Fafe. Dá-se ainda notícias sobre o estado dos morangos e os animais de criação. No final da carta, divulgam-se outras notícias da terra como a condenação de dois homens ao degredo (a pena mais dura). -
Regresso a casa
Ao longo de toda a vida, Jacinta e Benedita Vau (nomes fictícios) foram trabalhadoras domésticas. A imagem conta a história de duas irmãs unidas por vidas demasiado próximas. Partilharam patrões, foram migrantes muito jovens e cresceram numa família de 6 irmãos, pai carvoeiro e mãe doméstica, sendo o serviço a oportunidade que restava. A imagem eterniza um momento de regresso a casa para visitar os pais. Num fundo de casario forrado de terra batida, o seu trajar é, já, urbano. Sem dispensar a mala como acessório, e o corte curto de cabelo, e também o sapato de salto alto, recordaram o quanto se sentiam duplamente órfãs nestes momentos de regresso à aldeia. Orfãs de uma terra de origem que as olhava de soslaio, pelo ar moderno, e de uma cidade que também as fustigava, pelo rasto de campo que a sua fala e costumes carregava. -
Tão pequeninas, tinham o ar de serem já crescidas
"Tão pequeninas, tinham o ar de serem já crescidas”, realizado por Tânia Dinis, foi o filme vencedor do prémio de melhor curta nacional, na edição de 2024 do Festival Indie. Através de uma pesquisa alicerçada em arquivos e recolha de testemunhos, somos transportados para uma história da cidade do Porto que rasga as vestes da bela panorâmica e alcança o interior humano das suas casas. Dentro dessas casas eram acolhidas crianças vindas das aldeias próximas para tomar conta de outras crianças: as das famílias abastadas do Porto. Assim se encontrava uma forma de poder ter sapatos nos pés, a troco de abrigo, uma estratégia dos pais para possibilitar às filhas (na maior parte, no feminino) esse conforto: ter um teto e um chão sem terra. O filme (20’) permite reconstituir o percurso destas mulheres trabalhadoras, na altura designadas “criadas de servir”, mulheres que hoje têm as mãos velhas e a pele muito cansada. O grande plano das suas mãos, acusando forte esclerose, remetem para o peso das águas geladas de lavar e cozinhar que correm sem fim no trabalho reprodutivo. De alguma forma, esta é uma preciosidade que o filme nos oferece: vemos estas mulheres, tantos anos volvidos, recuperando a memória do seu quotidiano enquanto jovens, e enumerando as exigências, cumplicidades, caprichos, medos, tarefas, aprendizagens, repetições e amores. Neste filme ninguém fala por elas; são elas a falar por si, e nós a escutarmos, ao mesmo tempo que vamos acedendo a um conjunto de imagens de arquivo que nos contextualizam os espaços, a desigualdade, os rostos. Em particular, uma das imagens mostra-nos um grupo de raparigas entre o final da infância e o início da juventude, alinhadas numa escadaria, um pouco atafulhadas na sua arrumação para o plano da máquina fotográfica, mas sobretudo dizendo-nos muito além das aparências porque se percebe que no seu rosto e corpo estão as marcas de uma origem social extremamente desfavorecida, sujeita à fome e outras formas de privação. Quase ao abandono, diríamos. Esta forma de filmar a história social, e a história das mulheres portuguesas, as que foram servidoras, contrasta com outras narrativas visuais que não escapam à tentação da nostalgia, ou da ridicularização, pretendendo sobretudo reconstituir percursos apagados, mas que no fundo sempre estiveram, e estão, demasiado próximos e demasiado presentes. -
White Lotus (Mike White, 2021) uma história singular – Primeira Parte
“Aí vêm eles. Sorriam. Acena, Lani. Isso mesmo. Acena com entusiasmo, Lani. Lani, sei que é o teu primeiro dia e não sei como era noutros lugares, mas aqui desencorajamos a autorevelação. Especialmente com estes vips que chegam de barco. Não sejas muito específica, enquanto presença e identidade; sê mais genérica. Há um ethos japonês que nos ensina a que desapareçamos por detrás da máscara de ajudantes agradáveis e permutáveis. É um Kabuki tropical. O objetivo é criar uma impressão geral e vaga para os hóspedes. Pode ser muito satisfatório. Eles obtêm tudo o que querem, mas nem sabem o que querem, nem que dia é, nem onde estão, nem quem somos, nem…. Quando avistamos Armond e um pequeno grupo de funcionários na receção do grupo de turistas à ilha onde fica situado o Hotel White Lotus, são estas as palavras dirigidas à estagiária Lani. Lani é uma jovem trabalhadora que dará início ao trabalho de parto no lobby do hotel ainda no decurso do primeiro episódio. Uma das sinopses disponíveis sobre White Lotus refere que a série retrata “As aventuras dos funcionários e hóspedes de um resort tropical durante uma semana.” Não temos a certeza de que estejamos apenas a assistir a um conjunto de aventuras. Talvez ainda mais do que na segunda temporada, igualmente avassaladora sobre este e outros pontos de vista, a primeira temporada vai desenrolar várias linhas de enredo entre funcionários e clientes. As que ficaram para a história, arriscamos, foram as desenroladas entre Armond e Shane Patton; Tany McQuiod e Belinda, e entre Paula e Kai. A primeira de ódio mútuo, a segunda de uma cumplicidade falhada, a terceira de teor sexual e identitária. Em todos os casos podemos interpretações que permitem compreender um conjunto de imaginários ligado ao serviço hoteleiro, mas por hoje o que gostaríamos de enfatizar prende-se com um dos mais interessantes acontecimentos da série. Pela primeira vez, ou pelo menos de uma forma que costuma ser muito improvável, é nos bastidores de um hotel que Armond, exaurido de um cliente que o persegue, se lança numa verdadeira orgia com um grupo de outros funcionários. Na segunda vez em que se entrega a este deboche, diz para o seu party mate: “vamos a isto.”. Sim, a história não acaba bem para Armond, mas é um sorriso que lhe vemos na cara antes do último sopro. A este propósito, é interessante que Mike White não quis ser complacente. Nas três ligações, quem sairá a perder são Armond, Belinda e Tai. Apesar disso, deixou o esgotado gerente fazer o seu festim onde achamos que ele nunca há. E esse lado reverso, o hotel do avesso, fica como um passo memorável nos retratos sobre esse espaço que é um hotel.