As casas vernáculas no sul de Portugal apresentam características que resultam da sua adaptação à cultura, território e clima mediterrânicos. A açoteia (terraço abobadado) constitui um sistema de cobertura correntemente usado nestas casas, conjugando o conhecimento de técnicas construtivas antigas com as tradições locais. Usualmente, as casas abobadadas são consideradas exemplos de um processo construtivo sábio, já que dispensam o uso da madeira e algumas vezes até mesmo o uso de cofragem; além disso são também encaradas como um exemplo bioclimático, devido ao bom comportamento térmico no interior da casa. Apesar do seu apelo estético ter suscitado interesse nos investigadores, traduzido em levantamentos arquitectónicos e guias de viagem publicados no século XX, a sua distribuição geográfica, caracterização arquitectónica e construtiva, tipologias, benefícios térmicos e construtivos, têm permanecido por estudar.
Este projecto pretendeu preencher o vazio nos estudos sobre as casas vernáculas com abóbada e respectivos processos construtivos, constituindo a primeira abordagem, tanto interdisciplinar como digital, a este tipo de construções. Baseado no estudo dos tratados e manuais de arquitectura e construção, em levantamentos métricos e fotográficos e em técnicas de inspecção termográfica não invasiva, este projecto explorou as possibilidades das Humanidades Digitais aplicadas à História da Arquitectura.
As principais actividades do projecto foram:
- Compilar e estudar os tratados e manuais que integram sistemas abobadados correntes usados em Portugal entre os séculos XVI e XIX, especificando autores e contextos, conteúdos e fontes;
- Estudar e realizar o levantamento das casas com abóbada no Sul de Portugal: regiões de Évora, Beja e lado nascente do rio Guadiana, no interior do Alentejo, e as regiões do barlavento e do sotavento do Algarve, consoante o seu contexto e tipologia;
- Identificar e estudar os edifícios mais influentes da envolvente das casas vernáculas e que possam ter servido como elo de transmissão de conhecimento;
- Caracterizar a geometria das abóbadas, sistemas construtivos e materiais usados;
- Criar um corpus baseado no conhecimento construtivo publicado sobre as casas vernáculas, tipos de abóbadas, distribuição geográfica, construtores e utilizadores;
- Gerir o corpus alojado numa plataforma electrónica com acesso aberto, disponibilizando os dados parametrizados, georreferenciados e visualizações 3D, através de um itinerário online e de uma exposição virtual, a partir do cruzamento dos conceitos e ferramentas das Humanidades Digitais e da Arquitectura Digital.
Através desta plataforma é gerido e apresentado o corpus de conhecimento produzido ao longo dos 20 meses do projecto exploratório Vaulted South, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (EXPL/ART-DAQ/0171/2021).
Foram inventariados um conjunto de edifícios de diferentes usos:
Os edifícios abobadados estudados encontram-se localizados nas seguintes localidade do Alentejo e do Algarve:
Esta base de dados foi criada com o software Omeka e é composta por diferentes tipos de informação (textos, desenhos técnicos, fotografias e mapas georeferenciados). Os dados organizados nesta plataforma estão a ser analisados numa perspectiva múltipla (histórica, arquitectónica e estatística), engendrando novas formas de entender o património arquitectónico vernáculo.
O projecto foi coordenado pela arquitecta Mafalda Batista Pacheco (CHAM, FCSH NOVA) e pela historiadora da arte Margarida Tavares da Conceição (IHA, FCSH NOVA). A equipa do projecto foi composta por especialistas académicos de diferentes áreas científicas como a Arquitectura, História da Arquitectura, História da Arte e Engenharia Civil, liga duas universidades, a FCSH – Universidade NOVA de Lisboa e o IST – Universidade de Lisboa, e quatro unidades de investigação: o CHAM, o IHA, o CiTUA e o CERIS.
A equipa contou com três consultores, dois espanhóis, o arquitecto Manuel Fortea Luna (Universidad de la Extremadura) e a historiadora da arte Nuria Rodríguez Ortega (Universidade de Malaga) e o um português, o historiador da arte Nuno Senos (IHA FCSH NOVA) para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos de investigação. O projecto teve como parceiros a Biblioteca Nacional de Portugal e a Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra.
A plataforma Vaulted South visa contribui para a compreensão das fronteiras entre a arquitectura erudita e a habitação vernácula, e os itinerários da transmissão de conhecimento, a fim de conservar um património desconhecido e em risco de adulteração, destruição e desaparecimento, assim como apoiar projectos e campanhas de reabilitação, acções e procedimentos patrimoniais, rotas turísticas e até mesmo inspirar projectos contemporâneos.