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José Augusto Mendes e Francisco José Fazenda Meruje

Nome do entrevistador/a

Joana Dias Pereira

Local

Covilhã

Data

3 de Junho de 2021

Nome do entrevistado/a

Joana Dias Pereira

Nome do entrevistado/a

José Augusto Mendes e Francisco José Fazenda Meruje

Data de nascimento

José Augusto Mendes nasceu em 1933
Francisco Meruje nasceu em 1944

Local de nascimento

Ambos nasceram na Covilhã

Profissão dos pais

Os pais de José Augusto Mendes foram operários têxteis.
O pai de Francisco Meruje era instrutor de condução, a mãe era doméstica e trabalhava nas limpezas

Escolaridade

José Augusto Mendes fez a quarta classe.

Local de residência

Covilhã

Situação civil

José Augusto Mendes é casado.
Francisco Meruje é divorciado

Filhos

José Augusto Mendes tem dois filhos,
Francisco Meruje tem uma filha.

Profissão

José Augusto Mendes foi chauffer e operário da indústria de lanifícios.
Francisco Meruje trabalhou na indústria dos lanifícios como chefe de armazém

Locais de trabalho

José Augusto Mendes trabalhou a Ultimação
Francisco Meruje trabalho na fábrica Campos Melo

Associações em que participou

Grupo de Educação e Recreio Campos Melo

Cargos dirigentes

Ambos pertenceram a várias direções do Grupo de Educação e Recreio Campos Melo, tendo sido seus presidentes.

Filiação partidária

Não têm filiação partidária

Religião

São católicos.

Sinopse da entrevista

José Augusto Mendes testemunha com detalhe o processo de fundação do Grupo, na qual participou desde criança acompanhando o pai. Ambos lembram com nostalgia a atividade do clube no passado, valorizando o envolvimento e empenho dos sócios, designadamente através do trabalho voluntário. Destacam a atividade teatral, a organização do rancho, a participação nas marchas e outros marcos na atividade do Grupo no passado. Contam também como era a participação das mulheres, nomeadamente as criadas de servir nos bailes de domingo à tarde. Destacam ainda o papel da coletividade na educação primária e alfabetização de adultos. Lamentam o despovoamento do bairro a que atribuem as novas dificuldades de participação. Testemunham a vigilância e repressão que se abatia sobre o associativismo durante a ditadura, destacando a vinda de Francisco Fanhais à coletividade, seguida da ameaça de encerramento da coletividade. Valorizam também a participação democrática da população nas assembleias-gerais, antes e depois da Revolução. Testemunham a fundação de uma Comissão de Moradores após o 25 de abril de 1974 e as obras de beneficiação realizadas, bem como as novas atividades e iniciativas do Grupo como o cinema ou a criação do Covimúsica, um grupo de música popular portuguesa. Refletem sobre o presente e o futuro do associativismo.

Palavras-chave

Testemunho

P: Se calhar podíamos começar pelo senhor, dizia-me o seu nome todo para ficar registado.

José Augusto Mendes: José Augusto Mendes.

P: Nasceu aqui na Covilhã?

José Augusto Mendes: Nasci mesmo aqui neste bairro. A casa era ali, um barracão, nasci nessa casa, que foi deitada abaixo para fazerem a escola, que era aqui e depois é que passou lá para cima. Era para fazer lá na escola e depois foi feita lá em cima. Nasci em 1933.

P: E andou aqui na escola?

José Augusto Mendes: Andei na escola aqui? Não. Foi na escola que era ali, numa casa que aqui está ao lado, e andei lá em baixo, porque o grupo começou numa tasca. Foi num barracão que era aqui a seguir ao grupo, que era de um fundador, que era o Manuel da Cruz, que teve aqui as tascas quase todas. Esteve ali na tasca, esteve ali em baixo. E ele, quando organizou este grupo, foi ali num barracão que era lá a tasca. Havia mais tascas ... e depois daí nasceu o grupo.

P: E a escola, fazia parte do grupo?

José Augusto Mendes: A escola foi só depois, quando arrendaram, porque aquilo estava numa tasca. Foi organizado numa tasca e depois passou a arrendar aqui uma casa, aqui ao lado, e foi aí a escola, que era uma casa que agora é da família aqui do Francisco, que era altos e baixos, tinha rés-do-chão e primeiro andar. Depois daí passou para ali para o Zé Maria Couto, também pertence a essa fundação.

P: E andou, fez aí...

José Augusto Mendes: Fiz só cá a terceira classe e depois fui para a central.

P: E aí na central fez até quando?

José Augusto Mendes: Só fiz até à quarta classe, que era o que havia, porque nesses anos era a admissão ao liceu e eu cheguei à quarta classe, ainda estive na admissão ao liceu, mas depois desisti porque fui trabalhar, porque nesse tempo era assim.

P: E foi trabalhar para onde?

José Augusto Mendes: Fui trabalhar para o Gomes, aquela lá em baixo, na Ultimação, que agora também não há, é um restaurante, etc. E estive aí.

P: Qual foi o ofício que foi aprender?
José Augusto Mendes: O ofício que fui aprender foi o ofício de acabar as fazendas, era a acabação.

P: E trabalhou sempre nessa área?

José Augusto Mendes: Depois daí passei a ser chauffeur da Ultimação e trabalhava lá dentro, porque isto antigamente era assim. E davam-me mais um X para eu sair com a camionete e eu saía com a camionete. Depois daí ainda fui para a tropa, quando vim da tropa, a ver se arranjava melhor vida, comecei a andar, chauffeur, continuei a trabalhar nessa Ultimação e depois passei para o Fernando Antunes. Andei a ver de trabalho. Eu não queria ir para a Ultimação, disse: “Eu já não vou mais para a Ultimação.” Fui aprender a tecelão e saía da Ultimação às 4:00 da tarde, ficava à hora ao meio-dia, almoçava, pegava logo ao trabalho, depois saía às 4, às 4 ia trabalhar, a pegar na Rosa e Conceição, que era ali na estrada quando se vai para a floresta, que isso também já acabou, e então eu trabalhava até à meia-noite, até terminar. Aprendi a tecelão, ao fim de aprender a tecelão, andei a ver aí o que é que me podia aparecer. Fui para o longo curso, muito triste, de camionetes, depois fui ao Fernando Antunes, estive lá 34 anos, foi onde eu acabei. E depois, além de ser chauffeur, trabalhava no armazém de fios, que era dar os fios para urdirem as teias para os tecelãos fazerem a fazenda. Depois passei para o armazém de fazendas, que foi onde fiquei.

P: E casou? Tem filhos?

José Augusto Mendes: Sim, casei. Tenho dois filhos, o Rui e o José Alberto, que andam no Covimusica.

P: E a sua mulher, também trabalhava na indústria têxtil?

José Augusto Mendes: Trabalhava, era metedeira de fios na Nova Penteação.

P: E os seus filhos, qual foi a profissão que seguiram?

José Augusto Mendes: O mais novo tem o 12º e o outro foi para Eletromecânica, mas não completou. Enfim...

P: E os seus pais, também trabalhavam na têxtil. Também trabalhavam aqui nas fábricas, os seus pais?

José Augusto Mendes: Trabalhavam. O meu pai trabalhava na Ultimação, para onde eu fui, porque o meu pai não queria que os filhos fossem trabalhar para ao pé dele. Mas nós lá.... primeiro foi um irmão meu, que já morreu, que era o mais velho, esse é que foi o primeiro, depois eu digo: “Arranja-me lá trabalho para mim.” E arranjou-me. E eu entrei. Quando entrei lá e se isso era.. Nesse tempo, a gente ia, havia pais que era horrível, havia outros que não se incomodavam.

P: E a sua mãe também trabalhava na indústria ou ficou em casa?

José Augusto Mendes: A minha mãe estava em casa, depois é que passou a trabalhar também na parte da indústria, que era nas máquinas de preparações.

P: É religioso, é católico?

José Augusto Mendes: Sou. Como a família, não quero outra.

P: E é filiado em algum partido?

José Augusto Mendes: Não, isso de partidos eu não aceito nada. Eu tenho a minha ideia, partidos não quero cá.

P: Então agora o senhor, pode dizer-me o seu nome todo?

Francisco José Meruje: Francisco José Fazenda Meruje. Nascido na cidade da Covilhã, desde 1944. Tenho 77 anos. Eu fui já muita coisa. Portanto, casei, tive uma filha, divorciei-me. Estou sozinho. Estou sozinho e bem acompanhado, que ainda é melhor. Trabalhei nos lanifícios. Trabalhei na Argélia. Fui 20 anos aqui diretor, praticamente, uns anos como presidente, outros anos como secretário, outros anos como vogal. Claro que os lanifícios agora são totalmente diferentes do que eram antigamente. O último trabalho que tive foi no Campos Melo, na fábrica Campos Melo, estava no armazém, era o chefe de armazém. E ali o que faziam era só transformar a lã, para ser lavada e depois transformá-la em bobine.

P: E é religioso?

Francisco José Meruje: Sou religioso, católico, não muito praticante. No entanto, todos os domingos me farto de rezar Pai Nosso e Ave Maria, que estás no Céu.

P: E é filiado em algum partido?

Francisco José Meruje: Não, mas tenho a minha ideologia, é normal.

P: E então digam-me uma coisa, esta vontade de participar nas associações é uma coisa que vem de família, ou seja, os vossos pais ou algum familiar já participava em alguma associação?

José Augusto Mendes: Quer dizer, pelo menos o meu pai era, trabalhava, porque o meu pai não sabia ler, portanto, os que não sabiam ler só trabalhavam, não podiam ser diretores, era só trabalhar, e eu vim por causa dos meus pais, porque nesse tempo, nesta coletividade, os garotos não podiam entrar, só acompanhados pelos pais. E então ficavam à porta ou vinham com os pais e a gente começou a tomar assim coisa por esta coletividade, dessa forma.

P: E o senhor?.

Francisco José Meruje: O meu é diferente, muito diferente. O meu pai era instrutor.
P: Era instrutor de quê?

Francisco José Meruje: Instrutor de carros de condução. E eu nunca… não tenho carta. E podia ter e nunca quis. Dizia eu para o meu pai: “Oh pai, se eu tiver a carta, se comprar um carro, vou ser utilizado por muita gente para ir aqui e ali, porque eu não sou capaz de dizer que não e assim é dinheiro que poupo.” E então foi assim, a minha mãe praticamente estava em casa, mas tinha uma senhora, que era a dona desses carros e o esposo, e a minha mãe fazia lá a limpeza sempre, portanto, era como se tivesse também junto. Era o [...].
Eu, como atrás lhe disse, nestes 20 anos, praticamente, pertenci à direção, aconteceram coisas espetaculares. Uma delas, sabe muito bem que antes do 25 de Abril, não se podia dizer ai nem ui, entrávamos aqui, mas vínhamos com os pais, de outra maneira não podíamos entrar, só a partir dos 18 anos. E depois, indo mais à frente, aconteceu uma coisa espetacular, quando foi um ano em que resolvemos trazer o Francisco Fanhais aqui à coletividade, antes do 25 de Abril. E esteve quase para fechar a coletividade, adianto já que esteve quase para fechar. Tivemos depois a sorte de ir falando e tal e a coisa não aconteceu. Mas esteve aqui o Comissário da Polícia, estiveram aqui os Pides, estiveram aqui, que a gente depois veio a saber quem eram. Levaram os discos dele, levaram tudo que tínhamos aqui, foi assim. Passámos um mau bocado, nessa altura, mas nunca desistimos, continuámos sempre na mesma.
Isto foi feito praticamente por sócios. Foi a fábrica Campos Mello, por isso é que tem o nome, isto era só Grupo Educação e Recreio, e o que é que aconteceu? Aconteceu que isto, estas pessoas que estão aí da primeira direção resolveram juntar-se e ir ao Campos Melo, porque trabalhava muita gente daqui, ali em baixo. Resolveram ir lá e falar com o Campos Melo que queriam construir o grupo e o que é que podia acontecer. Este terreno era dele, ele deu o terreno e deu 20 contos nessa altura, 20 contos era muito dinheiro, que conseguiram pôr a parte de baixo quase toda pronta. E a partir daí, ficou então posto ao Grupo Educação e Recreio Campos Melo. Ainda hoje em dia se vai, em Março, ao cemitério em homenagem dos sócios ao jazigo dele. Nós é que praticamente estamos a tomar conta do jazigo.

P: O senhor já não se não se recorda exatamente desse período da fundação?

Francisco José Meruje: Não me recordo, recordo-me mais por ler os livros e ouvir contar aqui às pessoas mais velhas.

P: E o senhor, recorda-se desse processo de construção?

Francisco José Meruje: Ele recorda-se, desculpe lá, ele recorda-se porque quando fizeram o salão lá em baixo, fizeram um palco para dar uns bailes e eles iam para debaixo do palco ver as pernas às senhoras.

José Augusto Mendes: Quer dizer, a fundação disto, quando começou e começaram a fazer a sede, já tinha sido o grupo em dois lados. Depois foi quando o Campos Mello, conforme o Francisco disse, deu o terreno e começou. A obra que foi feita era só a entrada, uma pessoa agora entra, essa parte era fechada, mas estava a entrada de frente e era como esta divisão ou mais, mas apanhava altos e baixos e começava, e depois havia aí os bailes. Por debaixo estava a tasca, nesse tempo era tascas, não era bares. Havia a tasca, quando a gente entrava no terreno, depois havia a sala de baile e espetáculos, que já se fazia teatros e tudo, e depois havia o barbeiro, era pequenito, o espaço era pequeno, mas havia de tudo um bocadinho, barbeiro e tudo isso. Isso foi quando começou essa parte.
Depois, começou-se a arranjar dinheiro e depois é que fizeram o resto até aqui, como está agora, praticamente, mas ficou tudo em aberto, não havia nada de divisões nem nada e depois fizeram, disso o Francisco já se lembra, porque já foi mais tarde. E então havia uma divisão a esta ponta, puseram lá a barbearia, e já era um café mais ou menos. Depois havia os bailes todos os fins de semana, vinham as sopeiras, antigamente eram as sopeiras, que eram as criadas de servir, chamavam-lhes muitos nomes, e vinham para o baile, que era a matiné, até à 7:00 horas, porque elas depois tinham que ir dar o jantar aos patrões. E então, até essa hora, das 3 às 7 horas, era casa cheia.

Francisco José Meruje: Era uma animação. Senhoras, de um lado, homens do outro.

José Augusto Mendes: E depois havia os bailes e depois havia, para se arranjar dinheiro, isso já eu pertencia a essas comissões, havia os lances. Havia os rapazes que, esta não queria dançar com ele e depois havia os lances, quem ficasse com o lance ia oferecer...

Francisco José Meruje: O lance eram várias coisas, eram flores ou era...

José Augusto Mendes: Ou era sabonetes, arranjava-se muito dinheiro assim. E havia então o beberete, que era o chá, as meninas só chá, então iam as meninas ao chá, havia o disco, claro, porque cada um ia buscar a moça para ao café e tinha de pagar. O rapaz é que pagava o chá, um ou dois, o que ela comesse.

Francisco José Meruje: Depois tivemos também aqui o rancho folclórico.

José Augusto Mendes: Foi, o primeiro rancho folclórico. Isso foi em 1954, andava eu na tropa.

Francisco José Meruje: Depois fizeram-se aí muitos casamentos. Mas eram bons tempos, melhores do que estes.

José Augusto Mendes: Eu pertenci a esse rancho e mais um colega. E havia a Feira de São Tiago, que era lá em baixo no jardim.

Francisco José Meruje: Era no coreto, que agora foi embora daqui da Covilhã, não sei o que é que fizeram ao coreto, era aí, era no Campos Melo, no Oriental, nos Leões, aquilo ao fim havia sempre zaragata, mas depois acabava tudo junto, porque aquilo era aquele é que merecia ganhar, o outro é que merecia ganhar. Era assim.

P: Então digam-me uma coisa, na construção da sede era trabalho voluntário, eram os sócios?

Francisco José Meruje: Trabalho dos sócios, tudo feito pelos sócios.

P: Então e esse dinheiro que angariavam nos bailes em que é que o usavam?

Francisco José Meruje: Era precisamente para isso, ia-se fazendo aos poucos as divisões e pronto, havia um plano que estava traçado. Já não era como agora é, que é preciso ir à Câmara para fazer isto e aquilo. Nós temos lá em cima um polidesportivo, um ringue também, não sei se sabe, também lá temos um, também foi assim que se fez. Foram os sócios a trabalhar ali, embora se tivesse uma empresa, que havia coisas que não se sabia, não podiam ser feitas por nós, porque era arrancar pedras, tirar pedras e tudo do terreno. E foi assim que a gente o fez, com a ajuda do Castelo Branco do, como é que se diz, da Câmara, de várias instituições que nos foram dando dinheiro para conseguirmos acabar a obra que lá está em cima.
Só que o problema agora passa-se na questão do pagamento do IMI, e isso tem que ser pago e tem que ser tudo. E por isso é que as coletividades estão um bocadinho em baixo, por causa dessas coisas, que deviam ser, que fazem tão bem à população, que deveriam ser isentas dessas coisas, se outras pessoas são e que não fazem tão bem à cidade e aos grupos e às coletividades… É assim e temos que ir vivendo conforme bate o batuque.

P: Então começaram com os bailes, o rancho....

José Augusto Mendes: E havia uma cotização também. Eram umas cadernetas, eu não sei se o Chico se lembra, eram umas cadernetas e que com um carimbo punham só pago e mais nada. E depois é que passou então a ser com cortes.

Francisco José Meruje: Mas era de facto um tempo diferente do que é este. Havia mais...

José Augusto Mendes: Havia mais respeito…

Francisco José Meruje: Este bairro era o mais populoso da Covilhã. Acaba por ser um bairro com menos população que há agora. Era uma coisa espetacular, a coletividade todos os dias estava cheia, depois tinha snooker, tinha as damas, tinha o jogo da sueca, tinha várias coisas.

José Augusto Mendes: Era o loto, antigamente que isso era...

Francisco José Meruje: Fazia-se os bailes de carnaval, era o segundo baile do país, no Carnaval, o melhor era lá em cima na Serra, tínhamos que proibir a entrada às pessoas, porque era aquele salão todo cheio. Às vezes, às 10h30 já ninguém podia entrar. Era uma coisa impressionante.

José Augusto Mendes: E depois eram quatro dias. Era começar hoje à 1h00 e só saíamos de manhã às 8 horas.

Francisco José Meruje: Sair às 8 horas para o trabalho. Sair do trabalho às 5h00 e ainda varrer tudo para essa noite, para ficar até às 4, 5 da manhã, ir trabalhar, eram quatro dias assim. Mas eram comissões espetaculares.

P: Organizavam-se em comissões?

Francisco José Meruje: Exatamente, para ajudar a direção. Era uma comissão que estava a tomar conta, por exemplo, ficar lá em baixo para ver se havia algum problema ou não havia e tal e tentar resolver sempre as coisas.

José Augusto Mendes: Foi primeiro o teatro e depois é que foi o rancho, o primeiro em 1954, que foi a primeira vez o rancho.

P: E o teatro foi quando?

José Augusto Mendes: O teatro foi sempre, quando o grupo teve sala para dar espetáculos começou logo.

P: Mas eram os sócios que faziam teatro?

Francisco José Meruje: Era, um dos primeiros ensaiadores do teatro foi o sr. [...], que foi também presidente. Esse foi ensaiador, foi presidente, foi contínuo, contínuo da coletividade, e que estávamos todos e ele é que fechava, fazia a limpeza, fazia tudo. Isto porque, antigamente, isto tinha funcionários. Tinha funcionários que faziam cumprir as regras dos estatutos. Eu, se viesse à porta, que entrasse ali e ele me visse, o espanador que tinha na mão, ia ele e eu tinha de fugir, porque era assim e não entravam mesmo. Com os pais não havia problemas. Eu só comecei aqui entrar praticamente aos 12 anos, quando o meu pai vinha cá, é que eu vinha com ele. E ficava ali quietinho...

José Augusto Mendes: Eu, quando me fiz sócio, tive que fazer os 18 anos, e agora não, fazem-se sócios logo que nascerem. Eu não, ficava ali à entrada, ali estávamos…

Francisco José Meruje: Antigamente só aos 18 anos é que se podiam fazer sócios.

José Augusto Mendes: Porque se me fizesse sócio nessa altura em que eu entrava com o meu pai, eu agora sou um número baixo, mas pronto, era mais baixo.

P: E algum de vocês fez parte do teatro?

José Augusto Mendes: Eu fiz, o Xico não, o Xico foi ensaiador.

P: E quais eram as peças que faziam e qual é que gostaram mais?

Francisco José Meruje: Uma das peças que todos gostámos mais e que estivemos agora a fazer outra vez, há cerca de um ano e tal, foi a Casa de Pais, que tivemos uma menção honrosa e até um diploma e tudo. Teve cá o Ruy de Carvalho, a servir de júri no teatro-cine da Covilhã, tivemos uma menção honrosa, uma senhora que não sabia ler nem escrever e decorou o papel todo, o principal papel todo, só as pessoas a lerem para ela dizer as coisas.

José Augusto Mendes: Era minha tia. Eu tinha um meu tio, que era o professor aqui, que era o [...], que era um homem que tinha uma mão deficiente, e ele é que dava aulas aqui. Foi um dos professores aqui da Covilhã, porque quando levava alunos a exame, todos passavam e os outros não passavam.

P: Era boa, a escola da coletividade?

José Augusto Mendes: Era. Teve cá bons professores, sim senhora.

P: Até quando é que durou a escola?

José Augusto Mendes: Acabou não foi há muitos anos, que passou lá para cima, que era para ser feita no barracão que deitaram abaixo, onde eu fui criado.

Francisco José Meruje: Já não tenho recordação. Isso, depois, a senhora ali nos livros vê lá, se quiser. Há muita coisa que a gente já…

P: E vocês, com o teatro e com o rancho, passeavam pelo país?

Francisco José Meruje: A Casa de Pais correu aqui a Covilhã toda, todas as coletividades, esta última…

P: Qual é a história da Casa de Pais?

Francisco José Meruje: A Casa de Pais é um filho que quer virar e está casado com uma mulher, portanto, está casado, é um casal e a mulher manda nele. A mulher é que manda nele e que diz o que há de fazer e o que não há de fazer e quer pôr o velho num sítio qualquer, quando o velho é que está a dar tudo. Depois há dois irmãos que são do outro lado e há outros, há o mais novo que está com o pai e que pega numa espingarda, pega em tudo, ameaças, mas ela manda-se para cima dele, a cunhada. E depois acaba por, pronto, acaba por tudo ficar bem, pedem perdão e tudo. Mas são três atos espetaculares.

José Augusto Mendes: Deram-se cá grandes peças de teatro, sempre casa cheia.

P: E o rancho, como é que era?

José Augusto Mendes: O rancho não era como agora se faz, de nenhuma maneira, era, enfim...

Francisco José Meruje: Era bom.

P: E vocês, só faziam parte desta associação ou faziam parte de outras?
Francisco José Meruje: Não, só desta associação. Somos guerreiros até ao fim do mesmo.

José Augusto Mendes: Eu mais o Francisco somos os últimos sócios que estamos sempre aqui.

Francisco José Meruje: E depois o Rui arranja-nos estes caldinhos.

P: E as mulheres, as mulheres também se envolviam nas comissões?

Francisco José Meruje: Sim, sim. Olhe a questão das marchas, por exemplo, estava a dizer à sua colega que aqui o salão estava sempre cheio, tínhamos as mulheres, elas faziam os vestidos, elas faziam tudo, quer dizer, havia sempre uma pessoa como eu que dizia o que queria e como queria e havia pessoas que estavam nas confeções, que trabalhavam nas coleções, traziam as máquinas delas e faziam tudo. Era espetacular o convívio, um convívio espetacular!

P: E as mulheres também participavam nas direções?

José Augusto Mendes: Sim, sim, sim.

Francisco José Meruje: Ainda hoje há, ainda hoje esta direção tem. Tinha pelo menos duas, três, mas agora só duas, a [...]e a [...].

P: Andaram aqui na escola primária também?

Francisco José Meruje: A [...]sim, a [...]não.

José Augusto Mendes: A [...]é do Canhoso.

P: Estou a perguntar acerca das mulheres em geral…

Francisco José Meruje: Havia muitas mulheres na escola, tinha a escola dos rapazes e a escola das meninas. Não devia haver mistas nessa altura.

P: Então, contem-me lá, estavam-me a dizer que antes do 25 de Abril ainda tiveram alguns problemas com a polícia.

José Augusto Mendes: Tivemos sim. Era eu diretor e o [...], que já faleceu, que foi presidente da Junta, e tinha uma loja de mercearias aí nessa rua, quando se vem do Sporting, do antigo Sporting. Tinha aí uma mercearia, éramos nós e eu era presidente. E então há uma sexta-feira, a pior guerra foi essa, essa já não foi com o Francisco. E estava uma direção, nós íamos a sair, já cá estávamos há quatro anos e com isto a andar para trás, porque nós, quando entramos para cá não havia dinheiro. Nós então dávamos aos sócios quando morriam um X, ao sócio era um X, era 700 e depois passou para 1000. E era aos filhos.
Pois é, quando nós entrámos não havia dinheiro. No primeiro dia que entrámos nesta porta, aparecem logo a pedir-nos dinheiro, nós não tínhamos dinheiro, sabe o que é que nós fizemos? O [...] diz assim “bom, temos que resolver isto, temos que pagar”. E agarrámos, tu ganhas X, dás X, que eu tenho aqui, e foi assim que pagámos. Eu ganhava menos, dei menos. O [...] deu mais porque podia mais. E pagámos assim os subsídios às pessoas para não cortar. Depois começou a entrar dinheiro, porque nesse tempo tínhamos 3000, 2000 a 3000 sócios, só a quotização dava muito dinheiro.

P: Explique-me lá isso dos subsídios, eram subsídios de funeral?

Francisco José Meruje: Eram mil escudos o homem... Acabou por depois se eliminar dos estatutos essa cláusula, porque já não tinha importância pagar isso, porque toda a gente, praticamente, tinha os funerais pagos pela caixa, mas o que é certo e verdade é que dávamos os livros para os filhos para a escola, que se davam também todos os anos, isto antes do 25 de abril, aos que estavam mais carenciados. E houve mais coisas que eu agora não estou recordado, na questão de beneficência para as pessoas.

P: Mas conte-me lá melhor essa história de quando veio cá o Padre Fanhais....

Francisco José Meruje: Quando veio o Fanhais foi assim, foi anunciado que vinha o Fanhais e até era entrada livre. O salão completamente cheio, as pessoas vieram, mas não sabiam ao que é que vinham. Até eu nem sabia se havia PIDE se não havia PIDE, nessa altura. Ora, sei que fui a uma discoteca comprar o último disco dele, em vinil. Arranjei dentro do palco, com tudo fechado, arranjei um gira-discos, liguei a corrente e enquanto as pessoas entravam e estavam à espera que ele viesse, pus o disco a tocar, sempre ia tocando.
Quando ele chega, abrimos as coisas e qual foi o nosso espanto, cantou aquela canção que diz os “polícias cães e os cães polícias” e qualquer coisa assim do género que agora já não me recordo. Vimos um burburinho na sala. Não, não houve assim grande coisa, mas um burburinho e a gente começou logo. Olha, há aqui qualquer coisa. E dissemos ao Francisco Fanhais: “Você vai já embora daqui no seu carro e, por favor, quando chegar ao Barreiro, diga-nos, por favor, se chegou ou não chegou bem, se há algum problema.” Ele saiu daqui e felizmente não houve problemas nenhuns. Ligou-nos, estava tudo bem, mas depois começaram aqui a ser interrogados os membros da direção, embora eu não estivesse na direção, mas os membros da direção foram interrogados. Chegámos à porta: “Aqui ninguém mexe, nem nada”. A partir daí, tivemos a sorte de que a coisa se esqueceu e a coletividade safou-se dessa coisa, mas foi, foi um....
Mas, quer dizer, levaram os discos, levaram o gira-discos, como já tinha dito atrás, levaram tudo o que era revolucionário. E depois avisaram: “Não façam mais disto, porque vocês não podem fazer estas coisas.” ”Mas isto é uma coisa normal, a gente traz as pessoas que podemos trazer aqui para ganharmos algum dinheiro, é o normal.” E ele não quis um tostão. E é assim, acabou assim a história.

P: E a biblioteca? Tiveram algum problema com os livros da biblioteca?

Francisco José Meruje: Não, não, nunca tivemos problemas na biblioteca.

P: Era muito frequentada?

Francisco José Meruje: Antigamente era, antigamente.

P: Também emprestavam livros para casa?

Francisco José Meruje: Sim, exatamente, ficava o nome da pessoa, ficava tudo e entregávamos um papel como ele entregou.

José Augusto Mendes: E depois, quem lesse mais tinha um prémio.

Francisco José Meruje: Também tinham um prémio.

P: E houve pessoas que aprenderam aqui a ler?

Francisco José Meruje: Sim, várias, havia a escola da noite para idosos, que não sabiam ler nem escrever. Então liam aqui, fechavam aquelas aulas, aquelas aulas normais, à noite, às 7h00 ou 8h00 horas e começavam as aulas na altura.

José Augusto Mendes: Os meus filhos foi aqui que aprenderam a ler. O mais novo foi aqui, tirou a quarta classe. Eu não sei se ele chegou a tirar aqui, parece que teve de ir para a central. Já o mais velho não, ele tirou aqui a quarta classe e depois foi para o antigo liceu, foi para aí.

P: Depois e depois do 25 de Abril, o que é que mudou?

Francisco José Meruje: Depois do 25 de Abril, as coisas correram muito melhor. Quero dizer, esta coletividade já passou e conseguiu resolvê-las. Já teve problemas graves, ainda agora houve um que acabou de ser resolvido aqui com esta direção, de umas direções já muito antigas. Neste momento, a coletividade está saudável em questões financeiras, não deve um tostão a ninguém, graças a Deus, e estamos aqui no nosso cantinho, sem chatearmos ninguém e ninguém nos chatear.

P: E diga-me uma coisa, nesse período, logo a seguir ao 25 de Abril, algumas populações fizeram coisas tipo construir estradas… Aqui também fizeram isso?

Francisco José Meruje: Sim, tivemos aqui o parque, foi feito pela Comissão de Moradores, fizemos aqui no grupo uma comissão de moradores.

P: Quando é que isso foi?

Francisco José Meruje: Isso foi praticamente a seguir ao 25 de abril, talvez dois meses depois do 25 de Abril. Fizemos aqui uma reunião e tal, fez-se umas atas, tudo, foi-se a aprovar onde foi preciso ir e teve a Comissão a trabalhar. A Comissão arranjou aqui este coiso que depois foi entregue à junta de freguesia e ali o poço grande, não sei se conhece, que era ali um poço em que a água ia para a fábrica do Campo Melo para lavarem a lã. Vinha da Serra, tinha as minas todas aqui, ia ali o poço grande, como nós lhe chamámos. Aí a Comissão também teve que intervir, porque o [...], o senhor [...], não é, Queria fazer ali um prédio alto e coisas e a Comissão...

José Augusto Mendes: E ainda foi, já tinha as paredes...

Francisco José Meruje: E teve de se deitar abaixo e a Comissão de Moradores é que fez aquilo, porque senão ficava ali um monstro desgraçado, ainda está, mas não tem água, não tem nada, pronto, e aquilo está ali.

José Augusto Mendes: Fazia-se lá desporto e tudo, havia sempre ali gente naquele tempo. E vinha ele a buscar as miúdas, porque não havia lá miúdas nesse tempo...

Francisco José Meruje: Aquilo era a piscina antiga, a primeira piscina da Covilhã, com bancadas, com balneários...

José Augusto Mendes: Com balneários, com pranchas para saltar e tudo isso. Havia festas aos fins-de-semana, festas mesmo.

Francisco José Meruje: Acabou isso. Fizeram ali aquelas casas todas, que vêm desde ali do princípio até ao fundo de tudo. Era tipo um campo de futebol onde se jogava à bola e tudo. Acabou, isso acabou, queriam fazer um prédio lá, não fizeram, agora o que é que está ali? Está ali um sítio espetacular para se fazerem festas de Verão. E como é que conseguem fazer as festas de Verão quando a Câmara quer dinheiro? É que ali nós podíamos fazer as festas de verão. Agora, com esta epidemia é difícil, mas antigamente ainda se lá fez muitas, mas geralmente eles é que punham a luz, punham tudo, faziam tudo, a Câmara, mas depois começaram a querer que se pagasse. E uma coletividade como esta, era para ver se se ganhava algum dinheiro. Fazia-se lá uns bares, fazia-se uma sardinhada, uma carne entremeada e essas coisas assim de Verão. Aquilo ali era espetacular. Agora puseram uns aparelhos para se fazer ginástica e tal, umas bancadas. Se quiserem, depois quando sairmos irem lá ver e tirar umas fotografias, pode ser que interesse.

P: E digam-me uma coisa, estavam-me a falar que houve uma pessoa da direção que depois foi presidente da Junta de Freguesia.

José Augusto Mendes: Foi o [...], porque foi nessa altura que o grupo começou a ser mais controlado pela polícia. E então a salvação desta coletividade, nessa altura, foi esse [...], era o presidente da Junta. Nós tínhamos reunião, que foi uma sexta-feira, eu chego, que eu morava ali ao pé do poço, e quando chego aqui vejo a polícia com metralhadoras. “O que é que se passa aqui?”, nunca pensando que nós íamos a sair. A direção ia sair, que já cá estava há muito tempo. E a direção que vinha para cá era tudo comunistas, eram os comunistas, era o [...], era tudo, era lá de baixo, era o [...].
E então telefonei para o [...], o [...] morava naquela casa ali, e eu disse: “Oh [...], venha já, passa-se isto assim, assim, assim.” Ele veio logo, chegou aqui: “Eu sou o presidente da Junta.” O chefe da Polícia, assim que viu o Zé Curto, chegou: “Passa-se isto assim, assim. Vocês não abrem já a coletividade, senão… Hoje fica fechada.” Tínhamos assembleia, nem assembleia, nem nada. Fechámos logo tudo, mas o bar ficou aberto. O bar ficou aberto, só fechou a parte onde íamos fazer a assembleia. Fechou-se tudo, eles andavam, estavam por cima, a polícia a cercar tudo e então não houve assembleia.
O [...]nessa noite foi preso, agora o resto não sei o que é que se passou. E depois esse [...], eu andei de mal com o ele, nem lhe falava, porque o gajo disse que eu é que o mandei prender, quando eu nem sequer falei em [...] nem nada. Eu nunca mais lhe falei. Mas depois, mais tarde, fizemos as pazes, porque ele soube que não fui eu.

Francisco José Meruje: Mas isso era bom, porque antigamente havia muita gente interessada em vir para direções aqui, às vezes apareciam duas, três, quatro, cinco listas, agora nem vê-los. Antigamente era uma assembleia que estava aqui às vezes duas e três horas a discutir coisas, como devia ser e agora estamos à espera que apareça alguém, mas é difícil.

P: E o que é que se discutia nessas assembleias com muita gente?

Francisco José Meruje: Discutia-se os anos todos da coletividade, nessa altura que esteve cá a direção, se faziam bem, se faziam mal, podiam ter feito assim, podiam ter feito assado, os com culpas, outros sem culpas, era isto. Depois aparecia um que dizia “isto é uma bolinha de neve que anda tudo à roda”. Havia cá uns cromos, como se costuma dizer agora...

José Augusto Mendes: O bolinha de neve ainda não morreu, ainda é vivo.

P: E havia discussões acesas?

Francisco José Meruje: Acesas mesmo, só que também era diferente, o presidente da Assembleia Geral: “Oiii” – e calavam-se, senão iam lá para fora, mas havia, costumava haver, muitos diálogos, mas eles: “Não, não, não há diálogos.”

P: Mas discutia-se livremente? As pessoas diziam o que achavam?

Francisco José Meruje: Livremente, quem tivesse de dizer, dizia, quem tivesse que apanhar, apanhava, e quem tivesse depois que reportar e dizer que não foi assim, foi assado. Era um debate que parecia a Assembleia da República.

P: E diga-me uma coisa, esta gestão do dinheiro, de pagar os subsídios era uma coisa difícil?

Francisco José Meruje: Sim, sim, muito difícil mesmo.

P: Como é que vocês faziam?

José Augusto Mendes: Quer dizer, esta coletividade tinha dinheiro nessa altura, havia uma vez que não havia, era consoante as direções que tivessem.

Francisco José Meruje: Era consoante o que se recebia da Câmara, o subsídio de Castelo Branco, o subsídio da junta de freguesia, o subsídio… e aí, depois, é que se arranjava de facto algum dinheiro para… E depois havia então os bailes de Carnaval, que era de facto a altura em que a gente tirava o dinheiro para todo o ano de que a coletividade precisava. Bastavam quatro dias. A primeira coisa que a gente fazia era corrermos uns atrás dos outros à bilheteira: “Como é que está? Já pagámos o conjunto?” “Já.” “Agora, a partir daqui é só lucro.”
E pronto, era assim, era assim que fazíamos. Andávamos para saber se as coisas estavam a andar bem ou não. E de facto fizemos aqui coisas espetaculares, vieram aí conjuntos de Coimbra, de Tomar, de vários lados, coisas espetaculares. E olhe, foi-se andando assim até que começaram a vir estes tempos e agora só nos dão dor de cabeça. Embora a gente não esteja na direção, mas dá-nos dor de cabeça também a quem tanto viveu esta coletividade, dá-nos dor de cabeça porque estamos a ver que não há continuação. Este bairro está desertificado, é só pessoas de idade. As pessoas novas, como o presidente, foram todos ali para aquela de Canhoso morar e as filhas deles e tudo.

José Augusto Mendes: E quem teve a culpa disto tudo foi o [...] e sabe porquê? Porque era para fazerem um bairro aqui por cima....

Francisco José Meruje: É, aquilo era terreno, diz ele, que não se podia fazer e agora já andam lá para cima a fazer tudo. Não compreendo.

P: Então mas não há muita gente nova aqui na coletividade?

Francisco José Meruje: Não, não, novos, eu vou lhe dizer, contam-se pelos dedos, que moram aqui em cima, são aí uns 10 ou 12.

P: Mas vocês têm muito cuidado em preservar a memória, têm um museu. Acham que essa memória passa para as pessoas mais novas?

Francisco José Meruje: Passa e eles sabem.

José Augusto Mendes: Só se aparecer, assim como foi com o meu filho. Ele apareceu, falaram-lhe do Covimúsica, e foi capaz de sempre...

P: O que é que é o Covimúsica?

Francisco José Meruje: O Covimúsica é um grupo de música popular portuguesa.

José Augusto Mendes: Eles têm atuado muito aí, na cidade.

Francisco José Meruje: Está praticamente, nesta altura do Verão, quase os fins de semana todos ocupado pela INATEL, para ir ao hotel de Manteigas, das termas, vai lá em cima aos hotéis da Serra e tem saídas aí pelo Fundão, pelo Teixoso...

P: E foi criado aqui?

Francisco José Meruje: Foi criado aqui.

José Augusto Mendes: Foi, foi o meu mais velho que o criou.

Francisco José Meruje: Já há 30 anos, e quantos são, oito ou nove?

José Augusto Mendes: São dez.

Francisco José Meruje: Há feminino e masculino, tocam a guitarra, tem a viola, tem o bombo, tem o pífaro, tem várias coisas.

P: Mas aprenderam a tocar aqui, tinham uma escola de música?

Francisco José Meruje: Tudo aqui, mas aprenderam por eles próprios, é uma coisa que nasceu mesmo deles.

José Augusto Mendes: O meu filho é que sabia tocar um bocadito de viola e começou a tocar.

P: E esse grupo está ligado formalmente à associação?

José Augusto Mendes: Sim, sim, é do Campos Melo, tudo aquilo que eles ganham é para a coletividade, mas quando precisam de comprar alguma coisa é daquele dinheiro que sai. E têm uma aparelhagem, uma mesa de som, já do mais moderno que há, têm tudo.

Joana Dias Pereira: Então até se está atualizar, a coletividade…

Francisco José Meruje: Sim, sim, está a atualizar-se, porque tem uma pessoa à frente que é o neto do Sr. José, à frente daquilo que para a parte de cores e de luz e tudo isso, aquilo é espetacular.

P: Então e pensando que até têm estas coisas novas e modernas, qual é que acham que será o futuro do associativismo?

Francisco José Meruje: Aqui ainda podemos dizer que é um bocado difícil, mas sei que há de facto aí conhecidos, como os Pinheiros Altos, o Rodrigo, a Mata, não sei como é que está.

José Augusto Mendes: Oh, está tudo mal… e ainda esteve pior.

Francisco José Meruje: Agora aqueles que têm muita população, Canhoso, Teixoso, Tordosendo, todos esses têm muita gente ali, muita gente. Para mim, talvez o que tenha mais gente é o dos Pinheiros Altos, o Académico dos Pinheiros Altos, que é de facto o que deve ter mais gente. Depois tem aqui os Leões da Floresta, que é lá em baixo, com os estudantes também se safa. Está depois o Oriental, também é os estudantes, também se safa. Aqui temos a UBI, mas é praticamente dormir e isso tem aqui muita gente, mas vão todos lá para baixo.

José Augusto Mendes: As boîtes é que deram cabo das coletividades, porque os rapazes novos querem é poder pedir até sei lá quanto. Eles pagam tudo e não dizem nada e se for aqui já falam.

Francisco José Meruje: As discotecas é que deram cabo das coletividades. Porque antes de abrirem as discotecas, nós aqui às tardes, aos domingos às tardes, havia uma comissão e fazia uns bailes, e ao sábado à noite.

José Augusto Mendes: Aproveitava-se tudo.

Francisco José Meruje: E aproveitava-se, não era muito o que se pagava. Era um euro de entrada, mas era qualquer coisa, era sempre dinheiro.

José Augusto Mendes: Isto no tempo da televisão, quando começou a haver as televisões, que não havia, o primeiro grupo foi este. O grupo pôs a televisão, as mulheres e tudo, tínhamos a sala que era ali onde está um café, parte do café.

Francisco José Meruje: Tínhamos uma plateia. Os novos só vinham cá quando dava os cowboys e coisas assim, estavam aí, depois iam-se embora. Depois estavam cá as pessoas mais idosas, já podiam assistir à vontade. Mas depois pagava-se 5 tostões, era uma das quotas, rasgava-se uma quota e lá entravam, mas com rigor, não andavam a brincar e a rir de qualquer maneira, estava lá o contínuo, como eu disse, à porta de entrada.

P: Mas isso era o cinema?

Francisco José Meruje: Não, não. Era a televisão, a primeira.

José Augusto Mendes: Quando se comprou a televisão, a primeira televisão era a preto e branco.

P: Mas eu vi que tinha ali uma bobine de cinema.

Francisco José Meruje : Não, também cá houve, davam-se espetáculos, havia um rapaz que morava nestas casas aqui em frente ao grupo, que estava no Inatel. Ele é que estava encarregado de trazer os filmes e rodar aqui. Esta foi oferecida pelo INATEL, esta máquina de filmes.

P: E aí também cobravam entrada?

Francisco José Meruje: Sim, sim, o valor era simbólico, mas pronto era dinheiro. Era dinheiro que entrava, sempre dava qualquer coisa. Todas as semanas havia um filme...

José Augusto Mendes: Aproveitavam-se todos os tostõezinhos que se pudesse. Antigamente para se fazer isto tinha que ser assim, senão não se podia.

Francisco José Meruje: E agora têm que dar às pernas para conseguirem aguentar isto como deve ser e são tempos muito difíceis nesta altura.

José Augusto Mendes: Eu digo ao meu filho “eu tenho amor a isto”, mas tenho que lhe dizer. Ele anda quilómetros durante o dia, porque ele é vendedor e anda quilómetros durante o dia e depois aparece às quinhentas. E eu digo-lhe para ele: “Tu não podes ali andar assim.” Depois vem para aí, ele ajeita-se em pintar e ele .... E então eu digo-lhe muitas vezes: “Deixa aquilo, porque não é agora que sai”.

Francisco José Meruje: Pois não, é verdade, isso é verdade.

José Augusto Mendes: Mas ele tem amor a isto e tem lutado para isso. Por isso, não havia dinheiro, não havia dinheiro e agora têm dinheiro. Mas agora digo eu, há sócios que não merecem. Eu mais o Francisco já fomos aqui prejudicados. Agora não há, mas teve aí um tipo no café, nós fomos, sem fazermos nada, nós fomos metidos ao barulho e não tínhamos culpa nenhuma e esses sócios deixaram até de aqui vir.

Francisco José Meruje: Mas isso é em todo o lado, há sempre. Em todo o lado é assim.

P: Como é que acham que a coletividade marcou a vossa vida? Imaginam a vossa vida sem a coletividade?

Francisco José Meruje: Agora não, isto foram anos e anos aqui a trabalhar bem, eu tinha fins-de-semana que era até às quatro e cinco da manhã, quando era das marchas a fazer as coisas todas. Eu e as outras pessoas que ajudavam. Estávamos aí semanas e semanas, eram dois meses, dois meses de azáfama, a irmos de um lado para o outro fazer isto e aquilo.

José Augusto Mendes: Antigamente trabalhava-se aqui. Éramos todos, faz de conta que era só um. Todos trabalhavam, porque havia sempre um que era o primeiro e então esse é que dava as ordens e era assim, nós concordávamos ou não concordávamos, mas era assim. Havia uma comissão, era organizada, mas havia um: “Vamos fazer isto” e nós ....

P: Como é que era escolhido esse que liderava?

Francisco José Meruje: Era o que tinha mais ideias e o que sabia fazer dessas coisas.

José Augusto Mendes: E depois apresentava ideias e nós apresentávamos ideias, digamos, vamos a fazer isto ... havia sempre ideias. Aliás, nem sempre havia acordo e o Francisco sabe, nessa coisa ele é mais novo do que eu, não é muito mais, claro que faz a diferença, e a gente, as comissões era tudo ok. Era sim senhor. Quando se visse que havia um que era daqueles que andava a desviar, não, tinha que ir embora. E isso era logo de cara. Ali a malta trabalhava, batia as três, batia as quatro, batia as cinco, estávamos sempre com eles...

Francisco José Meruje: Eram tempos magníficos… Isto das marchas também, a pandemia também veio estragar tudo.

José Augusto Mendes: Eu tive o Carnaval. Saía e ia pegar às 8 da manhã, mas apressavam-me para que fosse mais cedo, porque tinha lá o trabalho. Eu às 3 da manhã saía daqui e ia logo pegar ao trabalho sem dormir, sem dormir e isso era quatro noites seguidas.

Francisco José Meruje: Não, era gostar e ter amor à coletividade. Desde que se tenha amor à coletividade e que se goste dela, uma pessoa parte que vive por ela.

José Augusto Mendes: Pode aparecer, é verdade, mas é difícil, é difícil. Apareceu agora o meu filho, vá lá, e o outro, vá lá, e o Covimúsica têm-se aguentado. Já lá vão muitos anos e têm-no aguentado sempre. Ele é que tem sido sempre a base. É ele, o mais velho, foi o que formou o grupo, ele e mais um colega, e o colega anda meio doente. Têm amor por isto.

Francisco José Meruje: E agora, também é verdade, temos aí a zumba, que é uma atividade para pessoas casadas e tudo, enfim, senhoras, que às segundas e quintas feiras fazem aqui a sua magreza, as suas calorias desaparecerem e é mais uma coisa que dá pouco dinheiro, mas que interessa à coletividade.

José Augusto Mendes: São sócias e pagam.

Francisco José Meruje: Têm uma pessoa à frente, que está a tratar disso e que sabe fazer as coisas e às segundas e quintas feiras aqui estão. Não houve durante a pandemia, no ano passado, não houve nada, mas agora que já começou a abrir já fazem, porque não é grande, são 10 ou 12 pessoas e podem estar ali à vontade para fazer exercícios. É assim...

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