Item

Carlos Alberto Barroca

Nome do entrevistador/a

Joana Dias Pereira

Local

Covilhã

Data

Junho de 2021

Nome do entrevistado/a

Carlos Alberto Barroca
Manuel Luís Farias
Carlos Alberto Monteiro Santos

Data de nascimento

Carlos Alberto Barroca nasceu em 1945
Manuel Luís Farias nasceu em 1952
Carlos Alberto Monteiro Santos nasceu em 1955

Local de nascimento

Carlos Alberto Barroca nasceu freguesia de Santa Maria Maior
Manuel Luís Farias nasceu freguesia de Santa Maria Maior
Carlos Alberto Monteiro Santos nasceu na Covilhã

Profissão dos pais

A mãe de Carlos Alberto Barroca trabalhava nas limpezas e o pai trabalhava numa fábrica de lanifícios.
O pai de Manuel Luís Farias era tecelão.

Escolaridade

Carlos Alberto Barroca completou o ensino primário
Manuel Luís Farias completou o sexto ano
Carlos Alberto Monteiro Santos completou o ensino primário

Local de residência

Covilhã

Situação civil

Casado

Filhos

Carlos Alberto Barrocateve dois filhos
Manuel Luís Farias teve duas filhas
Carlos Alberto Monteiro Santos teve uma filha

Profissão

Carlos Alberto Barroca foi funcionário numa associação
Manuel Luís Farias foi operário têxtil e trabalhou na área da hotelaria
Carlos Alberto Monteiro Santos trabalhou na indústria têxtil

Associações em que participou

Ginásio Clube da Covilhã
Sporting Clube da Covilhã
Banda da Covilhã
Arsenal de São Francisco

Sinopse da entrevista

Os três dirigentes do Ginásio Clube da Covilhã reconstroem a história da instituição com base nas suas memórias de infância. Refletem também sobre a origem e natureza do associativismo, particularmente na Covilhã. Sublinham a importância do trabalho voluntário ou da "carolice".

Palavras-chave

Testemunho

P: Então podia-me dizer o seu nome todo?

Carlos Alberto Barroca: Carlos Alberto Barroca.

P: Nasceu aqui na Covilhã?

Carlos Alberto Barroca: Na freguesia de Santa Maria Maior.

P: Em que ano?

Carlos Alberto Barroca: 1945.

P: Estudou aqui na escola?

Carlos Alberto Barroca: Estudei a primária, porque só tenho a primária. E depois fui trabalhar, aos 13 anos.

P: Para quê?

Carlos Alberto Barroca: Em diversas coisas, porque antigamente nós não começávamos logo. Por exemplo, isto era uma cidade de lanifícios e eu nunca gostei de lanifícios. Ajudante de eletricista, assim coisas...

P: E depois, qual é que foi a carreira que seguiu?

Carlos Alberto Barroca: Depois fui para a tropa, para a Marinha. Fiz duas comissões no Ultramar. Eu era fuzileiro especial e, tendo saído, vim para motorista. Dediquei-me a uma associação, onde estive a trabalhar 30 anos, que era uma associação de deficientes. E estive lá 30 anos, até me reformar.

P: E os seus pais também eram daqui da Covilhã?

Carlos Alberto Barroca: Os meus pais também eram aqui da Covilhã.

P: E trabalhavam no quê?

Carlos Alberto Barroca: A minha mãe trabalhava nas limpezas, fazia limpeza nos Correios, e o meu pai trabalhava numa fábrica de lanifícios, que era a Ernesto Cruz.

P: E casou-se, teve filhos?

Carlos Alberto Barroca: Tenho 2 filhos.

P: E a sua mulher também trabalhava aqui na Covilhã?

Carlos Alberto Barroca: Trabalhava no comércio.

P: Os seus filhos ficaram cá na Covilhã?

Carlos Alberto Barroca: Ficaram, ficaram comigo e estão felizes.

P: E o senhor?
Manuel Luís Farias: Sou Manuel Luís Farias, nascido na Freguesia de Santa Maria também, em 1952, casado, pai de duas filhas - uma professora, outra tem duas valências, que é analista e farmacêutica. Eu trabalhei nos têxteis. Eu fiz o sexto ano e fui para os têxteis. Depois tive duas ocupações enquanto profissional: que é a área de hotelaria, de que hoje já estou aposentado, mas trabalhei durante 40 anos e ainda faço alguns eventos de hotelaria. Fiquei sem mãe muito cedo, tinha 2 anos. Tenho 69 anos praticamente feitos, vou fazer em setembro.
O meu pai foi tecelão, também foi operário têxtil, ficámos cinco irmãos sem mãe após a morte dela, foi uma morte de sofrimento. Basicamente hoje estou aposentado também. Faço parte desta casa já há muitos anos. O meu pai foi funcionário aqui desta Casa, desde 1960 a 1964, e eu, na altura garoto, vinha ajudá-lo para cá na altura das férias da escola. E basicamente resume-se a minha vida a isso.
A minha esposa trabalhou, está aposentada já também desde Agosto, trabalhou 47 anos na firma Paulo Oliveira. Não sei se ainda existe. Felizmente, sim. Também se a sociedade da Covilhã já está como está, com as carências todas que tem de falta de emprego, se aquela fábrica um dia fechar é muito mau para a nossa região. E, basicamente, a minha vida resume-se a esta história.

P: E o senhor?

Carlos Alberto Monteiro Santos: Carlos Alberto Monteiro Santos. Nasci em 1955. Sou da Covilhã. Os meus pais também. Fiquei sem mãe aos 14 anos. Fiz a primária. Na altura não havia tanto dinheiro ou hipótese para estudar. Tive que ir trabalhar.
Comecei a trabalhar na indústria têxtil e sempre trabalhei na indústria têxtil. Estive a chefiar uma empresa que acabou. Depois trabalhei durante 47 anos e aposentei-me, sou aposentado. Tenho uma filha, que está a trabalhar num escritório, numa oficina de automóveis. Tenho dois netos, uma neta e um netito. A neta com 13, vai fazer 13 anos, o neto vai fazer dois.
Já pertenci a várias associações, já fui diretor do Sporting Clube da Covilhã e agora estou há uns anitos aqui no ginásio, onde também joguei futebol. A minha mulher é técnica de análises. E agora sujeito-me, tenho de me habituar a esta vida, porque não há outra a seguir. E temos que nos entreter aqui no associativismo.
Isto está muito mal a nível do associativismo. Ninguém quer assumir parte da direção, o que quer dizer que temos que nos ir entretendo aqui.

P: E digam-me uma coisa, esta propensão para o associativismo já veio de família? O que é que levou a dedicar-se assim tantas horas de trabalho voluntário?

Carlos Alberto Barroca: A mim, não. Na minha família, não me recordo de haver alguém que estivesse ligado ao associativismo. Eu é que comecei muito cedo. Aos 16 anos vinha aqui e até foi fundado aí, nessa porta em frente, nessa casa, um clube que se chamava o Clube Estrela de São Pedro. Aos 16 anos, já estava… Depois estive um bocado afastado até que, quando vim da Marinha, passados seis anos, dediquei-me ao campismo, do qual fui diretor durante 22 anos.

P: Era uma associação?

Carlos Alberto Barroca: É um clube.

P: Como é que isso começou?

Carlos Alberto Barroca: Esse clube começou porque fundaram outro, se não me engano o Faria é fundador desse clube, e na altura, em 1974, ardeu todo, completamente. E foi-lhes cedido um vão de uma escada mesmo à minha porta, e aí começou o vício. Começou o vício e então fiz-me sócio e passado dois anos já era diretor.

P: E que tipo de atividades é que desenvolviam?

Carlos Alberto Barroca: No campismo havia muitas. Fazíamos acampamentos e ainda hoje se fazem em todo o país. E eu gostava na altura porque o campismo tinha uma vertente muito engraçada, é que ninguém sabia a profissão do amigo do lado, ninguém sabia se era pobre se era o doutor, e se sabia era sem querer. E havia uma camaradagem fora do comum. E então a gente deslocava-se com a mochila às costas. Hoje já não é assim, já é em autocaravanas e eu esse campismo já não gosto, embora tenha uma roulote no parque de campismo, mas eu desse campismo já não gosto.
E depois estive uns anos em que eu disse: não, associativismo acabou. Até que me apareceu o Ginásio e já cá ando (como presidente já fiz doze anos)... perdi a conta. E agora passei a pasta de presidente aqui ao Farias.

P: Você não me disse, mas aquele primeiro clube que foi aqui fundado, era um clube de quê, qual era a atividade?

Carlos Alberto Barroca: Era um clube de bairro, tinha futebol. Naquela altura tinha andebol. E depois o que é que faziam no Estrela? Era aos fins de semanas os bailes, que era um convívio engraçado, em que as pessoas iam para a sede das coletividades para se divertirem um bocadinho naqueles salões de baile. O Estrela tinha futebol e andebol e parece que tinha atletismo também.

P: Então e o senhor, quando é que começou?

Manuel Luís Farias: Eu comecei muito novo, como lhe disse anteriormente, comecei quando o meu pai esteve dez anos e comecei a gostar desta casa. A Covilhã na altura chamava-se, e ainda hoje tem esse nome, Manchester dos têxteis. E a razão da existência de tantas coletividades na região - porque era como se costuma dizer na gíria, porta sim porta não havia uma coletividade - era Isto porque a Covilhã tinha na altura cento e não sei quantas empresas têxteis (180, salvo erro) e basicamente todos os trabalhadores no seu bairro, na sua localidade ou perto de casa, tinham uma associação, associação essa que era frequentada por eles todos os dias.
Saíam do emprego e reuniam-se. Onde é que nos vamos encontrar, conversar com os amigos? Onde é que vamos encontrar? Vamos a tal lado. A razão do meu gosto foi começar muito cedo aqui, em que eu entrava cá porque o meu pai fazia parte, era arrendatário daquele bar. E na altura esta coletividade tinha milhares, perto de um milhar de sócios. Era muito frequentada, fazia-se vários eventos, fazia-se festas, os arraiais de São João e de São Pedro, de fim de ano, inclusive aqui há fotografias disso. A razão de gostar desta foi precisamente ter nascido praticamente aqui no Ginásio, já faço parte desta casa há muitos anos.
Fui diretor também, em 1977-79, da Banda da Covilhã, que é uma associação também que tem muitos pergaminhos na nossa região. Fui também presidente da Assembleia Geral no Arsenal de São Francisco, também uma coletividade, já com alguns anos de existência. Fui diretor também depois, anos após. Isto depois é um bichinho que mexe e depois os amigos que se querem encontrar: onde é que vamos? Vamos ao ginásio, vamos à coletividade A, que está lá o amigo B e o amigo C, e pronto, estas coisas basicamente funcionavam assim de há muitos anos a esta parte.
Pronto, cá estou a assumir mais esta luta de presidente, que era uma coisa que eu já tinha, não tinha feito juras, porque eu não costumo jurar, mas já tinha dito que queria acabar, porque estas casas vivem hoje de carolice dos amigos que gostam ainda delas. Porque, como ele dizia há bocadinho, também é muito difícil criar-se um elenco que dê continuidade e que zele pelo menos pelas coisas. Porque esta casa viveu a maioria, esta, basicamente estou a falar nesta e quase todas seria assim, mas basicamente vivia de gente antiga que foi morrendo. A rapaziada mais nova já não as querem assumir estas situações, porque é a prisão é a responsabilidade. Gostam de facto de frequentar, jogam bilhar e jogam pingue-pongue e matraquilhos e não sei quê, vêm ao bar e divertem-se, bebem umas cervejas, mas assumir na sua plenitude, gerir uma casa não, não querem, e a gente, às vezes já se interroga, e em reuniões já dizemos, se um dia a gente deixar isto dificilmente mais alguém pegará nela e teremos que a entregar à Câmara.
Porque esta casa é autossustentável. O edifício, não sei se já lhe explicaram, é nosso, nós temos arrendatários que pagam, que nos pagam renda ao final do mês, portanto esta casa basicamente sustenta-se por ela própria. Agora, claro que também há todo o interesse em dinamizá-la, criar-lhe eventos, patrocinar alguns, nalgumas partes, porque também não se pode deixar morrer e é preciso angariar mais gente que lhe dê vida, que é isso que basicamente a gente tem andado à procura. Mas a nossa cidade vive de gente jovem, vive basicamente da Universidade, universitários esses que ao fim de semana regressam às suas residências. Isto no fim-de-semana basicamente fica muito vazio.
Se já por si, durante a semana, ela já pouca vida tem, durante o fim-de-semana mais difícil se torna arranjar gente para que frequente, tanto assim é que durante a semana a casa mexe bem, trabalha bem, é bem frequentada, tirando este problema que tivemos de pandemia, que de facto, mesmo assim mexeu um bocado com estas casas, porque as pessoas foram perdendo o hábito de se encontrar e inclusivamente as pessoas vêm pelos cafés. Aquilo era um ponto de encontro. Vamos ao café A, ao café B porque estamos lá. Basicamente as casas vivem dessa situação.

P: E que tipo de atividades é que desenvolveu nessas coletividades em que participou?

Manuel Luís Farias: Basicamente, eram quase todas, funcionavam todas do mesmo modo. Ou era o atletismo ou os torneios de snooker ou bilhar. O Ginásio designa-se por uma coletividade de esgrima, mas basicamente todas as coletividades funcionavam assim: torneios de atletismo ou de Futsal (que na altura era futebol de salão), torneios de damas, que esta casa também fazia campeonatos a nível nacional. Infelizmente, até essa parte se foi perdendo, foi diminuindo. Os participantes foram diminuindo cada vez mais, mas vinham de todas as áreas do país. E as coletividades basicamente funcionavam quase todas nos mesmos moldes, uma com mais um evento ou outro diferente, mas era tudo nessa base.

P: E a música, não é? Esteve na banda?

Manuel Luís Farias: Sim, estive na banda de 1977 a 1979.

P: E algum de vocês teve foi músico, participou mesmo na banda ou foi só dos órgãos sociais?

Manuel Luís Farias: Não, fui só mesmo dos órgãos sociais. Porque a banda não tinha eventos dessa natureza, funcionava só na angariação dos músicos, na parte cultural. Desenvolvê-los para que depois dessem espetáculos de rua, nos anfiteatros ou coisas assim.

P: E o senhor também já participou em várias coletividades?

Carlos Alberto Monteiro Santos: Foram algumas. Pegando nas palavras aqui dos meus colegas, pelo que não há mais a dizer sobre essa parte.

P: Mas conte-me a sua experiência pessoal...

Carlos Alberto Monteiro Santos: Eu comecei a frequentar estas coletividades mais por causa do futebol de salão, na altura os torneios e isso tudo e propriamente os bailes. Vou contar uma história muito rapidamente, de quando eu andava no serviço militar, porque eu sempre morei aqui perto. No serviço militar, estava em Castelo Branco, no carnaval estive a fazer 2 ou 3 noites para vir passar o Carnaval. Em vez de chegar aqui, fui parar à Guarda, deixei-me dormir e fui parar à Guarda. Mas pronto, tive que vir de táxi, tive que vir ao baile aqui no Ginásio. Então, isso era uma parte, em que era mesmo obrigatório vir.
Agora nas outras coletividades era os bilhares e era o futebol de salão que nos levava a estar nessas coletividades todas. O Sporting da Covilhã, na altura, quando entrei para lá, tinha acabado com as camadas jovens. E então nós, a direção, voltámos a criar as camadas jovens. Dá trabalho, muito trabalho, mesmo à gente, à família. Eu vou-lhe dizer: foram sete anos, eu tirei sete anos à minha mulher e à minha filha, na altura. Só que a minha mulher também gostava um bocadinho de futebol, mais as primas e as tias e equilibrámos as coisas, conseguimos fazer outra vez as camadas jovens. Depois das camadas jovens estarem já feitas e organizadas, fui chamado para os seniores. Aí é mais difícil. É mais difícil trabalhar com os seniores, porque são jogadores de muitos lados e são profissionais. E vêm com muitos vícios…
Depois disse à minha mulher: eu nunca mais vou participar numa direção. E ela disse: espero bem que sim. Ao menos se houvesse mais qualquer coisa… Mas o bichinho está cá dentro, é terrivel. Depois andam atrás de mim e não sei quê e tive de regressar. Basicamente é isso, a minha vida de coletividade.

Manuel Luís Farias: E tens outra particularidade… É que o avô dele foi funcionário desta casa.

Carlos Alberto Monteiro Santos: Pois, também. O avô da minha mulher, neste caso, foi funcionário aqui no Ginásio, foi funcionário do Sporting. Do Sporting passou aqui para o Ginásio. E pronto, e acabou aqui também. Basicamente conheci aqui a minha mulher, porque vinha aqui e ela vinha aqui trazer a refeição ao avô…

P: Eu ia perguntar agora, mais especificamente sobre esta coletividade que já vi que conhecem já de tempos até antes do 25 de Abril. Como é que eram esses tempos? Quais eram as principais características aqui desta coletividade?

Carlos Alberto Barroca: Como sabe, já lhe tinha dito, eu já li os livros de atas quase todos desde a fundação até agora. Isto tinha uma particularidade. Este clube nasceu de uma divisão entre dois clubes. Era o clube União, que antigamente aqui na Covilhã só existia o clube União, e depois havia a classe dos empresários ou dos patrões e havia a classe dos puxadores, dos empregados, que não se entendiam e dividiram-se. Os patrões ficaram no Clube União e os outros ficaram aqui no Ginásio, fundaram o Ginásio.
Antigamente, para se ser sócio desta coletividade, era um problema, tinha que se ter um grau académico. Eu, por exemplo, se me quisesse fazer sócio metia a proposta, mas à partida não entrava, porque só tinha a quarta classe e andava aí nas obras como eletricista e tal. Mas mesmo que tivesse mais alguma coisa, eu podia ter um problema, por exemplo uma irmã minha que se tivesse divorciado ou que tivesse separada, já não podia ser, porque tinha uma irmã de “mau porte”. Era assim. Para se ser sócio desta Casa, não era com facilidade.
Os que geriam isto não queriam saber. Para se gastar um tostão nesta casa, aquilo tinha que ser com a assinatura deles todos. Há uma parte, que eu agora não me recordo, em que ano, para comprarem duas dúzias de cadeiras, por uma diferença de um tostão, foram ao Porto.
P: Gastaram mais em transportes…

Carlos Alberto Barroca: Está bem que eles tinham facilidade. As camionetes que eles tinham iam ao Porto levar a fazenda, mas era assim. E então isto era dirigido altamente, profissionalmente, como os gajos diziam, mas depois há as atividades que eles tinham nessa altura… Apareceu aí uma empresa qualquer de ingleses que fizeram o logotipo do emblema com a esgrima, mais ou menos nessa altura. Não se sabe se praticavam esgrima, praticava-se aí muita coisa. Jogos de azar também cá se praticavam. Isto andou tudo mais ou menos assim até que isto se perdeu…
Isto ainda tinha uma particularidade. Como é que sobrevivia? Além da quotização dos seus sócios, ali na rua direita - chamamos a rua direita à rua Campos Melo havia lá uma senhora que tinha uma mina e então o Ginásio Clube da Covilhã alugava essa mina a essa senhora por 200 escudos anuais e aqui assim, na zona, vendia a água e com a receita sobreviviam. Nos estatutos constava assim: O ginásio Clube da Covilhã só podia ter 2500 escudos ao fim do ano, tudo o que excedia davam às crianças, era doado aos pobres da freguesia. Eles só podiam ficar com 2500 escudos ao fim do ano. No fim do ano, ao irem à assembleia a aprovar as contas, há 3000, há 500 a dividir. E depois as atividades que foram criadas aqui. Tinham um salão, um anfiteatro, como eles lhe chamavam - e aquilo que estava à procura, porque eu tinha umas folhas passadas a computador, tiradas de um livro que tinha ali, e agora não as vejo lá a para lhe mostrar. Em 1927 atuou aqui a Maria Amélia Rey Colaço. Portanto, isto tinha uma atividade que era seletiva, não era para toda a gente, em que havia um porteiro fardado à entrada da porta. Ninguém entrava. Eu, que fui criado aqui, passávamos aqui era a correr bem, porque o porteiro chutava-nos logo. Era assim depois, até que isto ardeu em 1946.
O edifício foi comprado em 1948, se não me engano. E, então aí, depois do incêndio, reconstruíram isto e consta que está mais ou menos como estava. A partir dessa altura, talvez o Farias saiba mais coisas do que eu, porque...

P: Continuou assim tão seletivo?

Manuel Luís Farias: Basicamente sim, durante muitos anos ainda depois dessa altura, eu a data também já não posso precisar de memória, mas ainda funcionou de modo muito seletivo durante anos. Depois é que começou a haver uma abertura, porque, como eu disse há pouco, os mais idosos iam falecendo e havia que criar sangue novo. Havia que repor aqui novas mentalidades, porque isto há uns anos atrás, a esta parte, eles lembram-se tão bem quanto eu, isto era dominado por uma classe só de nomes, ou seja, havia determinados sócios que criavam grupitos e queriam ser donos e senhores do Ginásio. Portanto, em assembleias gerais, que se pudessem realizar para tomar um parecer de qualquer coisa ou fazer uma aprovação do relatório de contas, eles queriam ser dominadores de toda a área.
Foram falecendo alguns e a casa, felizmente, já não funciona assim. Toda a gente tem direito a usar da palavra, toda a gente pode opinar, porque no fim de contas são sempre bem recebidas essas opiniões, porque duas cabeças pensam sempre melhor do que uma só. Isso foi mudando, foi mudando esta área, foi-se criando novas mentalidades. Há umas coisas que eu me recordo, mas também são coisas de infância que basicamente era o que ele estava a contar, já de resto, acho que resume
essa história toda.

Carlos Alberto Barroca: Mas conte essas histórias de infância…

Manuel Luís Farias: Tenho uma, tenho uma história do meu pai e essa ficou-me gravada porque foi a parte familiar. O meu pai teve seis mulheres. Nós somos seis irmãos, deixe-me cá contar que às vezes também a memória dessa parte também já me falha. Somos sete irmãos de cinco mulheres. Como eu disse, fiquei sem mãe muito cedo, o meu outro irmão mais novo tinha 15 dias de existência e fomos criados com uma irmã do meu pai, que por sinal nunca se casou. Deixou de trabalhar para cuidar de nós. Éramos cinco na altura, um deles, o mais novo, com 15 dias, foi praticamente aperfilhado pelos padrinhos de batismo. O meu outro irmão foi com uma outra senhora. Só ficamos em casa três: a minha irmã mais velha, eu e o meu outro irmão, que é mais velho um ano que eu.
O meu pai estava aqui e tinha arranjado uma outra mulher. A irmã do meu pai não gostava dela e dizia-me: Tu já viste? São mulheres a mais para o teu pai e depois .... E um dia, ela vinha aqui, essa dita senhora que estava com ele, vinha ajudá-lo aqui ao bar, e eu venho aqui, entrei na coletividade, fui ao bar e vi-a lá e cheguei a casa, fugi daqui a correr, cheguei a casa e disse: Oh tia, olha que ela está lá. Ela agarrou, viemos os dois, a minha tia entrou ali no bar, agarrou-a pelos cabelos, trouxe a debate até aqui ao fundo das escadas e o meu pai fugiu nesse dia, o meu pai abandonou o bar, já não quis saber do seu bar e abandonou o barco.
Tive uma outra história também. Na altura fumava-se ainda dentro das coletividades e entrava gente que às vezes se excedia no consumo da bebida e ficavam um bocado transtornados. E então, há um dia que estavam a lanchar lá uns indivíduos e já vinham assim bem compostos de bebida e um deles trazia um embrulho qualquer. Nós temos aqui ao cimo das escadas um espelho grande e tal era a bebedeira que ele trazia que agarrou no embrulho e atirou, julgando que era uma janela, atirou contra o espelho. Aquilo caiu no chão, diz ele: Olhe, ainda bem que caiu no telhado [riem-se]. Oh pá, são assim pequenas histórias que me vêm à memória, isto depois com seguimento das coisas vou-me lembrando de mais.
Eu, entretanto, também saí daqui, o meu pai saiu daqui. Tivemos cá, nessa altura, quatro anos, quando ele teve a posse do bar. Depois saímos, eu na altura não era sócio, não me aceitariam como sócio nessa altura e depois não deixei de acompanhar só que não podia frequentar. Depois houve esta fase de transição, da facilidade de serem admitidos mais sócios, pronto com outra… com outro estatuto, é que a gente depois começou a apostar.

P: Quando é que foi essa alteração? Quando é que vocês entraram mesmo? Foi antes ou depois do 25 de Abril?

Carlos Alberto Barroca: Foi depois do 25 de Abril, já foi quando ficámos sócios?

Manuel Luís Farias: Não, não, a senhora não está a perguntar isso… Quando foi a transição disto deixar de ser dos chamados granfinos.

Carlos Alberto Barroca: Talvez fosse após o 25 de abril.

Manuel Luís Farias: Foi depois do 25 Abril, foi.

P: Acham que o 25 de abril teve alguma coisa a ver com isso?

Carlos Alberto Barroca: Não sei.

Carlos Alberto Monteiro Santos: Na altura do 25 de Abril já não havia isso. Mesmo antes do 25 de abril já não havia essa parte… aquela porta giratória.

Manuel Luís Farias: Ainda havia, ainda havia.

Carlos Alberto Barroca: Não, a porta giratória já não, porque isso foi depois do incêndio. A porta giratória, depois do 25 de Abril já não existia.

Carlos Alberto Monteiro Santos: Logo que a porta giratória deixou de existir, começaram a desistir dessa parte...

P: Quando é que vocês se filiaram, têm ideia?

Carlos Alberto Barroca: Eu fui 80... e tu, Farias, que número és?

Manuel Luís Farias: 68, mas já cá tinha estado antes.

Carlos Alberto Monteiro Santos: Eu sou mais baixo, sou 64

P: Então mas como é que acham que foi essa transição? Como é que isso aconteceu?

Manuel Luís Farias: Foi o que eu lhe disse há pouco, foram morrendo, foram morrendo alguns sócios, que eram fundadores da casa e depois foi havendo uma abertura, porque eles começaram a pensar que só eles sozinhos não conseguiriam gerir esta casa, porque começou a acontecer ninguém querer assumir os destinos da coletividade. E então foi quando pensaram em abrir mais, abrir as portas a outras pessoas que não eram, como eles chamavam, os granfinos, que eram, como eu já disse, eram os industriais da cidade e os puxadores. Pronto, aquela classe média alta.

P: O que é que são os puxadores? Desculpem lá...

Manuel Luís Farias: Puxador é um técnico que faz os desenhos dos tecidos da fazenda. E a transição começou a partir daí, quando eles começaram a dar abertura a que pudessem vir mais sócios, de outra qualidade de vida, para dinamizar a casa e assim foi o que aconteceu.

P: Quando começaram a entrar mais sócios, começaram a vir também trabalhadores dos têxteis?

Todos: Sim, sim, sim.

Manuel Luís Farias: A grande força desta casa, dos associados, passou a ser o pessoal que trabalhava nos têxteis.

P: E em que é que se alteraram as atividades quando houve essa alteração das pessoas? Como é que isso se refletiu nas atividades? Começaram a desenvolver-se outras coisas?

Carlos Alberto Barroca: Principalmente o jogo de azar, começou a haver menos, e ao haver menos criou-se atividades desportivas. Era o futebol de salão, começou a haver mais essa atividade e uma das causas de haver nessa altura é precisamente essa, é aquela transição dos jogos de azar que havia aqui. Porque eles começaram a ter juízo. É que se perdiam aqui fortunas autênticas e, segundo consta, alguns até perderam as mulheres no jogo, as próprias mulheres…
Portanto, isso fez mudar a situação e também tudo dependia das pessoas que estavam à frente disto. Havia os que não eram a favor do jogo e foram tirando o jogo aos bocadinhos até que, felizmente, os jogos aqui são para passar o tempo, jogam ao dominó, às damas.

P: E as mulheres, estavam a falar de algumas que foram perdidas no jogo...

Carlos Alberto Barroca: Antigamente, isto era frequentado pelas mulheres, porque esta parte aqui de cima, além desta, isto era jogo. E lá em baixo, onde está a sala de pingue-pongue, era o salão de chá. E depois tinham os bilhares, que antigamente os bilhares funcionavam de manhã à noite. Hoje não. Hoje até esse é um vício que se vai perdendo. Então, lá em baixo três bilhares, que se trabalharem duas, três horas por semana é muito.
A juventude de hoje não está vocacionada para isto. Hoje, a gente vai às coletividades - eu não vou dizer nomes, que não vale a pena - e os estudantes vão para lá para quê? Não é para estudar, é para beberem cerveja em catadupa e fazerem disparates. É a única maneira de sobreviverem também.

P: Estavam-me a contar que no tempo ainda dos granfinos que as mulheres tinham um salão lá em baixo e depois, quando vocês entraram, também entraram mulheres?

Manuel Luís Farias: Algumas sim, essencialmente as esposas dos sócios. Houve durante muitos anos a existência da parte feminina, que também dinamizava um bocado a casa. Porque, como é normal e como saberá, se houver parte feminina a frequência acaba por ser maior. Portanto, as pessoas aderem com mais frequência do que estando só a parte masculina. Pronto, e seria essa situação.

P: E quais eram as atividades que as mulheres desenvolviam?

Manuel Luís Farias: Não tenho ideia de que houvesse alguma atividade para elas desenvolverem na coletividade. Faziam permanência, faziam o convívio, reuniam-se como nesta altura agora nos reunimos nós, ponto de encontro. Hoje perdeu-se um bocado esse hábito das senhoras frequentarem e poderia existir algum tempo, quando se fazia um evento qualquer, ou um fim de ano ou uns santos populares que as pessoas e as senhoras aderiam, no dia a dia foi acabando. O Carnaval que era muito forte aqui.

P: E as marchas, vocês não participavam nas marchas?

Manuel Luís Farias: Não, o Ginásio nunca participou nas marchas.

Carlos Alberto Monteiro Santos: Andou-se um ano a pensar que se pudesse participar, mas não se chegou a concretizar

P: Foi sempre mais a vertente desportiva, não não tiveram teatro, música, nada disso?

Carlos Alberto Barroca: O teatro tiveram nessa altura, até à altura em que ardeu. Ninguém sabe como é que era isto era antigamente, antes de 1946, pelo menos eu nunca falei com ninguém que me dissesse “isto aqui era assim”. É porque eles chamavam a isto contentores. Chamavam, naquela altura, existia aqui um terreno onde estavam contentores. Agora, o que eram estes contentores? Não sei, nunca falei com ninguém. E até tentei procurar os que são muito mais velhos do que eu, indivíduos que moraram aqui, nasceram aqui e que também não têm Ideia do que do que era isto. Depois foi quando fizeram este prédio. É que este prédio vem até ao fundo da rua. Ninguém sabe o que era e o que eram as atividades.

P: Já percebi que têm interesse pela história do associativismo. Eu gostava de saber: esta zona é uma zona tão industrial e com tanta gente ligada aos lanifícios, com uma grande tradição operária. De que forma é que isso se reflete aqui no associativismo? De que forma é que o associativismo da Covilhã se torna diferente?

Carlos Alberto Barroca: Eu tenho um conceito do associativismo um bocado… Fui vítima do associativismo, nesta associação para a qual trabalhei. Porque para mim há duas classes de associativismo, o associativismo como o nosso, de carolice, que vimos para aqui às vezes em prejuízo da nossa família, e há o dos oportunistas. Eu tenho muito medo disso.
Porque, não sei se ouviu falar, havia aqui uma associação que era de deficientes e eu estive 30 anos a trabalhar com essa associação, até que apareceram lá os oportunistas. Destruíram tudo, até a nível nacional. Os trabalhadores daquela casa chegaram a fazer queixa na Polícia Judiciária, eu incluído. Sabe qual foi a resposta? Nós já temos conhecimento, mas já investigámos e está tudo bem. Passado dois anos, insolvência. Porque tinha quintas, era uma coisa muito grande, até bombas de gasolina tinha. E foi tudo.
Levaram o senhor a Tribunal. Sabia tudo e nada fez, mandou 80 crianças deficientes para casa. Levaram o senhor a tribunal e ficou absolvido, que aquilo foi uma má gestão. Mas tem uma bruta casa, feita à custa disto. Tem uma bruta casa na praia, tem uma bruta casa lá em cima, um bungalow na Serra. É má gerência.
É preciso muito cuidado com o associativismo. Há o associativismo que não tem problemas de direções. Estão à espera de tacho. Infelizmente, agora na Covilhã, também cá há associações que têm lá pessoal desse. Mas as coletividades, que eu considero as coletividades de bairro, essas vivem como as vivemos, que de dois em dois anos andamos atrapalhados para arranjar gente Porquê? Porque não estamos com interesses monetários. Aqui julgo que também já tivemos, mas vá lá corremos com isso.
Porque hoje, eu faço parte de uma direção, conheço-os todos bem e eles conhecem-me a mim. Nós tivemos cá um e eu tirei-o de tesoureiro e eu pu-lo como vogal. Eu pus-lhe foi uma casca de banana nos pés para escorregar e sabe o que é que ele me disso? Não, para ser despromovido não fico. Nestas coletividades, trabalha-se para ser promovido ou despromovido? Eu fui presidente durante 10 anos, agora sou o quarto vogal. Fui despromovido? Não, porque as minhas opiniões aqui dentro desta sala continuam a ser as que tinha como presidente, embora um presidente agora, antigamente tinha o poder de voto ou, como é que se chama?, o voto de qualidade. Hoje eu não tenho. Mas estou solidário com o presidente. Isto é uma despromoção? Não, quero ajudar a coletividade. Portanto o associativismo, é preciso muito cuidado com ele.

P: Vocês aprendem muito aqui, a fazer esta gestão, têm que aprender contabilidade a lidar uns com os outros?

Manuel Luís Farias: Faz parte do desenvolvimento das pessoas. Tal como sabe, e como ele já explicou, há muita gente que vem para estas casas para se promover. Só que estas associações pouco ou nada têm de poder promover alguém, a não ser instituições públicas, como todos sabemos. Mas, infelizmente, há muita gente que pensa dessa forma, porque nós tivemos aí um caso de um indivíduo que foi presidente desta coletividade e era jornalista profissional. Foi presidente desta casa. arranjou o elenco à maneira dele, ou seja, as pessoas adequadas para compartilharem com ele, para depois tirar dividendos da coletividade da qual ainda há pouco, bem pouco tempo, deixou de pagar. porque o tivemos que meter no Ministério Público, porque estas casas vivem de apoios.
Nós, como lhe disse anteriormente, somos autossustentáveis, mas precisamos de fazer obras. Só pelas rendas que temos e a quotização dos sócios, só isso não chegará. Precisamos de subsídios camarários, subsídios de junta, patrocínios de qualquer outro organismo, porque senão não conseguiremos sobreviver, então deixamos cair as coisas ao nascer. É, infelizmente, essa gente aproveita-se dessas pequenas coletividades, só para colher fins.
Houve alguém que na altura entrou para a direção, que queriam fazer um perdão, mas houve outros que não, as coisas têm que chegar ao seu termo e as pessoas têm que se responsabilizar e têm que pensar que isto não é, esta carolice não é para as pessoas promoverem nada, nem é para viverem daqui, porque têm o seu vencimento ou têm a sua aposentação e não é viver com os dinheiros das coletividades.
Daí a razão das dificuldades de se criarem elencos ao longo dos anos, como já tivemos ocasião de falar nisso. As pessoas hoje não querem responsabilidade, porque privam a família de estar determinado tempo. E as coisas funcionam basicamente assim. Deixar morrer as casas também as pessoas não querem, mas também em contrapartida também não entram para cá pessoas que depois destruam tudo aquilo que de bem se fez. Porque nós entrámos, nós já estamos no elenco, pronto também já estou num elenco já há muitos anos. Já fiz parte, antes dele de ser presidente, já fiz parte de outras direções.
E a casa não estava assim como está hoje. A casa hoje está digna de se ver, está limpa, está modernizada, fez-se obras, gastou-se dinheiro, dinheiro esse que alguém se aproveitasse, digamos, porque se mexe, qualquer pessoa pode mexer no dinheiro. Agora temos o tesoureiro, as contas um bocado passam por aí, mas muita gente mexia em dinheiros. Se toda a gente tivesse essa atitude, esse pensamento, não se conseguiria fazer mais nada ao longo do tempo. E pronto e as coisas têm funcionado assim devagar, precisaríamos de mais alguns fundos para poder modernizar algumas coisas que ainda são necessárias.
Mas é como se costuma dizer: não se pode dar o passo maior do que a perna e as coisas vão sendo devagarinho, não se faz hoje, faz-se amanhã ou faz-se para a semana e as coisas vão-se valorizando. Porque também lá está, nós trabalhamos para ela e não é ela que trabalha para nós.

P: E o que é que vocês ganham a nível pessoal? Vocês dão este trabalho voluntário, toda esta dedicação.

Manuel Luís Farias: Não ganhamos nada.

P: Não, mas algum retorno terão, este vício é porque é bom, é uma coisa boa?

Carlos Alberto Monteiro Santos: É carolice, é o amor à camisola, como se costuma dizer. É já de há muitos anos, aquilo que se passou aqui, coisas boas, coisas menos boas também se passaram. É isso que nos leva a não deixar isto, esta coletividade ir por aí abaixo.

P: Quais foram as coisas melhores? Quais são as lembranças mais felizes que têm aqui da coletividade?

Carlos Alberto Monteiro Santos: Alguns momentos que se passaram aqui, sei lá, a amizade, o convívio. Os convívios são muito bons. Além de ter conhecido aqui a minha mulher, o futebol, que era na altura a coisa de que todos nós gostávamos, que o presidente também gostava, mas na altura já jogava ali no Arsenal de São Francisco, não estava tão ligado aqui, ainda estava mais ligado além na parte do Futebol. E é isso que nos leva a esta parte. Eu quase tinha jurado à minha mulher que não voltaria a ir para coletividade nenhuma e pronto, já aqui estou há uns poucos anos.

Manuel Luís Farias: Acho que as recordações que se tenham é o bicho que está dentro de nós e eu saber, ou eles pensarão igual, a gente saber que eu saio de casa “para onde é que hei de ir?” Porque isto a idade também nos vai modificando um bocado, não é? Portanto, quando a gente é jovem, tem outro tipo de amizades, tem outro tipo de encontros, tem outras zonas para frequentar. Eu hoje estou-me a ver, eu saio de casa: “Onde é que eu vou? Ao Ginásio. Onde é que eu vou jogar uma partida de bilhar? Ao Ginásio. Onde é que eu jogo umas cartas ou um dominó? Ao ginásio. Onde é que eu vou lanchar com os amigos, por exemplo? Ao Ginásio.” Portanto, tudo isto depois vai-se criando um hábito de rotina. Vai-se criando esta situação, é isso que nos leva, o dia passa, hoje, amanhã e depois e vai-se cada vez gostando mais. Por um prazer de dizer que frequentamos isto, porque temos alguma memória de tempos passados, é só dentro disso. Mas não, não há assim recordações, recordações.

P: Qual é que foi o período alto aqui do ginásio? O período que vocês recordam como mais exuberante?

Carlos Alberto Barroca: Eu aqui no Ginásio não tenho assim os momentos, são os momentos de convívio. Conheci aqui pessoas...

Manuel Luís Farias: As caminhadas que aqui se fizeram foram engraçadas, fez parte de um convívio saudável.

Carlos Alberto Monteiro Santos: E não só, os grandes torneios de damas, vinha a madrugada já começavam a juntar-se cá à espera a porta para entrarem, para se fazer esses grandes torneios de damas. Isso são momentos muito marcantes.

Carlos Alberto Barroca: Houve um momento muito marcante que eu vivi aqui, que me marcou mesmo, até porque a minha sensibilidade para com os deficientes é muita. Houve um torneio que ganhou um senhor Vítor Oliveira de Vale de Cambra. E há aí um deficiente, que eu suponho que ainda é vivo, agora já há algum tempo que eu não vejo, que gosta muito de damas e que vive com uma certa dificuldade. E, antigamente, nestes torneios de damas havia prémios monetários, até porque eram muito subsidiados pela Câmara e pelo INATEL. Foi uma das grandes causas do declínio dos torneios de damas foi a falta de apoio do INATEL. O INATEL hoje é mais uma agência de viagens do que era como era antigamente, apoio ao associativismo. Hoje, apoio ao associativismo não o fazem.
E então, esse indivíduo que vinha de Vale de Câmara, que vinha de propósito fazer o torneio, agarrou nos prémios todos e deu a esse deficiente, que nem estava a jogar. E talvez fosse o momento mais marcante que eu passei aqui. Para mim, aqui no Ginásio, foi precisamente esse. Às vezes, passam-se coisas nestas coletividades, como essa que contei há bocadinho, de aqui só se poder fazer 2500 escudos e o resto ser dado em bodas aos pobres.

P: Tinham mais algum tipo de atividade de caráter beneficente? Chegaram a ter, por exemplo, subsídios de funeral?

Carlos Alberto Barroca: Não, não, isso só havia duas coletividades na Covilhã que tinham esse benefício e eu beneficiei (eu não, a minha mãe, porque eu também fiquei sem pai aos 14 anos), que eram o Rodrigo e o Campos Melo. Mais coletividade nenhuma tinha essa benesse para os sócios e, se não me engano, davam à viúva para o funeral do sócio 700 escudos. Na altura era dinheiro, dava para pagar o funeral. Mas nesta coletividade, que eu tenha conhecimento, não.

P: Era só essas esmolas?

Carlos Alberto Barroca: Era só essa esmola no fim do ano, que davam aos pobres aqui da freguesia.

Manuel Luís Farias: Eu acho que tiveram um período, não tenho em mente quando, mas acho que tiveram um período em que eles apoiavam as famílias mais carenciadas, aos filhos em livros escolares. Mas já não me recordo, também para precisar datas, também já não me recordo. Na altura, pronto era miúdo ainda, foi antes de ir. Mas sei que eles participavam com os livros escolares para as pessoas mais carenciadas.

P: Mas digam-me uma coisa, em algumas associações em que eu estive, havia pessoas que o facto de terem aprendido a gerir as associações depois também vieram a assumir cargos nas juntas de freguesia e na própria Câmara. Aqui também houve também essa....

Carlos Alberto Barroca: Não, felizmente não. Nunca se ninguém promoveu. Esses que vêm para as associações Para se promoverem são os tais que eu digo, perigosos. Até já houve um presidente do Sporting da Covilhã que foi para presidente do Sporting para se promover e foi para presidente da Câmara. Esses são os tais de que eu não gosto no associativismo. Há muita gente dessa. Mas também os pode haver, que fazem a transição destas coletividades e vão para as câmaras que são pessoas sérias e honestas. Eu também não englobo toda a gente, mas 90% destes, que vêm para as coletividades e depois se promovem nas coletividades para irem para as juntas de freguesia.

P: Então, já agora também, estou a perguntar isso a todos os dirigentes para estatística, vocês professam alguma religião? São católicos praticantes?

Manuel Luís Farias: Eu sou católico, não praticante, mas sou católico.

Carlos Alberto Monteiro Santos: Também sou católico, pouco praticante, mas pronto.

P: E são filiados ou foram filiados em algum partido político?

Carlos Alberto Barroca: Eu tenho um partido político, sou do contra, há uns que são do Chega, eu sou do contra, sou contra tudo e contra todos, digo mal deles todos.

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