Item

Luis Jacinto Rebelo

Nome do entrevistador/a

Joana Dias Pereira

Local

Banda Filarmónica da Algarvia, São Miguel, Açores

Data

Junho de 2022

Nome do entrevistado/a

Luis Jacinto Rebelo

Nome do entrevistado/a

Luis Jacinto Rebelo

Data de nascimento

1948

Local de nascimento

Algarvia, São Miguel, Açores

Profissão dos pais

O pai era agricultor e a mãe era doméstica.

Escolaridade

Completou o ensino primário

Local de residência

Algarvia

Situação civil

Casado

Filhos

Tem dois filhos e uma filha

Profissão

Trabalhou numa fábrica de blocos

Locais de trabalho

Fábrica de Blocos

Associações em que participou

Romeiros da Algarvia
Banda Filarmónica da Algarvia

Cargos dirigentes

Mestre Romeiro
Presidente da Banda Filarmónica da Algarvia

Religião

Católico

Sinopse da entrevista

Descreve a sua experiência enquanto mestre Romeiro e ilustra a importância deste movimento em São Miguel. Testemunha também a sua participação na Banda Filarmónica da Algarvia, descrevendo as suas principais atividades, relevando a sua inserção comunitária.

Palavras-chave

Testemunho

Entrevista realizada a Luís Jacinto na sede da Banda Filarmónica Estrela do Oriente, em junho de 2022.

P: Começava por perguntar-lhe se nasceu aqui na Algarvia?

Luís Jacinto: Nasci aqui na Algarvia em 1948.

P: E os teus pais, o que que faziam?

Luís Jacinto: O meu pai era agricultor e a minha mãe era doméstica.

P: Tinha muitos irmãos?

Luís Jacinto: Seis, quatro rapazes e duas raparigas

P: E foram à escola aqui?

Luís Jacinto: Até à quarta classe.

P: E depois da quarta classe o que foi fazer?

Luís Jacinto: Depois da quarta classe, fui trabalhar para as terras. Depois fui para a tropa e depois fui para o Ultramar e depois de vir do Ultramar, empreguei-me ali numa fábrica mesmo aqui na freguesia, uma fábrica de fazer blocos e lá estive até minha reforma.

P: Então, e quando começou a trabalhar, logo a seguir à quarta classe nas terras, o que é que fazia?

Luís Jacinto: Ajudava o meu pai na lavoura, semeava milho, beterrabas. E depois da tropa então é que me empreguei, casei e fiz a minha vida.

P: E foi fazer a tropa à Lisboa?

Luís Jacinto: Não, eu fiz a tropa aqui e depois fui dois meses para Lisboa fazer uma especialização para ir para África. Fui para a Guiné.

P: Em que anos é que esteve lá?

Luís Jacinto: Fui para lá em 69, e vim em 71. Vim trabalhar para uma fábrica aqui na freguesia que ainda existe, uma fábrica de blocos.

P: E casou-se aqui também?

Luís Jacinto: Casei aqui e moro aqui na aldeia. Fiz uma casa nova. Tenho três filhos, o mais velho já tem 46 anos, está no Canadá, tenho outro que casou na Feteira e tenho uma filha que casou em São Paulo. Então tenho três filhos, mas nenhum deles está vivendo na freguesia.

P: E a sua esposa, o que é que fazia?

Luís Jacinto: A minha esposa sempre foi doméstica e costurava para fora.

P: E a vida era difícil?

Sim, ao princípio era difícil mas depois do ano em que me casei, em 1974, com o 25 de Abril, as coisas começaram a melhorar. Não estamos vivendo numa abundância mas está estável.

Luís Jacinto: Então, e quando é que entrou para a banda?

Luís Jacinto: Em 1989.

P: E antes de entrar banda, havia aqui alguma associação na freguesia?

Luís Jacinto: Era os Romeiros, eu fui mestre de romeiros durante 41 anos. São responsáveis pelo grupo, é uma responsabilidade muito grande. É pegar num rancho de pessoas, de homens, que sai da paróquia. É preciso marcar as horas para chegar a horas aos sítios. É uma coisa católica e as pessoas olham. É assim, durante o dia eu não tinha preocupações nenhumas com os romeiros, porque eu estava presente, mas depois de chegar à noite às freguesias e divididos, a gente já fica com a preocupação. Já ficava com uma preocupação: Como é que se vão comportar nas casa das pessoas, qual é a imagem que vão deixar? Além de a gente estar a insistir nas preparações, porque a gente fazia 25 horas de preparação, antes de sair os homens. Eu convidava os romeiros de outras localidades, sempre era uma voz diferente. De resto corria bem. Nunca tive nenhuma queixa das minhas romarias e nunca fui chamado à responsabilidade por nenhum dos irmãos que acolhia. É preciso ter muita responsabilidade.

P: Então, esses romeiros era no âmbito da igreja que se organizavam. Como é que se começou a envolver?

Luís Jacinto: Eu comecei a envolver-me desde os 12 anos. Eu saí da escola na quarta classe e já fui uma criança na romaria. Depois comecei, comecei a andar, a andar, e depois o mestre romeiro, que era daqui, embarcou para a América, a romaria ficou sem mestre. Parou. Esteve aí uns anos parada, senão eu tinha muito mais. Depois veio um colega meu. O pai era mestre romeiro, também fazia orações antes de ir para o Canadá. Veio para cá de vez e então levantou a romaria. E eu até fui um dos poucos que lhe disse: “A gente vai romar uma romaria, uma promessa de não ir a África”. “Vamos organizar isso”. E organizou-se. E depois dai começou. Eu estive em contramestre e depois fui mestre durante 21 anos.

P: E que idade tinha?

Luís Jacinto: Eu sai em 2015 e tenho 74, eu larguei de ser mestre em 2015.

P: Então, e porque é que se dedicava assim aos romeiros?

Luís Jacinto: Aquilo é uma coisa que vem daqui de dentro [comove-se], aquilo nasce aqui dentro. Quando chegava o tempo das romarias, a partir do natal, já começava aquele bichinho aqui dentro e aí é que a gente avançava para frente.

P: E o que é que era bom?

Luís Jacinto: Era muita coisa boa. Era levantar às quatro da manhã e rezar pelas ruas, sempre pesado. Começávamos a cantar pelo principio da madrugada e depois as coisas boas que a gente passava, ria, chorava.

P: Era uma coisa que unia muito as pessoas?

Luís Jacinto: Muito. Ainda hoje sinto muito. Já há dois anos que não faço...[emociona-se].

P: E antes do 25 de Abril já participava?

Luís Jacinto: Já participava. As romarias em São Miguel fazem este ano 500 anos. Tivemos agora na semana passada, o movimento dos romeiros daqui juntou-se todo, não foram os romeiros todos mas grande parte e foi muito bonito. Muito bonito, lindo!

P: E havia algum grupo da juventude operária católica?

Luís Jacinto: Não.

P: Aqui não houve?

Luís Jacinto: Havia da Salga à Pedreira.

P: Antes do 25 de Abril só participou na Romaria, foi?

Luís Jacinto: Exatamente.

P: E depois, como é que foi o 25 de Abril aqui na Algravia?

Luís Jacinto: O 25 de Abril aqui na Algarvia foi uma maravilha. As pessoas primeiro não sabiam o que era isso, o que era a liberdade. Não sabiam, quando veio o 25 de Abril, porque um dia tinha guerra e depois não havia guerra. Eu gostei muito de ouvir notícias. Agora não há guerra, isto vai melhorar. Os capitães e os generais estão fartos de ir para África fazer uma guerra que nunca poderão ganhar, que era uma guerra subversiva. Aquela terra era deles. O Salazar era fã da guerra.

P: Vocês aqui na Algarvia não gostavam do regime do Salazar?

Luís Jacinto: Não, não gostávamos. Mas depois quando veio o 25 de Abril e as coisas começaram a melhorar. Começou a haver mais trabalho e começou a haver tudo. E a gente viveu aquilo.

P: E começou a trabalhar na fábrica ainda antes do 25 abril?

Luís Jacinto: Sim, eu fui para lá antes de casar.

P: E ganhava-se bem ou mal?

Luís Jacinto: Razoável. Eu tenho que ser honesto. O meu patrão era da Ribeira Grande, uma empresa fortíssima da Ribeira Grande e a gente ganhava sempre acima da média. E houve dois anos que nos pagou dois subsídios de férias. Mas depois começou aí uma crise....

P: E vocês na fábrica tinham algum tipo de organização sindical?

Luís Jacinto: Não, a empresa não era uma empresa grande, tinha seis homens só, era de fazer blocos.

P: Então, e no período do 25 de abril aqui criou-se alguma associação nova, fizeram algum grupo novo, por exemplo, para fazer arranjos na Freguesia ou assim?

Luís Jacinto: Isso sim. Depois do 25 de abril as pessoas começaram mais a organizar-se, criaram um grupo da juventude, criaram um grupo de folclore, que a câmara ajudava. Mas depois, esta freguesia tem 200 habitantes, começaram a embarcar, a embarcar. Os nascimentos são poucos. Tem aqui uma filarmónica, mas esta filarmónica é composta por pessoal da Algarvia, graças a Deus a maior parte, pessoal de Santo António, pessoal de São pedro, pessoal da Feteira, pessoal da Achada e da Achadinha.
Porque quando eu vi que já não tinha mais para ir buscar para escola de música, para formar a banda, tive de avançar com os meus colegas da altura. E depois fomos para Santo António e trouxemos um de Santo António, depois veio um rapazinho de São Paulo, que ainda aqui está, que se veio oferecer. E depois atrás dele vieram outros. E depois fomos para Feteira. Da Feteira, ofereceram-se e a gente ia lá busca-los, porque eram crianças. A gente responsabilizamo-nos por as ir buscar para o dia do ensaio, a gente ia buscá-los e íamos pô-las à porta. Tinha de ser assim para os pais deixarem.
E depois avançou-se para a Achadinha e fez-se bem, alguns miúdos já estão na banda e outros estão em formação. A banda está boa! Agora, depois destes dois anos de pandemia, está boa. Não é por ser da minha freguesia mas neste momento é a melhor banda do concelho.

P: Então, o senhor estava envolvido nas romarias e ao mesmo tempo veio para a banda.

Luís Jacinto: Exatamente.

P: E como é que foi?

Luís Jacinto: Foi por causa dos amigos estão ali. O [anonimizado] que era muito conhecido comigo na freguesia, nas festas da paróquia, mesmo pelo estatuto de mestre romeiro eu tinha a obrigação de estar envolvido nos eventos da paróquia. O grupo de Romeiros, no regulamento que a gente recebeu, diz que temos de participar nos eventos da paróquia. E é bom que seja assim. Se a paróquia quer fazer uma cerimónia, se a paróquia quer fazer uma procissão, ai vão os romeiros.

P: E então pediram-lhe para vir aqui para a banda?

Luís Jacinto: É, esse meu amigo disse: “A gente tinha ai uma direção, mas depois a direção saiu, e isto ficou sem rumo. Fez-se uma comissão administrativa. Mas agora com a ajuda dos músicos consegui criar uma direção”. E depois ele disse: “A gente vai para ali, é a nossa freguesia, a gente não vai deixar morrer aquilo”. E então eu vim. E depois comecei a adaptar-me. Dá muito trabalho e não é reconhecido. O trabalho da direção não é reconhecido, é nos bastidores. As pessoas pensam que é só ir com a banda. É muito trabalho antes. Quando a banda sai para fora dá muito trabalho antes. E o telemóvel tem de estar sempre na mão.

P: E era músico? Tinha sido músico ou foi?

Luís Jacinto: Nunca, nunca fui músico e nunca tive aquela vocação quando era novo de vir aprender música. E depois envolvi-me nisto, estive aqui 30 anos. Eu estava sempre a ver se arranjava maneira de sair. Dizia ao conselho fiscal, ao presidente da assembleia geral: “Tens que arranjar, eu tenho que sair, isto tudo tem o seu limite”. Era para ter saído em 2016. Em 2016 já não consegui arranjar direção. E depois, segundo o estatuto desta câmara, quando não houver direção, a instituição tem de entregar-se à autoridade máxima da freguesia. Antes era o regedor, agora é a junta (...). E eu disse para os meus colegas: “A gente não tem outro remédio senão ficar aqui”.

P: Mas agora conseguiram arranjar?

Luís Jacinto: Arranjámos. Aquele rapaz é filho desta terra, mas ele mora na Achada e os outros dois são de Santo António, mas isso não interessa, interessa é que tenha direção. E o vice-presidente é daqui.

O: E diga-me uma coisa, aqui a banda, quantas pessoas é que envolve?

Luís Jacinto: Neste momento, com direção, está com 45, 46 mais ou menos. Já teve 52, mas isso é assim, as bandas têm altos e baixos.

P: Contanto com os músicos e com as direções. E depois não tem sócios?

Luís Jacinto: Não tem, o estatuto até manda mas a freguesia é pequena.

P: Mas a banda recebe quando vai tocar a vários sítios. E depois vocês usam esse dinheiro para quê?

Luís Jacinto: O ordenado do maestro e depois tem de se investir nos instrumentos e para investir nos instrumentos a gente pede apoio ao Estado. Faz a candidatura, pode ser aprovada, pode não ser aprovada, mas normalmente é sempre aprovada. E dão oitenta porcento, já não é nada mau, a pessoa já dá só vinte porcento. E depois temos um apoio da junta, temos um apoio anual para contar para o nosso orçamento. Desta junta e da junta de Santo António, é igual. Têm um compromisso e a gente também tem que retribuir, vamos lá fazer a festa do padroeiro e não cobramos dinheiro, a junta também está colaborando. E essa disponibiliza a carrinha da junta sempre que gente precisa, e a nossa aqui também e a banda também tem. E a nossa câmara deve ser das câmara que, penso eu aqui dos Açores, que dá mais dinheiro. Neste momento está dando doze mil euros. E o outro presidente de trás dava 15 mil euros, é muito dinheiro. Portanto, as bandas do concelho financeiramente não estão mal. O outro presidente dava 15 mil euros, 10 mil para despesas corrente e 5 mil tinha que se investir, ou em fardamento ou em instrumentos. Tinha-se é que investir e tinha-se que apresentar as fatura. Se não apresentássemos faturas, não havia dinheiro para ninguém. E eu era diretor e aproveitava para comprar instrumentos com melhor rendimento, essas coisas.


P: E diga-me uma coisa? Em algumas bandas que eu entrevistei lá no continente, disseram-me que a banda apoiava, por exemplo, os funerais dos sócios, que tinham algumas ajudas aos sócios.

Luís Jacinto: Mas a gente faz os funerais aqui sempre, mesmo o estatuto manda fazer, e fazer as domingas do Espírito Santo. Agora a banda só vai fazer os funerais da famílias dos músicos que estão no ativo. E vai fazer as domingas.

P: E conte-me uma coisa mais de antigamente. Aqui na vossa Freguesia os agricultores também tinham a prática de se ajudarem uns aos outros em alguns trabalhos de agrícolas que era preciso fazer em conjunto.

Luís Jacinto: Antigamente era assim, ajudavam-se mutuamente uns aos outros. Os bois iam lavrar e depois o outro também vinha semear. Havia essa coisa.

P: E acha que estas associações, por exemplo, como os Romeiros, ajudava a que houvesse essa entreajuda entre as pessoas, essa união?

Luís Jacinto: Os Romeiros têm essa finalidade, de ir visitar os doentes, angariar coisas da freguesia, pedir pelas portas às pessoas que podem dar às pessoas mais desfavorecidas. Os romeiros são um movimento forte aqui freguesia, e nas outras. É bonito. E graças a Deus, são dos bons. E isso ajuda muito as pessoas mais carenciadas. E para a nossa banda também, verdade seja dito, também olha muito para isso, para a parte social.

P: E a banda também tem essa dimensão social ou são mais romeiros?

Luís Jacinto: A banda é a sua própria associação. As pessoas gostam da banda. No fim da época faz-se uma festa da banda, mesmo própria da banda e a banda sai a cantar, saí à noite, vai correr a freguesia e as pessoas vão em grupo. E isso também ajuda a instituição.

P: Então, o senhor Luís Jacinto esteve aqui envolvido muito na Freguesia, chegou a ter algum cargo na junta de Freguesia?

Luís Jacinto: Na assembleia.

P: Fez parte da Assembleia? O que é que defendia lá na Assembleia?

Luís Jacinto: Defendia sempre os interesses da minha freguesia, porque isto não era freguesia. Isto foi para a freguesia há uns anos. Isto era Santo António, São Paulo e Algarvia e a sede era em São Pedro. E daí, o bolo vinha da junta era dividido. E aí, na Assembleia, a gente exigia essas coisas.

P: É importante para as crianças aqui da freguesia terem aqui a banda, e das outras, é importante?

Luís Jacinto: É muito importante.

P: Porquê?

Luís Jacinto: É importante porque elas têm gosto e duas vezes por semana estão aqui das oito às dez. Porque elas também têm escola não podem ficar aqui até à meia-noite.

P: E passeiam não é?

Luís Jacinto: Se passeiam. Esta banda saiu, antes de eu ser presidente, em 1993, à Madeira, a São Vicente. E depois em 1995 fomos para a Terceira, em 1997 a Santa Maria. E depois houve um período, em 1998, em que a banda estava meia fraca, a gente parou. Em 2000, Pico e Faial, em 2001, Estado Unidos da América. Em 2010, fomos para a Madeira. 2004 São ?. em 2005 Castro Marim, no Algarve. Fizemos lá uns concertos, fizemos um concerto em Vila Real de Santo António. Fomos a Espanha, à cidade de Aiamonte. Fizemos um rico de um passeio pelo rio Guadiana até Alcoutim. Passámos lá uns dias lindíssimos. A banda de Castro Marim já tinha estado aqui em junho e a gente foi em setembro. Em 2006, fomos outra vez para o Pico. Em 2008, fomos para a Fronteira, com passeio a Elvas, a Évora. E fomos a Badajoz, em Espanha. E de lá, a gente fez uma excursão a Fátima. Em 2009, outra vez para a Madeira. Em 2012, fomos para Múrcia. Aquela costa, a gente correu aquilo tudo. E fomos à cidade de Samora, em Espanha. Tocámos num sítio que eles têm, que a gente foi lá fazer uma visita, onde o rei Dom Afonso Henriques se encontrava com o rei de Castela. Tinha muita tapeçaria, tudo árabe. O nosso presidente da Câmara foi connosco que ele é de história. Foi bonito. É pena que os miúdos não querem nada disso. Em 2016 fomos para Leiria, foi um espetáculo. A dormir em escolas, mas tinha duche, tinha tudo. Foi uma maravilha.

P: Como é que se organizam essas viagens? É com as bandas de lá? São as bandas de lá que organizam?

Luís Jacinto: As bandas de lá pedem, por exemplo, que façam um intercâmbio. A banda de lá faz um convite. Faz um convite para a gente integrar as festas dos seus padroeiros. E a gente quando vê aquele convite, a gente começa a arranjar dinheiro aqui.

P: Faz-se uma candidatura para o governo, o governo paga 60%. Aquilo dá trabalho, tem que se por os papeis, aquilo tem que ser tudo bem confirmado.

P: E como é que arranjam os outros 40?

Luís Jacinto: A Câmara paga x passagens... A banda paga x passagens. A junta também paga duas... E o resto a gente também tem dinheiro. E a gente lá não gasta nada em comida, dormida, nada... É a outra banda que recebe que paga.

P: E quando vocês recebem, como é que pagam, também têm que pedir apoios para pagar quando recebem bandas de outros sítios?

Luís Jacinto: É por convite, mas eles têm de desenrascar a sua parte, a parte das passagens e de lá para cá é muito mais caro.

P: E com as bandas espanholas também tem essa ligação, quando foram a Múrcia?

Luís Jacinto: A gente foi a Múrcia, mas o veio cá foi um grupo de Folclore. E de Fronteira também foi um grupo de Folclore. Agora, neste momento temos condições para os receber aqui. Armamos uns colchões ali na escola, agora temos duche.

P: E aos Estados Unidos, como é que foram?

Luís Jacinto: Um rapaz que era meu amigo faleceu lá, quando eu assumi a presidência da banda. E um dia o irmão dele telefonou-me: “Estás presidente da banda, porque é que não trazes essa banda à América?”. E eu disse: “Isso tem de ser muito bem pensado, isso não é brincadeira”. “A gente vai fazer festas aqui para ajudar e tal”. Eu disse: “Está bem, vou falar com os meus colegas e a gente vai pensar nisso e depois a gente vai falar com o maestro para ver se a banda tem condições de ir lá”. E depois o maestro disse: “É uma oportunidade, porque é a gente não vai? Temos banda para isso! O que é que o senhor está à espera”. E eu depois: “E o senhor vai para a América por 20 dias, são as suas férias. A banda não vai pagar isso, que não tem dinheiro”. Mas fomos e correu tão bem. Eu disse a ele: “Eu quero que tu me arranjes 50% das passagens aéreas e o resto deixa comigo”. Fiz uma candidatura ao governo para pagar as passagens - à direção Regional da imigração. Fizemos a candidatura e deram-nos o dinheiro das passagens, era muito dinheiro - 108,800 €. A câmara deu seis, a junta também deu dois, e o resto a banda desenrascou. Mas a gente teve muita sorte, porque o serviço lá na América é pago, portanto a gente foi para as festas do Divino Espírito Santo, mas também fomos numa procissão e recebemos das duas. As festas também deu e juntando tudo, a gente ainda ganhou dinheiro. A comissão que estava lá fazia muitas festas, com jantares e tudo, por isso já tinha o dinheiro lá.

P: Ou seja, a amizade que há aqui dentro da banda também há com as bandas dos outros sítios

Luís Jacinto: Exatamente. É bonito.


P: Diga-me uma coisa, houve uma altura em que era mestre dos romeiros e presidente da banda. Como é que conseguia gerir isto?

Luís Jacinto: Conseguia com trabalho, mas nos romeiros a gente tem uma missa por mês, em que temos de cantar e participar. Mas dá, bem organizado dá.

P: Mas dedicava muito do seu tempo?

Luís Jacinto: Dava muito tempo à banda. A banda dá mais trabalho que os romeiros. Porque é assim. Eu tenho uma equipa... A senhora sabe que é assim. Eu tenho uma equipa de gente boa, a trabalhar, de gente séria... Prontos para fazer o que fosse com as carrinhas, ir buscar os músicos, e isso tudo. Mas o cabecilha, o mestre, é o presidente. O presidente é o mestre, porque se tem um problema... Mas, pronto, eu sou uma pessoa muito calma, muito paciente. Não é por estar a elogiar-me, mas é verdade, é a minha maneira de ser, muito paciente. E depois eu não tenho aquele feitio. Por exemplo, um músico se faz uma coisa mal, por isto ou aquilo, uma coisa que não tinha que fazer, eu não tenho aquele feitio, de chegar ali num lugar de um mestre e estar a descascar. Porque tem gente ali que não faz tudo bem. Mas chamava o músico à parte e dizia-lhe assim: “Tu tens que ter outro comportamento. Tu tens que ter outro comportamento. Isso não pode ser assim. Eu não quero estar ali a descascar-te à vista dos teus colegas, porque deixa-te mal”. E eles também não estão dispostos. Há pessoas que têm esse feitio, que descascam ali, mas eu não. Por isso é que eles diziam que eu era bom para bombeiro, para apagar os fogos. Eles diziam que fui devia ter ido para bombeiro, para apagar o fogo, para não ter conflitos.

P: Diga-me uma coisa, quais são os valores, os princípios que orientam estas associações? O que é mais importante? É a generosidade, é o compromisso? O que acha que são os valores deste movimento?

Luís Jacinto: Isto tem muito valor, é uma instituição de mérito cultural. Para esta freguesia, que é uma freguesia pequena, isto é um ponto de referência. E tem muito valor porque reúne estes rapazes aqui, tudo em harmonia.

P: Foi bom? O que é que sentiu? O que é que sentiu durante estes anos todos?

Luís Jacinto: Tive muito trabalho. Tive altos e baixos, mas sinto-me muito satisfeito. Se eu não estivesse nesta banda, eu não tinha ido à América. Se eu não estivesse nesta banda, não quer dizer que não tivesse ido a Lisboa, mas eu não tinha feito tantos amigos, tantos presidentes de câmara e presidentes de junta.

P: Então, acha que valeu a pena?

Luís Jacinto: Valeu a pena. Valeu a pena, aprendi muito. Conheci muitas amizades. Fora da ilha, na Madeira, na... Gostei imenso e sinto-me muito satisfeito. E continuo aqui, não estou aqui mas qualquer coisa que o presidente precise. Eu disse: “Qualquer coisa que te ultrapasse, que eu possa ajudar...”

P: Tem esperança, tem esperança que a banda continue assim?

Luís Jacinto: A banda vai continuar, a banda tem pernas para andar. Ainda outro dia, eu disse: “A banda da Algarvia tem pernas para andar sim senhor”.

P: E os Romeiros? Também valeu a pena?

Dos romeiros... Ele estão sempre aqui [aponta para o coração e emociona-se]. Quando saem os meus romeiros, eu nem sequer quero vir à despedida... Mas eu não posso. Andar de madrugada, fria, manhãs de março geladas. Andar ainda conseguia mas eu já tenho 74 anos.

P: E acha que este movimento dos romeiros vai continuar?

Luís Jacinto: Vai continuar, vai continuar. Tem muita gente nova. Alguns diziam: as romeiras vão acabar quando os velhos acabarem. Não, dou-lhe a minha palavra que não acabam.

P: Qual é o que é o peso que teve esta participação na sua vida? De que forma marcou a sua vida?

Luís Jacinto: Marcou-me muito (emociona-se). É a minha casa. A banda, os romeiros...É assim, os homens passam, as instituições ficam.

Conjuntos de itens