10. Ilustração e marcos estético-visuais

Esta secção pretende contribuir para o conhecimento dalguma da mais relevante ilustração e design que a Ulmeiro encomendou, bem como destacar certos marcos no seu percurso enquanto promotora cultural com um projecto mais alargado, para lá da mera edição, distribuição e venda de livros.

Nesse sentido, e com o condicionamento dos materiais que foi possível reunir em tempo útil, afigura-se importante realçar o contributo dos artistas Vasco, na caricatura política, do ilustrador António Pimentel, na concepção visual da colecção icónica Imagem do corpo. Pelo seu valor consensual na ilustração, cabe mencionar ainda a existência de preciosas ilustrações de João Abel Manta e de Mário Botas no catálogo da Ulmeiro.

Impõe-se ainda sublinhar a relevância da edição do livro colectivo Poemografias, não só pelo livro em si mas também por ser uma reflexão teórica e estética sobre um tipo de poesia mais directamente ligada à visualidade, justamente a poesia visual/ experimental. Desta corrente estética ressaltou José-Alberto Marques e Alberto Pimenta, cuja colaboração com a Ulmeiro se irá estender à edição de um livro de poemas de cada um (respectivamente, Nuvens, no vale, de 1985, e Metamorfoses do vídeo, de 1986).

Por fim, destaca-se o contributo dum conjunto alargado de ilustradoras que contribuíram para dar visibilidade a obras de muitas escritoras portuguesas (e não só), novas ou credoras de maior projecção, numa cumplicidade assumida. Falamos de artistas como Ana Leão (responsável pelas capas de Montedemo e Estátua de sal, livros de 1983, respectivamente de Hélia Correia e Ondina Braga), Carmen (Isabel, Isabel, Isabel, de Noémia Seixas, 1983, Dinâmica subtil, de António Ramos Rosa, 1984, e Nuvens, no vale, de José-Alberto Marques, 1985), Cristina Reis (Ah Q, de Bernard Chartreux e Jean Jourdheuil, e Fanshen, adapt. de David Hare, ambos de 1976, e Bicho de sede, de Manuel Cintra, 1986), Graça Martins (Restos de infantas, de Isabel de Sá, 1984), Lídia Martinez (Cartas de Pedro e Inez, de sua autoria, e As cartas de Yage, de Burroughs e Ginsberg, ambos de 1994) e Wanda Ramos (desenho na capa do seu As incontáveis vésperas, 1984).

10.1

Capa do livro Situações, faces & formas. Desenhos 1965-1978, de Vasco, Lisboa, Cultarte Editora, 1978 [Esp. JAR].

 

10.2

Capa do livro Vida e obra exemplares de Fernando Pessoa, de Vasco, Lisboa, editor José A. Ribeiro, 1985 [Esp. JAR].

 

10.3-10.4

Duas fotografias de sessão de lançamento de livro de Vasco de Castro (s.l., s.d.), [Esp. JAR].
O caricaturista Vasco de Castro ligou-se à Ulmeiro nos anos 1970-90 através de duas obras importantes. A primeira foi Situações, faces & formas. Desenhos 1965-1978, na qual reviu o seu trabalho de desenhador no exílio e na fase revolucionária e significou uma viragem para uma abordagem mais expressionista. Teve 1.ª ed. em 4/1978 pela Cultarte Editora, uma editora do universo da Ulmeiro, com tiragem de 2500 exs. Uma 2.ª ed. foi produzida pela Ulmeiro nos anos 1990. O segundo livro de Vasco foi Vida e obra exemplares de Fernando Pessoa, um catálogo da exposição homónima, publicado pelo editor JAR mas com logótipo da Ulmeiro, numa tiragem de 4200 exemplares. Houve ainda colaborações pontuais, como uma caricatura de Pessoa que saiu em jornal da Ulmeiro de 1985 (vd. em baixo).

 

10.5

Página 1 de Ulmeiro jornal, n.º 5, 4/1985, reproduzindo cartoon de Vasco de Castro alusivo à Feira do Livro de Lisboa de 1985 [BNP].

 

10.6

Fotografia de António Pimentel, s.a., s.d., [Casa Amarela 5B - Jornal Online].
Nascido em 1935, em Condeixa-a-Nova, António Pimentel teve como mestres Carlos Ramos (pintura) e Mário Oliveira Soares (cerâmica). Em 1956 participou no 1.º Salão de Artes Plásticas dos Novos de Coimbra, assinando as primeiras obras como Tòpi. No ano seguinte realizou aí a sua 1.ª mostra individual, na galeria de O Primeiro de Janeiro, apresentada por Manuel Deniz Jacinto. Cofundou então o Círculo de Artes Plásticas (na Associação Académica de Coimbra), que seria dirigido pelo pintor modernista brasileiro Waldemar da Costa. Entre outros trabalhos, executou nessa época uma série de xilogravuras para o cineclube universitário. Em 1959, pintou os murais do Instituto Maternal de Coimbra, a convite de Bissaya Barreto.
Em Lisboa, para onde se mudou em 1960, trabalhou no cinema e em publicidade, na ETP, com Alves Redol, Ary dos Santos, Câmara Leme, Cipriano Dourado, Luís Sttau Monteiro e Orlando da Costa. Expôs então em galerias importantes, fez a capa do 1.º lp de José Afonso, Baladas e canções (1964) e tornou-se sócio da cooperativa Gravura.
Pouco depois, e até 1974, auto-exilou-se no Rio de Janeiro, em Paris e em Londres, onde expôs vários trabalhos, em especial gravura.
Voltou a Portugal com a Revolução dos Cravos, tendo então retomado a publicidade, na Espiral, com Ary dos Santos. Em paralelo, iniciou uma prolífica carreira como ilustrador para alguns autores (Ary dos Santos, Lília da Fonseca e Soledade Martinho Costa), para o semanário humorístico O Bisnau (em 1983/4, dirigido por Afonso Praça e com Tóssan a seu lado) e para editoras (Rolim, Ulmeiro, Vega, etc.), além de encomendas para o Estado, em especial pinturas para os TLP e selos comemorativos dos CTT.
Entre 1984 e 1986 António Pimentel desenvolveu um trabalho prolixo e de qualidade junto da Ulmeiro, tendo-se por isso tornado um dos principais ilustradores desta editora. Ao lado figura uma amostra desta produção, que incidiu sobretudo na colecção Imagem do Corpo, conferindo a esta uma identidade visual forte.
A partir de 1985 centrou-se na sua paixão, a pintura, fixando ateliê em Alcabideque. As suas derradeiras mostras datam de 1997, na Casa da Cultura de Coimbra e no Museu Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz). Faleceu a 24/IV/1998.

 

10.7-10.13

Foto-montagem de 7 capas do livros da Ulmeiro il. por António Pimentel [Esp. JAR]:
Histórias do tempo da outra senhora, de José Viale Moutinho (2.ª ed. rev., 1985); ►A pulso o horizonte, de Lia Viegas (1985); ►Mulher sentada no silêncio, de Maria Graciete Besse (1986); ►Villa Celeste: novela ingénua, de Hélia Correia (1985); ►O separar das águas, de Hélia Correia (1986); ►Palavras sem voz, de Vasco Branco (1985); ►A mar te, de Lena d'Água (1984).

 

10.14-10.19

Capa e ilustrações das páginas 1, 82, 115, 151 e 158 do livro Poemografias, org. por Fernando Aguiar e Silvestre Pestana, Ulmeiro, 1986 [Esp. JAR].
Poemografias tornou-se uma obra de referência para a poesia experimental, contendo trabalhos de Abílio, Alberto Pimenta, Ana Hatherly, Antero de Alda, António Aragão, António Barros, E. M. de Mello e Castro, Egídio Álvaro, Fernando Aguiar, Jorge Lima Barreto (Telectu), José-Alberto Marques, Salette Tavares e Silvestre Pestana. Essa relevância foi recentemente realçada por um dos seus organizadores, Fernando Aguiar: “O livro «POEMOGRAFIAS», apesar de já ter mais de 20 anos é, ainda assim, a mais recente publicação colectiva dos poetas experimentais portugueses. Depois desse livro organizei algumas antologias de poesia visual portuguesa, mas apenas com poemas, enquanto que «POEMOGRAFIAS» tem uma perspectiva teórica de cada poeta, para além dos poemas visuais” (transc. de trecho de entrevista a Jorge Luiz Antonio em Contrapontos, vol. 10, n.º 3, 2010, p. 358).

 

10.20-10.22

Capa e páginas 24 e 25 do n.º 3 da revista Sobreviver, II s., incluindo fotografias de participantes e de performances na exposição «Poesia Experimental Portuguesa» (Coimbra, Galeria CAPC -Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, 1985) e no lançamento do livro Poemografias, org. por Fernando Aguiar e Silvestre Pestana (Lisboa, 1986).

 

10.23

Capa do livro Metamorfoses do video, de Alberto Pimenta (Lisboa, José Ribeiro editor, 1986, capa s.a.), [Esp. JAR].

 

10.24

Capa do n.º 6 da revista Sobreviver, II s., 5-6/1986, com o poema visual “Balada piramidal dos patos bravos”, de Alberto Pimenta [Esp. DM].

 

10.25-10.26

Páginas 18 e 20 do n.º 6 da revista Sobreviver, II s., 5-6/1986, com entrevista e fotografias de Alberto Pimenta na sessão de lançamento do seu livro Metamorfoses do video (Lisboa, 1986), [Esp. DM].
Alberto Pimenta foi um dos poetas ligados à poesia experimental que continuou a colaborar com a Ulmeiro, a qual editou nesse mesmo ano de 1986 um livro seu, Metamorfoses do video, cujo lançamento público foi complementado por uma nova performance artística.

 

10.27-10.28

Capa e contracapa do folheto Manifesto sobre política energética: por um debate nacional sobre a opção nuclear (AAVV, Ulmeiro, 1978, il. de João Abel Manta), [Esp. JAR].
As ilustrações de João Abel Manta para este manifesto anti-nuclear que a Ulmeiro divulgou são um trabalho invulgar no quadro da produção do autor na época, mas mantendo a qualidade que o consagrou enquanto um dos maiores caricaturistas portugueses de sempre. Embora tendo por base a mesma ilustração, têm uma mensagem distinta: uma acentua a dimensão de combate ambientalista, a outra centra-se na luta contra o imperialismo dos Estados Unidos da América, país então denunciado por muitos ambientalistas como o principal promotor da energia nuclear, mas tendo a alusão de Manta um cunho mais abrangente, evocando outros activismos pretéritos, como o contra a guerra do Vietname.

 

10.29-10.31

3 capas de livros da Ulmeiro ilustrados por mulheres artistas [Esp. JAR]:
Nuvens, no vale, de José-Alberto Marques, 1985, por Carmen; ►Bicho de sede, de Manuel Cintra, 1986, por Cristina Reis; ►As incontáveis vésperas, de Wanda Ramos, 1984, por Wanda Ramos.
A afirmação feminina no Portugal democrático não se verificou apenas na criação literária mas também na artística. Em sintonia com esse impulso, a Ulmeiro deu visibilidade ao trabalho de um conjunto significativo de novas artistas através das suas ilustrações e arranjos gráficos para muitos livros da editora. Figuram acima apenas 3 capas de ilustradoras pois diversas outras foram apresentadas em várias secções desta exposição, em especial na secção 7.

 

Ver item seguinte: Mapas da rede de distribuição da Ulmeiro em Portugal continental e Lisboa em 1970 >>