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Francisco Bragança, Carlos Agostinho Dâmaso, Jeremias Espinho Roceiro e António José Esteves Duarte

Nome do entrevistador/a

Joana Dias Pereira

Local

Sede da Banda da Vila do Carvalho

Data

4 de junho de 2021

Nome do entrevistado/a

Francisco Bragança, Carlos Agostinho Dâmaso, Jeremias Espinho Roceiro e António José Esteves Duarte

Data de nascimento

Francisco Bragança nasceu em 1936
Carlos Agostinho Dâmaso nasceu em 1954
Jeremias Espinho Roceiro nasceu em 1958
António José Esteves Duarte nasceu em 1952

Local de nascimento

Francisco Bragança nasceu na Vila do Carvalho
Carlos Agostinho Dâmaso nasceu na Vila do Carvalho
Jeremias Espinho Roceiro nasceu na Vila do Carvalho
António José Esteves Duarte nasceu na Vila do Carvalho

Profissão dos pais

Os pais de Francisco Bragança eram operários têxteis
Os pais de Carlos Agostinho Dâmaso eram operários têxteis
Os pais de Jeremias Espinho Roceiro eram operários têxteis
Os pais de António José Esteves Duarte eram trabalhadores agrícolas

Escolaridade

Francisco Bragança completou o ensino Primário
Carlos Agostinho Dâmaso completou o ensino primário e frequentou o curso de Eletromecânica
Jeremias Espinho Roceiro completou o ensino primário e estudou no seminário do Fundão durante dois anos.
António José Esteves Duarte completou o ensino primário.

Local de residência

Vivem na Vila do Carvalho

Situação civil

Francisco Bragança é casado
Carlos Agostinho Dâmaso é viúvo
Jeremias Espinho Roceiro é casado
António José Esteves Duarte é casado

Filhos

Francisco Bragança tem dois filhos e uma filha
Carlos Agostinho Dâmaso tem um filho
Jeremias Espinho Roceiro tem duas filhas
António José Esteves Duarte tem dois filhos

Profissão

Francisco Bragança foi operário Têxtil
Carlos Agostinho Dâmaso foi eletricista
Jeremias Espinho Roceiro é empregado do comércio
António José Esteves Duarte foi serralheiro

Associações em que participou

Banda da Vila do Carvalho
Carvalhense Futebol Clube
C.C.D. Amigos Vila de Mouros
Centro Social Nossa Senhora da Conceição

Cargos dirigentes

Foram da direção da Banda da Vila do Carvalho

Religião

Católicos

Sinopse da entrevista

É descrita a participação de cada um na Banda do Carvalho. Francisco Bragança refere-se à década de 1940 e partilha as memórias da fundação, os seus três colegas mais novos partilham a experiência de renovação da atividade da banda na década de 1980. Destacam o papel da Banda na comunidade. Refletem sobre o passado, o presente e o futuro do associativismo.

Palavras-chave

Testemunho

P: Nasceu aqui, na vila do Carvalho? Em que ano?

Francisco Bragança: Sim, a 12 de Agosto de 1936.

P: E estudou aqui?

Francisco Bragança: Fiz a terceira classe e depois fui trabalhar, com 10 anos.

P: Para onde?

Francisco Bragança: Para a Covilhã.

P: Para quê?

Francisco Bragança: Lanifícios. Comecei na ultimação e acabei na tinturaria. Trabalhei 50 anos, dos 10 aos 60.

P: Sempre no têxtil?

Francisco Bragança: Sempre. Quando comecei a trabalhar ainda não havia luz na aldeia, não havia transportes, não havia nada. Ia com 10 anos, porque, vamos lá, naquele tempo muito raras eram as pessoas que sabiam ler. A minha mulher é quase dois anos mais nova do que eu e não sabe ler.

P: Também trabalhou na têxtil, a sua mulher?

Francisco Bragança: Sim, muitos anos.

P: E os seus pais também?

Francisco Bragança: OS meus pais também.

P: Também eram daqui?

Francisco Bragança: Eram daqui. O meu sogro e a minha sogra não trabalhavam nos lanifícios, era no campo. Porque o meu sogro andou na guerra de 1914-18 e quando veio, veio doente. Tinha sete filhos e a minha mulher, quando ele veio, tinha cinco ou seis anitos, foi obrigada a ir logo trabalhar. Para se casar, teve de aprender a fazer o nome. Faz à sua maneira, mas faz o nome.

P: E tem filhos?

Francisco Bragança: Tenho dois filhos e uma filha.

P: Ficaram aqui ou foram para fora?

Francisco Bragança: Tive uma filha, que ao fim de três meses morreu-me. Agora tenho uma filha que vai fazer 58 ou 59. A minha filha, não sei, é de 1962. E tenho uma filha que tem 54 anos.

P: Os seus pais ou alguém da sua família fazia aqui parte da banda?

Francisco Bragança: Dois primos direitos. Um depois, mais velho, mas outros esteve cá pouco tempo. Ainda por cá passou um filho meu e uma neta.

P: Também esteve aqui na banda?

Francisco Bragança: Não foi muito tempo, mas esteve.

P: Então e o senhor, pode dizer o seu nome todo, para ficar registado?

Carlos Dâmaso: Carlos Agostinho Dâmaso.

P: E nasceu em que ano?

Carlos Dâmaso: Nasci em 1954, nasci mesmo aqui na vila do Carvalho, não fui ao hospital nem nada, foi mesmo aqui.

P: E estudou aqui?

Carlos Dâmaso: Sim, até à quarta [classe], depois ainda fiz a admissão, ainda estive na Campos Melo algum tempo. Andei lá no curso, mas não acabei, de Eletromecânica.

P: E depois, foi trabalhar para onde?

Carlos Dâmaso: Comecei também aqui, na fábrica aqui em cima. Fui para ao pé deste colega, que já lá estava na serralharia. Mas depois, como o patrão, que era o Francisco Fazenda, admitiu-me mais por causa de eu ter dito que andava a estudar lá no curso de Eletromecânica e tal, comecei a fazer as duas coisas, era eletricista e estava na serralharia com ele.

P: E os seus pais também trabalhavam aqui?

Carlos Dâmaso: Os meus pais trabalhavam naquelas fábricas na vila.

P: Mas eram daqui…

Carlos Dâmaso: A minha mãe sim. O meu pai nasceu na freguesia de São Pedro da Covilhã, mas veio muito cedo aqui para a aldeia, para casa de umas tias.

P: E casou-se?

Carlos Dâmaso: Sim casei, mas já estou viúvo. Em 2001 faleceu a minha esposa.

P: E tem filhos?

Carlos Dâmaso: Tenho um. O meu filho casou, esteve a estudar e vive noutra freguesia.

P: E o senhor?

Jeremias Espinho Roceiro: Jeremias Espinho Roceiro

P: Nasceu aqui também? Em que ano?

Jeremias Espinho Roceiro: Sim, nasci aqui, em 25 de abril de 1958.

P: E estudou aqui?

Jeremias Espinho Roceiro: Fiz aqui a instrução primária. Fiz a quinta classe na altura e depois estive dois anos no Seminário do Fundão. Depois fui para os lanifícios também.

P: Aqui ou na Covilhã?

Jeremias Espinho Roceiro: Na Covilhã. Depois sai para o comércio. Entretanto, a firma onde trabalhava faliu e eu entrei no comércio, numa loja de máquinas e ferramentas.

P: Acabou sua carreira aí?

Jeremias Espinho Roceiro: Sim, aos 60 anos.

P: E casou-se aqui?

Jeremias Espinho Roceiro: Casei aqui duas vezes.

P: E tem filhos?

Jeremias Espinho Roceiro: Tenho duas filhas.

P: E os seus pais também eram daqui?

Jeremias Espinho Roceiro: Sim.

P: E trabalhavam nos lanifícios?
Jeremias Espinho Roceiro: Trabalhavam. A minha mãe pouco, porque casou e éramos nove irmãos. Começou a ter as crianças e acabou por ficar em casa muito cedo. O meu pai é que se fartou de trabalhar. O meu pai foi músico também aqui nesta Filarmónica. Quando deixou a Filarmónica, já estava com à volta dos 80 anos e ainda tocava.

António José Duarte: Sou António José Esteves Duarte, mais conhecido por Tó Zé Duarte, como eu gosto que me tratem. Eu também nasci nas quintas desta aldeia. Vim a esta aldeia a primeira vez quando fui batizado e a segunda vez quando vim para a escola, aos sete anos.

P: Nasceu em que ano?

António José Duarte: Em 1952. Sou casado, tenho dois filhos, um que também passou por aqui pela banda para estudar música e depois estudou diversas coisas e atualmente estão os dois a trabalhar como auxiliares no hospital da Covilhã. Portanto, eu já estou aqui há 53 anos a frequentar esta casa. A primeira vez que vim para cá foi em 1966-67. Havia aqui uns jovens que eu admirava muito vê-los na banda. Foi isso que me incentivou também a vir para cá. Vim aprender solfejo, que eram os próprios músicos que ensinavam solfejo àqueles que entravam, um rapaz que já há muitos anos que nunca mais vi, que era o Jorge. Mas as coisas também não andavam muito bem e depois saí. Voltámos depois mais tarde, já uma quantidade deles, ainda existimos três, que sou eu, o Carlos Dâmaso e o Agostinho, que ainda continuamos cá. E também nessa altura estavam aqui a iniciar as obras da primeira sede desta Casa.

P: Não tinha ninguém da sua família que andasse nesta banda?

António José Duarte: Não, sou filho de pais analfabetos, das quintas, sempre na agricultura, e não sei porquê, foi como disse, a admiração que via naqueles jovens...

P: Que idade é que tinha quando isso aconteceu?

António José Duarte: Tinha aí uns 14 anos quando entrei para esta Casa pela primeira vez.

Jeremias Espinho Roceiro: Eu, para além do meu pai, já tinha mais gente da família na banda, já tinha mais dois irmãos e tinha uma sobrinha.

P: Então e o senhor, com que idade é que começou a tocar na banda?

Francisco Bragança: Eu comecei, entrei nestas coisas, nunca me esquecerei, em 1943. Em 7 de setembro entrei para a escola, nos fins de junho, com 10 anos, fiz a terceira classe, fui logo trabalhar. Não havia luz, não havia estradas em condições, não havia transportes, não havia nada. E eu, com essa idade, frequentava muito um ensaio. Foi o primeiro ensaio que eu conheci e eu, mesmo garoto, era o primeiro a lá chegar só para ver acender o candeeiro. Depois assistia um bocado aos ensaios, porque os ensaios começavam muito mais cedo do que agora começam. Estava ali um bocado, começava a anoitecer, ia para casa. Mas depois, a minha vinda para a filarmónica, já nesse tempo gostava muito da música, já trabalhava, com 11 anos fiz o crisma e estava ali um café, uma oficina de um sapateiro, e os músicos iam fazer as festas no domingo e à segunda-feira.
Ali é que era uma sede, porque naquele tempo éramos distribuídos pelas casas. Uns iam para uma casa, outros para outra e depois à segunda-feira é que estavam ali uns com os outros, chamávamos os patronos. Eu calhei muito mal naquele tempo, cala-te lá, aconteceu-me isto e aquilo, mas era uma família. Quando cheguei aos 11 anos, fiz o crisma e convidei o dono da sapataria para meu padrinho e ele vira-se para um músico que me orientava: “Oh Zé, tens de levar o meu afilhado para a música.” E então, com 11 anos, comecei a aprender, mas esse músico que me começou a ensinar ensinou-me pouco. Era um bom músico, mas eu queria era companhia. Porque nessa altura andava a namorar e de vez em quando ia para Lisboa e ele queria é que eu fosse músico para aquele lugar, porque só havia dois lugares.

P: Qual era o instrumento que tocava?

Francisco Bragança: Saxofone, e ele queria é que eu fosse músico. Foi uma altura que eu comecei cá... no princípio da banda, com o fundador, dizem. Eu andei cá com o fundador muitos anos na música. E ele dizia-me também: “A música começou a ser formada em 1905 ou 1906”. A 1 de janeiro de 1908 é que foi a primeira atuação. Começou com sete músicos, um não conheci, os outros todos conheci. E esse senhor contava que, por diversas coisas, o maestro foi-se embora. Mas depois, naquele tempo, não sei se havia muita festa ou se não havia. O que sei é que por qualquer motivo deixou de ser músico, o homem.
Havia então um mestre da Covilhã, um civil, tinha de vir a pé, não havia luz, não havia transportes, não havia nada. Não estava cá muito tempo. Depois vinha outro, não estava cá muito tempo. Depois, em 1930, veio um primeiro sargento do exército, da Covilhã. E esse senhor vinha sempre fardado. Não havia transportes, vinha sozinho. E naquele tempo, vinha fardado, para não ter medo. Esteve cá uns aninhos. Depois saiu. Veio outro sargento, mas já estava reformado. Veio viver aqui para a aldeia, porque esse senhor era de Famalicão. Era primeiro-sargento do exército. Reformou-se e veio ali para a banda que hoje é de Vale Formoso, antiga aldeia do Mato. Havia duas bandas e acabaram.

P: Duas bandas aqui?

Francisco Bragança: Não, lá. E esse homem veio então para mestre da música. Ele tinha enviuvado e casou aqui com uma senhora nova. Em casa ensinava os músicos. Esteve cá uns aninhos bons. Em 1946-47, começou o homem assim, como é que eu hei de dizer, a idade já avançada, muito pesada e tal. E teve que sair. Veio depois outro sargento para a banda, que esteve muitos anos, quando se formou a banda de uma maneira que chegou a alto nível.
Mas esse senhor era de Chaves e veio para a Covilhã. O homem tinha uma história. Começou a aprender música muito novo, mas o pai era empreiteiro de obras. E o pai queria que ele fosse também empreiteiro. E começou a ir lá a ensinar duas meninas músicas de Chaves e os pais eram tropas. E ele começou a dizer que não queria ser pedreiro e tal, e eles disseram: “Tu queres ir para o exército?” E eles deram-lhe uma assinatura falsa e foi para o exército. E ele, não sei se tinha só a quarta classe se tinha mais estudos, ele era mais inteligente na música. E veio para a Covilhã, mas já como furriel. Quando veio para cá, ainda foi para a banda da Covilhã. Então em 1948 é que veio aqui para a aldeia. Esteve cá até 1961. Depois veio a família, lá de Chaves. Mas o homem também vinha a pé, não havia transportes, não havia nada. Então vinha a pé.
E foi quando eu aprendi, porque o senhor que me ensinou tinha uma taberna e o tal senhor Assis, quando vinha para o ensaio, os ensaios eram à quarta e à sexta, ia lá para a taberna, metia-se nos copos, acabava o ensaio pegava na batuta e pronto. E os músicos é que ensinavam os outros. Continuo a dizer que se calhar não fui muito bem preparado devido ao músico que queria que eu fosse músico. Quando fiz o crisma, com 11 anos, já trabalhava, mas o meu padrinho é que, nunca me esqueci, levou-me ao cinema. Foi a primeira vez que fui ao cinema, ver o Camões. E quando vínhamos, porque naquela sede era só uma sala e dois quartos, um quarto era a direção, um quarto trabalhava o maestro, e era uma sala. Eram bancos compridos e tinha uma tábua onde punham o candeeiro e aí, quando veio a eletricidade, em 1947, foi então quando eu fui para musica, até hoje.

P: E o senhor, quando é que começou?

Carlos Dâmaso: Com 14 anos, portanto, foi em 1968. A gente entrou para aqui em 1967, para o solfejo. Eram os mais antigos que ensinavam o solfejo, aquilo que viam, aquilo que sabiam. Eles não eram mesmo profissionais, assim como nós também não ficámos. E foi assim. Portanto, na altura, era um músico que andava aí, que era o António Tente Souza, que era o pai do tal colega nosso que já mencionamos aí, que era o Agostinho, que já faleceu, e o senhor Fernando Proença, eram os dois que ensinavam o solfejo.
É claro, aprendemos mais ou menos o que eles ensinaram. Se calhar ainda sabiam um bocadinho mais do que eu, eu falo por mim. Portanto, como acabei de dizer, foi em 1968, no dia 8 de Junho, dia da Imaculada Conceição, porque fazíamos sempre a procissão e era a primeira, era a festa da Imaculada Conceição e era quando entravam os miúdos, normalmente entravam nesse dia.

P: Qual era o instrumento que tocava?

Carlos Dâmaso: Comecei com trompete. Andei a tocar trompete até ir para tropa. Depois ausentei-me um bocadinho na tropa, vim da tropa, casei-me, também não vim. Portanto, por volta de 1975 foi quando fui para a tropa, depois casei em 1980, depois nasceu o meu filho e depois vim em 1981, porque já ele tinha um ano. Depois eu era sócio e regressei. Nessa altura, eu já estava assim um bocadinho esquecido, é o que acontece. Na altura, havia muitos trompetes. Por acaso nessa altura havia muitos músicos aí, estavam era à rasca com o contrabaixo. Andava aí um senhor da Atalaia do Campo, que vinha ajudar um senhor que era o Manuel Costa, que tocava contrabaixo.
E ele estava sempre a dizer que não podia, porque também tinha lá banda, que não podia e não sei quê. E eu acabei por vir para o contrabaixo, é mais ou menos uma tuba mas em Fá e em altura um pouco mais do que eu. Mas na altura tive que tornar a reaprender um bocadinho e depois estava a mudar de casa...
Mas aprendi e gostei, e gosto. Só tenho pena que agora não consigo, não me aguento, é assim. Posso contar um episódio que aconteceu comigo e com a minha esposa, que eu estava com a minha esposa, não sei se te lembras, numa das primeiras festas que fizemos. A gente estava todos empolgados. Uma vez íamos fazer uma festa, aquilo nem era quase uma terra, eram umas quintas, sei lá, umas quintas e tal... Na altura, agora já se utiliza muito que as pessoas vão tarde, já se vai mais tarde, mas na altura não, às oito horas era para estar lá. Era a Alvorada. E lá tocámos a Alvorada e depois veio o pequeno-almoço. Lá veio o senhor, ainda com o fato de estar a tratar dos animais e, bom, dois rapazes novos, éramos os únicos que lá íamos, dois rapazes novos, então: ”Eu tenho lá duas cachopas a ver se se desenrascam.” E era verdade, mas verdade. Chegamos lá a casa, estava lá a esposa e as duas filhas. Mas quer dizer, a gente ainda não estava muito virado para ali. Tu tinhas 15 e eu tinha uns 14. É claro, ainda não estávamos muito virados.
Chegamos lá, eles estavam habituados, aqui já não era tanto, mas lá estavam habituados, se calhar, a sopa... Então mas olhe, nós fizemos uns cafezinhos, não sei se estão… Aquilo era praticamente só água com leite, nada de café, mas lá comemos. É uma história assim engraçada.

P: E o senhor também entrou nessa altura?

Jeremias Espinho Roceiro: Não, eu entrei para a banda já tinha 38 anos. Apesar de já cá ter os meus irmãos, tinham começado todos novos, mas eu também tinha outro amor, que era o futebol. E então andei… Não quer dizer que não tivesse o gosto na música, o bichinho estava cá. Mesmo não fazendo parte da filarmónica, assistia a muitos ensaios, quando era sábado e estava aqui. Então depois acabou o futebol...

P: Aqui há um clube de futebol?

Jeremias Espinho Roceiro: Sim, o Carvalhense.

P: Então, quais são as associações que há aqui?

Jeremias Espinho Roceiro: O Carvalhense, que é o clube desportivo. Temos o Grupo dos Amigos Vila de Mouros, que está para a natureza e atividades ao ar livre. Temos o Centro Social, temos o rancho folclórico também. E somos nós.

P: E vocês participam em mais alguma destas associações ou só estão aqui?

Jeremias Espinho Roceiro: Eu, por exemplo, antes de estar aqui, fui dirigente e jogador do Carvalhense, por várias vezes.

P: E esteve nos dois ao mesmo tempo?

Jeremias Espinho Roceiro: Em simultâneo não. Estive nos Amigos Vila de Mouros e na banda.

P: E o senhor começou a ouvir, a gostar de ouvir?

António José Duarte: Eu, como lhe tinha dito, comecei a frequentar esta casa em 1966-7 e depois andámos a aprender o solfejo, eu mais o Carlos Dâmaso, o Agostinho e mais outro jovem, e tivemos a primeira saída a 8 de dezembro de 1968, dia da padroeira aqui na nossa Terra, a Nossa Senhora da Conceição, em que saímos cinco elementos a tocar nesse dia. E destes cinco elementos, já cá só andamos três, que sou eu, o Carlos Dâmaso e o Agostinho. A partir daí, penso que foi o meu início de atividade no associativismo, como o Carlos Dâmaso, sempre estivemos ligados a esta Casa. Começámos a colaborar logo novos em todos os eventos que a Filarmónica fazia, que eram as nossas festas, eram os bailarinos, vivia-se muito dos bailaricos. Tivemos também situações caricatas. Vendíamos o loto, ajudávamos em tudo isso. Comprou-se uma aparelhagem, que na altura custou 16 contos, umas cornetazitas para se fazer uns bailaricos. E as receitas eram para pagar as aparelhagens.
Concluindo, nós que nascemos nas quintas, sempre mais acanhados que os outros, talvez porque não nos atirámos às tais meninas, se calhar se fossemos da aldeia ou da cidade, atirávamo-nos. Mas a gente, sempre mais acanhada e se calhar, já tinha marcado a minha por aqui, nós vendíamos o loto e como sempre havia os espertalhões e quando faltava dinheiro, nós tirávamos o dinheiro do nosso bolso para entregar certinho, era 25 tostões e assim.... e daí bastante sofremos com o loto, que saía sempre ao mesmo, que fazia batota.

Francisco Bragança: Eu entrei em 1948 para a música. Naquele tempo, a música só dava as calças e um casaco e um boné. Mas eu andei cinco anos com um casaco emprestado de um músico mais velho e mais forte. E como já trabalhava, nós éramos obrigados a comprar uma gravata. Eu, como não tinha dinheiro para uma gravata, lá na fábrica arranjaram-me um corte e fizeram-me uma gravata. Nas procissões, nas festas, tínhamos de levar casaco, gravata, boné e não havia um boné para a minha cabeça, que era pequenina. Tive de embrulhar uns jornais para não andar a nadar na cabeça.
Em 2 de Agosto de 1953 vesti o primeiro fardamento novo, foi lá numa marcha que tocámos também, porque eu tinha um primo que era o Francisco Nabais Bragança e eu sou Francisco Neves Bragança. Mas o senhor Assis, tínhamos o fardamento novo, fez uma marcha com o nome do meu primo e pôs o nome Nabais, porque o senhor Assis quando chamava pelo Chico Bragança, era eu. Em 2 de Agosto de 1952 foi o primeiro fardamento que vesti, completo… E no dia 2 de Agosto, no outro dia fazia 17 anos, nunca me esqueci, que até tinha vontade de dormir com o fardamento.

António José Duarte: Eu gostava mais de falar da filarmónica do que de mim. Desde 1968 até 1977, estivemos sempre aqui, certinhos, na banda e com grandes dificuldades chegámos a fazer festas com muitos poucos músicos. Não era fácil. No início de 1978, eu tive de abandonar a banda porque eu comprei uma casita e tal e uma oficina e precisava de ganhar dinheiro para pagar uma dívida. Porque em 1977-78, uma dívida de 1000 contos era muito dinheiro para um jovem de 24 anos, que até pensavam que a gente não pagava. E depois, em 1984-85, mas também não quero deixar aqui de frisar, que eu nunca consegui estar perto da banda, porque sentia que o meu dever e o meu lugar era ali e fazia falta.
Se a banda fosse pela rua de cima eu desviava-me pela rua de baixo ou, se houvesse um concerto, eu ouvia de longe. Eu nunca tive coragem de estar perto da banda porque sabia que o meu lugar era ali e que fazia alguma falta, embora eu nunca fosse grande músico, nunca fui, não nasci dotado para isso, mas gosto da banda e gosto da instituição. Em 1983, fui convidado para os 75 anos e foi mais uma facada que me deram, não se esquecendo de mim. Eu lá participei e até ajudei naquela festa, onde também estiveram presentes. Em 1984-85 fui convidado para uma lista para se candidatar aos órgãos sociais e eu não aceitei, eu disse: “Um dia que eu voltar para aquela Casa, volto para músico, que faz mais falta, não para dirigente.” Era na altura em que havia dirigentes com fartura. E essa lista ganhou e o ex-presidente não se esqueceu das minhas palavras e nunca mais me largou. Nunca mais me largou e eu estou muito grato, porque sempre gostei de cumprir e regressei. Sempre gostei de cumprir e regressei.
Lá estava o senhor Garcês, que nunca me esqueceu. Vim ao ensaio, porque eu tocava clarinete e naquela altura havia necessidade de alguém para tocar tenor e deram-me o tenor. Faltei a um ensaio ou dois e eu disse: “Não posso. Não posso.” Cheguei naquele quartozinho que estava ali à frente e pedi desculpa ao senhor maestro e disse-lhe: “Senhor Assis, já não posso continuar, porque eu preciso de ganhar dinheiro. Tenho muito trabalho e tenho que pagar a quem devo. E para andar aqui a dar mau exemplo, não quero. São estes os meus princípios.” E o homem, que era...: “Não senhor, primeiro trata da sua vida. Trata da sua vida e depois vem quando puder. E vai tocar aos passos da Covilhã, já”. E eu, que mal sabia tirar uma escala, mas ir tocar aos Paços da Covilhã era um orgulho. Era um orgulho... A procissão nos Passos da Covilhã era um orgulho. E eu, pronto, aceitei. Como gosto de honrar sempre os meus compromissos, cumpri sempre o melhor possível e o Sr. Assis lá arranjou formas para que eu continuasse, até hoje.
Em 1977, esta casa levou uma volta muito grande. As coisas não andavam muito bem e por várias vezes as chaves desta instituição, até 1977, foram entregues à Junta de Freguesia. Porque havia muitos dirigentes, mas também, se calhar, não havia os melhores e o senhor Francisco e o senhor António Miguel, que eu sempre muito admirei nesta casa, são gente humilde, talvez, também assim como eu, não os melhores músicos, mas que fizeram parte da banda sempre certinhos e dos órgãos sociais, na altura em que não era nada fácil, não era nada fácil…
E as pessoas cansavam-se, entregavam as chaves à junta. Mas também, de cada vez que entregavam as chaves à junta, aparecia gente boa. E em 1977 apareceu gente que estava ligada à Junta de Freguesia e que tinha um músico, que também era um músico conceituado, e que quem vinha à procura da banda a esta terra, primeiro ia à procura daquele, que era o sr. Zé Quinteiro, que tinha um café. Era muito conhecido e era um bom músico na altura. Ele era presidente da Junta e tinha consciência para arranjar direções e foram buscar o senhor Assis. E este deu uma volta, porque entraram bons elementos ligados à junta e ligados à Filarmónica e fizeram aqui uma série de obras de ampliações, que havia uma parte ampliada e havia mais uma parte. Ampliaram este espaço aqui onde nós estamos e esta instituição congratula-se, porque a Junta de Freguesia esteve muitos anos aqui, nas nossas instalações, embora fossem pagas pela Câmara e através também da junta. Mas estiveram aqui, nas nossas instalações, até conseguirem uma sede própria. E o Centro Social também esteve aqui, nas nossas instalações.
Portanto, foram bons tempos em que as coisas mudaram e mudaram para bem. Mas em 1988 havia uns órgãos sociais com quem nós, os músicos, não estávamos muito satisfeitos. Não estávamos muito satisfeitos e não havia mais listas. E, ao continuarem, não estávamos a ver as coisas assim com muito bons olhos. E então, depois de um ensaio e pela noite fora, discutimos e conversámos. Também o Maestro João, que disse: “Pá, pronto, só vamos conversar e temos que gramar com esta gente. Temos que gramar com esta gente, não há mais ninguém, temos de gramar com esta gente”. E eu disse assim: “E se a gente arranjasse uma lista?” Às três da manhã, e as eleições para as três da tarde de domingo, às quinze de domingo, pensando que não era possível…
E o Maestro disse: “a esta hora, como é que isso é possível?” E eu, que sempre fui aventureiro, levantei-me ao domingo de manhã e comecei a bater às portas. Comecei a bater às portas e conseguiu-se arranjar uma lista e quando foi às três da tarde, as pessoas apresentaram-se aqui, convencidas de que eram os únicos, que era a única lista, e eu apresentei uma lista. Apresentei uma lista, em que não fui presidente, mas que foi o senhor José Pais presidente da direção. Na altura, eu fui presidente da assembleia geral. Portanto, o sr. José Pais foi presidente da direção e eu fui presidente da assembleia geral.
O sr. José Pais esteve quatro anos na direção. Foi um novo ciclo desta casa. Éramos músicos, éramos novos, cheios de vontade e queríamos era que as coisas crescessem. Tínhamos visto a ampliação e agora estava fechado, mas havia ali um terracinho, que nós ouvíamos os nossos antigos dizerem: “Este terreno há-de ser nosso e esta Casa há-de crescer mais para aqui”. E depois, começou-se em 1998, esta Casa até tinha tido uma ampliação e os diretores tinham emprestado dinheiro. Tinham custado 70 contos essas obras e os diretores tinham emprestado sete ou oito contos, que era muito, até agora é. Já tinha um agrupamento musical, que abrilhantava os bailes de carnaval e assim por aí.
Esta Casa tinha as suas tradições, que eram as comemorações no aniversário, era o encomendar das almas na Quaresma, todas as sextas-feiras da Quaresma. Tinha também os seus bailarinos. Tinha uma tradição que se perdeu, que ainda hoje tenho mágoa disso, que ouvi muitas vezes, que era a bandeira da filarmónica, o estandarte, acompanhar os sócios falecidos para o cemitério. Isso perdeu-se, mas ouvia dizer principalmente ao meu pai: “Eu hei-de ser sócio da banda para a bandeira ir ao meu funeral.” Havia essas tradições...

P: E subsídio de funeral, tinham?

António José Duarte: Não tínhamos, mas havia a presença da bandeira. E quando entrámos para a direção, tinha havido aqui um baile e atuavam com uma aparelhagem, uma aparelhagem sonora alugada. Alugada por dez contos, para resolver. Viemos e essa aparelhagem não estava paga, era uma dívida com a Egiptana Musical da Guarda. Falámos com o senhor e já não se pagou o aluguer, porque queríamos aquela aparelhagem por setenta contos. E a aparelhagem passou a ser da Filarmónica.
Esse conjunto, que era o Privativo FR7, tinha uma qualidade extraordinária. E começámos nós, com os nossos carros aqui pelas terras próximas, à procura de serviços para a banda, para a banda e para o conjunto. Íamos, lanchávamos, levávamos os nossos carros, as despesazinhas, tudo à nossa conta, à procura de serviços para nós e para o conjunto e começámos assim a crescer, com mais serviço para a banda, com mais serviço para o conjunto. Aconteceu que este conjunto era tão valioso que também deu dinheiro para uma viola baixo. Era três contos por cada atuação. Comprou-se a viola baixo, comprou-se um orgão, que também era emprestado, e comprou-se a bateria. Ia-se comprar as coisas de manhã para atuarem à noite e isso foi uma loucura. E começámos também a pensar na remodelação do instrumental. Também não tínhamos carrinhas para transportar o material do conjunto e para transportar os jovens e acabei por fazer o pior negócio da minha vida, porque havia um diretor que tinha uma carrinha e essa carrinha não chegava. Comprei uma carrinha para ajudar a transportar os instrumentos do conjunto. Era velha, avariava em todo o lado, fiz quilómetros a pé, não havia telemóveis, não havia nada. Fiz quilómetros a pé a ver de um táxi para trazer os elementos.
Mas pronto, a gente nunca desistia. E pensámos também em remodelar o instrumental. E isso veio também de uma presença de um ministro, um ministro da Energia que veio à Covilhã e também convidaram a Filarmónica para estar lá presente e não havia ninguém disponível. Eu era o presidente da assembleia geral, mas apresentei-me em mais reuniões da direção que o presidente e representei mais vezes a Filarmónica. Eu considerava-me na altura a roda suplente. Acabou a reunião do sábado e não havia ninguém disponível para ir lá. E agora? A seguir ao almoço, eu saí de casa e cheguei aqui à instituição e encontrei dois colegas e fomos lá, à espera do senhor ministro.
Era o senhor Álvaro Ramos presidente da Câmara, o senhor Carlos Pinto já era deputado. E o senhor presidente da Câmara apresentou uma fotografia nossa, que estava lá como uma das melhores, senão a melhor banda do distrito de Castelo Branco. E o senhor deputado, que eu não conhecia: “Então quais são as vossas necessidades? O senhor conhece-me?” “Eu não conheço.” Eu pequenino e ele tão alto. “Então não conhece o Sr. Carlos Pinto?” “Não conheço, já ouvi falar”. Disse ele: “bem ou mal?” “Bem.” “Então, mas quais são as vossas necessidades? Se precisarem alguma coisa de mim…” “Precisamos, é que a nossa banda está a crescer em número de elementos, mas a nível de som estamos muito mal. Precisamos de renovar o instrumental.” “Está bem, sim senhor, então temos que falar nisso. Temos que falar nisso e tal, portanto, temos aqui o senhor ministro que tem de nos ajudar.” Apresentou-se a questão na reunião seguinte e ficou um colega nosso de falar com o senhor Carlos Pinto. Três ou quatro meses depois não o encontrou e acabou por dizer que não queria falar com ele, porque ele nos tinha tirado daqui da freguesia e não sei que mais…
Acabei por pedir autorização, naquela reunião, se me permitiam que fosse eu à procura do homem. Isso foi um sábado à noite, à segunda-feira de manhã encontrei-o. Fui à fábrica e encontrei-o, não estava, pedi para me ligar. Ligou-me nesse mesmo dia e veio a esta terra. Veio a esta terra, apresentámos a questão, enfim, veio então trazer cá o ministro. Veio o ministro da Cultura visitar-nos aqui à nossa sede, quando lhe apresentámos a questão também da remodelação do instrumental. Conseguiu-se depois, através da Câmara, mil contos para ajudar o instrumental e, da Secretaria de Estado da Cultura, seiscentos contos. A visita desse ministro foi aqui. Mas as coisas não se desbloqueavam e o Santana Lopes, que era o secretário de Estado da Cultura, veio a Belmonte. E nós, a banda, fomos convidados para estar lá. E fui eu, que nunca gostei muito de viagens, que ficava sempre doente… Ninguém me quis acompanhar, fui sozinho a Belmonte, à noite, falar com o secretário de Estado da Cultura para ele mexer as coisas lá em Lisboa, porque estávamos à espera de qualquer decisão e que nunca tinha acontecido. O senhor presidente da Câmara pediu para me apresentar, apresentou-me e tomou os seus dados e o que eu sei é que se desbloqueou a situação.
Remodelámos o instrumental em 1990, que se orçamentava por quatro mil contos e nós conseguimos por dois mil contos. Foi um novo ciclo para esta instituição. Foi a tomada de posse do nosso maestro, filho de um músico nosso e filho desta Terra, que ainda hoje o é. O nosso maestro, que foi mais um passo muito importante que nasceu. Também porque nós já fazíamos muitos intercâmbios com outras bandas e com outras instituições e começou-se a desenvolver umas relações que até essa altura não existiam. Criou-se uma amizade, que a gente teve boas relações, amizade, intercâmbios e tudo isso. E um colega nosso, porque nós estávamos para Lisboa, um colega nosso dos órgãos sociais foi a um encontro de bandas também, que tínhamos sido convidados. E foi lá com o diretor, gostou muito de uma banda, foi a banda de Loriga que já estavam para além, para além de nós, com músicos profissionais do exército e de futebol. E gostou muito da banda e propôs que aquela banda cá viesse. Aquela banda foi convidada e nós, já com o desenvolvimento das atividades, tínhamos preparado na fábrica um salão que tinha ardido e tínhamos feito obras de remodelação. Fizemos palcos, fizemos bares, fechámos janelas, fizemos tudo. Este amigo que, como disse, é eletricista, este amigo Carlos Dâmaso, fez uma instalação elétrica para aquilo e foi na fábrica que passámos a desenvolver os nossos eventos, os nossos aniversários, em que chegámos a ter 450 pessoas no almoço de aniversário, porque aqui não tínhamos condições, e passámos a ter sempre uma banda nesse dia connosco, que era o dia 1 de Janeiro, que depois acabou por ser alterado para o dia seguir, porque no dia 1 de Janeiro as pessoas andavam na passagem de ano e às vezes faltavam. E essa banda deu-nos uma lição de que nunca me esqueci, umas palavras que os músicos mais antigos me deram: “Tozé, isto foi para nos rebaixar. Nós sentimo-nos tão pequeninos ao lado deles.” Sentiram que tinha sido para os rebaixar.

Carlos Dâmaso: Não é que o que nós tocávamos não fosse bonito, que eu gostava muito daquelas peças. Eram peças até muito engraçadas, mas eram antigas. E eles com novos ritmos, novas peças... E nós ficamos assim um bocadinho, um bocado a olhar para isso...

António José Duarte: A minha resposta foi só esta: “Não, não é para rebaixar ninguém, é única e simplesmente para mostrar que nós não somos tão bons como pensamos e que temos possibilidades de fazer muito melhor. É preciso é trabalharmos para isso.” E foi daí que veio o novo maestro, com novos conhecimentos, com novas ideias. E foi sempre a crescer a partir daí. E pronto, passámos a fazer os programas de aniversário muito diferentes. No final do mandato do sr. José Pais, em 1992, como em todo o lado, as pessoas vão-se desentendendo, e nós desentendemo-nos e começámos a ficar fartos uns dos outros, não haja a menor dúvida. E as coisas não andavam muito bem e eu, numa reunião de direção, disse assim: Nós, para acabarmos este mandato, que já eram quatro anos e tudo a correr às mil maravilhas, com idas a França, com renovações instrumentais, com investimentos no conjunto brutais, que o último investimento que se fez em aparelhagens custou dois mil contos. Tínhamos a banda, tínhamos o grupo de dança-Jazz, tínhamos o equipamento musical, tínhamos tudo, estávamos no bom caminho.
Então, propus fazermos um aniversário diferente. E o aniversário que começou com uma tarde de Natal, era um mês e tal de comemorações. Começava na tarde de Natal e tínhamos o mês de janeiro todo e encerrava no início de fevereiro, com um artista consagrado, e na tarde de Natal já com artistas de nome, a Mónica Sintra, a Ana Malhoa, tudo. A primeira tarde de Natal que fizemos, tínhamos lembranças para as crianças, trezentas e tal, e crianças a receber, com torneios internos, com provas de atletismo, tudo isso. Quem patrocinou essa tarde de Natal foi a Junta de Freguesia, que nos deu setenta contos só para as prendas. Nesse aniversário fizemos mil e tal contos de patrocínios e depois tivemos uma receita de mil e trezentos ou mil e quatrocentos contos. O encerramento foi com o José Malhoa, lá em cima na fábrica, onde não se cabia. Mil e tal pessoas, foi assim.
E assim terminámos aquele mandato, com a presidência do sr. José Pais, mas que era uma equipa muito unida. Aqui os lugares só contavam no papel, porque a trabalhar, era sempre um trabalho de equipa. Entraram novos órgãos sociais, que fizeram um mandato, fizeram certamente o que toda a gente faz, o melhor possível, mas nós, os músicos, que já estávamos habituados a outra coisa, chegámos ao fim do mandato e não estávamos muito satisfeitos. Principalmente os mais antigos.
Fez-se aqui obra para eu fazer uma lista e não quis fazer uma lista. E, no próprio dia, lá voltávamos ao mesmo: “Vamos ter de os gramar.” E no próprio dia, já no início da Assembleia, os músicos assim mais antigos: “Tozé, Tozé, Tozé, esta gente e tal, não sei que mais…” E eu tive uma intervenção e o resultado dessa intervenção foi que a lista apresentada foi rejeitada com sessenta votos contra e dezasseis a favor e eles eram dezanove. Até três votaram do outro lado. Pronto, mais um ciclo que se inicia nesta casa, em que me senti na obrigação de preparar mais uma lista. Preparou-se a lista e tivemos o cuidado de depois, em reunião, destinar os cargos, onde me pressionaram e me indigitaram para que eu fosse o presidente. E lá se começou um ciclo que nunca… e até hoje, fui o único músico presidente desta casa. Nunca mais houve um músico, não tinha havido e até hoje.
Trouxe benefícios para a casa e trouxe alguns contras para mim. É que eu andava sempre com eles e via o bem e o mal e às vezes a gente tinha de atuar. Mas acho que foi bom, foi bom para todos e decorreu. E a partir daí, eu estive aqui oito anos como presidente da direção. Passaram nos órgãos sociais comigo, a trabalhar comigo, à volta de cento e vinte pessoas. Foram seis listas que eu apresentei. Foram doze anos que estive, oito na direção e quatro na assembleia geral, e conheci como membros dos órgãos sociais à volta de cento e vinte pessoas. Também foi comigo, e connosco, que começámos a meter jovens que nos pediam, que queriam vir trabalhar connosco, que até os mais antigos diziam que eram garotos. Eram garotos, mas gostavam e trabalhavam e cumpriam. Estes oito anos acho que foram uma década de ouro que esta casa teve.
Desde aquela revolução de 1988 até depois com o que nós conseguimos, ter uma banda com 56 elementos. Não cabíamos num autocarro, porque os autocarros eram de 52 lugares, quando saíamos a representar o concelho ou o distrito, ou íamos a França. É que nós é que representávamos o distrito e o concelho em qualquer lado, até nos chegaram a chamar a banda municipal, porque nós estávamos em tudo. Estávamos em todas as inaugurações, até a inaugurações de casas de banho nós fomos. Pagavam-nos e a gente lá ia. Fomos inaugurar umas casas de banho, a um dia de semana, às três da tarde. Telefonaram-me, porque precisavam de uma banda, mas têm de pagar, porque nós temos que pagar aos músicos, porque eles vão perder tempo e fomos lá ganhar 150 contos. O que era preciso era nos pagarem.
Íamos aos partidos políticos, às campanhas, o que tinham era que nos pagar. Chegámos a fazer, nos últimos anos, a envergar a farda 54, 56, 58 vezes no ano. Que dava mais de um vez por semana. Tínhamos festas de dois e três dias. Foi de tal forma que nós tínhamos a banda com 56 elementos, tínhamos o agrupamento musical, tínhamos a dança jazz, tínhamos um grupo de flautas para entreter os meninos que não tinham espaço na banda, para eles não desanimarem. E também tivemos aqui, em 1998, não foi na altura muito à minha vontade, mas eu sempre respeitei as vontades e a democracia e as maiorias e foi decidido criar-se um rancho folclórico nesta Casa. Mas como o senhor acordeonista na altura não gostava nada de ranchos, e para não ser um rancho, ficou grupo de danças e cantares. Tive que aceitar a decisão que foi tomada e esse esse grupo para o fim de alguns dias abortou. Porque o acordeonista, que Deus tem, que já faleceu, não era aquilo que ele queria. Ele pensava que chegava aqui, que formava um grupo de músicos à maneira dele, com violas, com clarinete. Eu até sabia que isto não ia ser possível, que massacrados já nós estávamos com trabalho, quanto mais. E estava a ver que abortava, acabei por integrar também esse grupo. Ainda fiz parte desse grupo também.

Francisco Bragança: Oh, sr. Zé…

José António Duarte: Já lá vai, estou a falar de mim, já lá vamos a seguir. Eu até vos peço que se eu esteja a mentir nalguma coisa, que esteja enganado, que me corrijam. Estamos então a falar de mim, e de outros dirigentes associativos que neste período fizeram parte. Também fiz parte cinco anos do centro social daqui da nossa Vila de Carvalho. Tinha sido criado para ser um infantário e depois as coisas também não andavam muito bem. Eu também só apareço quando elas não andam bem, porque quando estão bem, não faço falta nenhuma.
E foi formada uma Comissão Administrativa, de que fiz parte dois anos e depois mais três anos, junto com o presidente do Conselho Fiscal. Quando foi inaugurado e deu início à atividade que teve sempre, porque deixou de ser um infantário e conseguimos convencer o presidente de que já era mais fácil pegar numa criança e levá-la para a Covilhã, para a creche, do que pegar num idoso e leva-lo para qualquer lado e que era urgente e necessário um centro de dia. Hoje é um lar e é a melhor, a maior empresa desta terra. Acho que o melhor que temos nesta terra é a Filarmónica e o Centro Social. Nessa altura, aqui pensou-se também, e aproveitando também as condições, nós que pensámos sempre na ampliação da sede social, que o sr. Carlos Pinto, como presidente da Câmara, nunca aceitou.
No primeiro mandato nunca aceitou, porque tinha adquirido a fábrica e queria levar todas as instituições para a fábrica e nós sempre recusámos. E daqui ninguém nos tira e se já há alguma rivalidade, uns além e outras aqui, então quando ficarmos porta com porta, sabe Deus… Até diziam que se calhar porta com porta andávamos todos à porrada. Mas já havia um relacionamento muito melhor naquele espaço todo.
E conseguimos, com uma nova câmara, com a presidência do senhor engenheiro Jorge Pombo. Manifestámos que era a nossa vontade de batalhar, aproveitando que não estava lá o Sr. Carlos Pinto, e ele nem sabendo bem do que se tratava aceitou a nossa opinião e mandou elaborar um anteprojeto para ampliação da sede. Na oferta de aniversário quis-nos oferecer esse anteprojeto, feito assim à maneira deles, e apareceu cá no aniversário com esse anteprojeto. Então começámos a trabalhar. Quando o sr. Carlos Pinto se voltou a candidatar e foi visitar as associações: “Quais são os vossos problemas? O que é que vocês precisam?” “A ampliação da sede social.” “Epá e ninguém vos tira isso da cabeça, é para fábrica.” “Não é para a fábrica, não, senhor, é aqui que nós queremos estar.” E eis que havia um elemento da junta, e eles queriam este terreno para fazer aqui uma estrada. “Qual é a última proposta que os senhores nos fazem?” ”Os senhores adquirem-nos este espaço, uma vez que querem fazer a estrada para chegar ali a cima e voltar para trás e que não cabem nas ruas e arranjam-nos um espaço com as dimensões que nós precisamos. Agora nós precisamos de uma sala para ensaiar a banda, escola de música, o rancho, as flautas, a dança-jazz, nós precisamos de espaço, nós precisamos agora.” E o Carlos Pinto disse: “Mas a vocês ninguém vos tira isso da ideia.” Trazia um contabilista e mandou-lhe fazer as contas de um financiamento de 20000 contos, pago pela câmara e nós suportávamos o juro.
Fui considerado sempre um comunista, que não fui, mas também não sou contra, sou isento, não sou filiado em nenhum partido político. Fui o primeiro a assinar um protocolo com o senhor Carlos Pinto, do PSD, que foi deitado pela rua da amargura. Um comunista assinando um protocolo com um gajo do PSD, mas atrás de mim depois começaram a ir muitos. Resumindo e concluindo, assinou-se o protocolo, também era contra a ampliação. Também era contra a ampliação, dizia até: “Quanto maior é a nova, maior é tormenta.” Mas era um sonho dos antigos e também era uma vontade e um dia, que às vezes também era bom que nos explicassem, um dia eu ouvi uma boca, porque a gente já sabe, no terraço alguém dizer: “Os da banda andam aos anos a falar da ampliação, mas nós havemos de fazer a nossa sede primeiro.” Aquilo caiu-me tão mal. Na próxima reunião cheguei e disse: “Vamos ampliar a sede?” e disseram-me: “Oh Tozé, então você foi sempre contra, agora é que vai aqui”. “Não, desta é para ir.” E pegámos nisso e foi, assinou-se o protocolo e jamais se parou.
Resumindo e concluindo, o início das obras foi em novembro de 1999, com o protocolo assinado dos 20000 contos. Com uma obra que tinha um estudo prévio de 38000, segundo o anteprojeto. Foi inaugurada em 7 de julho de 2001, levou dois anos a fazer, foi um ritmo espetacular, ainda com alguns percalços por causa das intempéries. Nada de olhar ao anteprojeto. O salão que vimos lá em baixo tinha menos 40 metros Tinha de ser feito, custou a esta casa 500 contos. Ficou com algumas humidades, ficou, porque passa um ribeiro ali atrás, mas são mais 40m2. E só demos 500 contos ao empreiteiro para deixar tapado tudo aquilo que era rocha e tudo isso.
Teve que se assinar mais um protocolo com a Câmara, que se conseguiu sempre dar a volta com a Câmara Municipal, mais 10000. A Câmara, como já não podia mais, o pesidente Carlos Pinto “se o dinheiro não chega, o dinheiro não chega e temos que andar com isso.” Foi uma candidatura de 18000, para recebermos uns 1500. A junta sempre apoiou pouco, porque também a gente sabe que eles não têm condições, não têm receitas, não têm nada. Conseguimos de subsídios 47500 contos e pelos nossos meios aquilo que nenhuma instituição do concelho conseguiu, pelos nossos meios nós conseguimos à volta de 2500. Custou esta obra, a remodelação, que são 200m² em três pisos. A remodelação da outra parte custou, com todas as continhas feitas até a data de inauguração, 68700 contos.
Quando estas obras tiveram início, esta casa tinha 6500 contos. Resumindo e concluindo, foi inaugurada a 7 de julho de 2001. Estava o meu trabalho feito, as pessoas, algumas, já fartas de mim. Eu também cansado. E a minha família também massacrada, até demais. Saí, saímos, a 28 de Outubro com a obra paga. Faltava pagar uma fatura de 1600 contos ao eletricista porque não apresentou a fatura a tempo. Com 10500 contos no banco e 4000 e tal em caixa. Com mais dinheiro do que quando iniciámos as obras e com um último protocolo, para que os nossos esforços, que era chato terem que ir lá assinar, os três da frente, o presidente, o tesoureiro e o secretário, para irem lá assinar o termo de responsabilidade, para que se alguma coisa corresse mal, pois entravam nos nossos bolsos, deixámos só os juros pagos do protocolo, os 10000 pagos, porque era para 10 anos e tal.
Portanto, penso que foi uma década ou foi uma dúzia de anos do melhor que se pode fazer. E ultimamente, com respeito a mim, estive também ligado a uma IPSS, que foi o Centro Social Cantagalo. Mais uma vez, lá estava o Tozé quando as coisas estavam mal, era uma instituição que estava com 700000 euros de dívida. Contabilizando os juros, ia para um milhão e já tinha perdido o património todo. E foi uma instituição que, disse eu, não é para salvar, que não tem salvação, mas talvez para fazer o funeral, porque os funerais também alguém tem de tratar deles. E em conjunto com a segurança social e a Câmara Municipal, acabámos por decidir colocar os idosos todos em outras instituições e colocar as funcionárias todas empregadas e é essa a nossa atividade.

P: Então, vamos ouvir o senhor Francisco, que está ali desejante de contar coisas...

Francisco Bragança: No princípio, esta Casa começou com problemas com o seguinte: nós estávamos aqui numa casa, com uma sala e dois quartos. A sala para os ensaios, a sala para a direção e a sala para o mestre. Pagávamos 20 escudos de renda. Era de um senhor cá da aldeia que estava em Moçambique. E a música nessa altura não tinha dinheiro. Devia meio ano de renda ao dono da casa. E nós começámos a resolver para amortecer.
Quem não pagava 20 escudos, que já tínhamos meio ano, fomos para uma sede a pagar 300 escudos. Esses 300 escudos arranjámos com uns matraquilhos e um bar e começou a aparecer dinheiro. Então, o proprietário até nos perdoou metade do meio ano. Estávamos aí numa casa, já tinha boas condições, já tinha uma televisão, com o bar e os matraquilhos. E depois, no princípio desta Casa, tivemos um problema, que foi o seguinte. Queriam aqui fazer uma praça por baixo, no fundo. E havia uma comissão que tinha 10 contos. Depois começou-se a fazer já outras coisas e a direção do Carvalhense queria tirar aqui umas fotografias ao local e foi falar na Câmara para eles lhes fazerem uma sede.
O presidente da Junta não gostou, porque passaram por cima dele, e chamou a direção da música, da qual eu fazia parte, se queríamos este terreno, para começarmos a sede e nós aceitámos. E esses 10 contos que era para a praça, não sei se era a Comissão quem tinha esse dinheiro, deu-o à música. E tínhamos cá um presidente da Assembleia que era empreiteiro e quando o presidente da Junta veio ver, lançámos a primeira pedra. Aquele senhor, o presidente da Junta, era caçador, disse que um dia que fosse para a caça, porque a casa era para ficar pequenina. Ele queria uma casa pequenina e exigiu-se pôr um quarto aqui dentro, que nessa altura a gente não tinha sede e depois...
P: Isso foi em que ano?

Francisco Bragança: 1960 e pouco...

António José Duarte: Aí, 64-65…

Francisco Bragança: O que é certo é que nós aceitámos e tivemos então os dez contos. Esse senhor, aproveitou que o presidente da Junta fosse para a caça e os quartos ficaram maiores. Nós começamos assim. E ainda havia de ser maior e exigimos um quarto. E fez-se aqui um quarto para a Junta. O empreiteiro pôs cá o pessoal e a música pagava todos os dias 40 escudos, que já havia transportes, custava quatro escudos, eram cinco operários, 20 escudos para cá, 20 escudos para lá, eram 40 escudos.
Começou-se então a sede, foi-se fazendo, foi-se fazendo, foi-se fazendo… Depois queriam só a sala lá de baixo. E eu disse: “Eu não sei de nada disso, nessas coisas de obras e quintas sou um zero, mas sei uma coisa, a sede já com dois pisos, o telhado é só um.” E eles começaram: “Também és capaz de ter razão.” Fez-se os dois pisos, mas começou-se por arranjar aqui o de cima, depois a arranjar-se o de baixo. Depois pusemos lá um bar. E eu, nessa altura, fazia parte da assembleia, mas havia um músico e de vez em quando chamavam-no à fábrica e outras vezes ele também vinha, porque ele gostava de jogar às cartas, e chamou-me a atenção e diz-me assim: “Olha, faz-me um favor, ficas tu como tesoureiro... eu confio em ti.” Além de ser da assembleia, era tesoureiro interino. E nessa altura eu comecei a perceber uma coisa, porque o dinheiro dos matraquilhos tirava-se à toa. Eu disse assim: “Não, não quero isto.” Quando vínhamos aqui à aldeia, as moedas de um escudo, éramos sempre quatro pessoas ali em cima de uma mesa a contá-lo. Eu levava-o para casa e depois trocava o papel. Eu era o tesoureiro e o homem confiou tanto em mim… Nunca houve azar.
A mesma direção ficou e ele pediu-me para ficar como tesoureiro, e eu disse assim: “Eu como tesoureiro não quero, porque eu como sou pobre, não quero que as pessoas digam, que eu que me posso andar a governar da música.” Chamámos então dois rapazes cá da aldeia, que estavam empregados no Banco Ultramarino, e deu-se os papéis e o dinheiro. Dessa altura passou sempre a ir logo para o Banco Ultramarino. Eu nunca quis um tostão.
E depois dava-se outra coisa, as festas que fazíamos, os serviços, era de boca. Tanto que nós, às vezes, podíamos ir a uma festa, comer o que nos podiam dar. Mas cumpriu-se sempre. E eu, quando passei a ser tesoureiro, levava sempre dois papéis em branco e assinavam quanto me deram e eu assinava quanto recebi. Mas o dinheiro ia para o banco. Daí em diante começaram a arranjar os contratos, e agora está tudo legalizado.
Mas eu também já tinha uma ideia. A casa fez-se, foi-se fazendo, foi-se fazendo até que chegou a altura do doutor José. Estamos numa casa que, agora, só para o céu. Já não pode ser mais nada e estamos muito felizes. Claro que tudo que ele teve, Deus sabe bem, que ele não fez sozinho, trabalhámos a direção com ele e os outros músicos, tivemos de colaborar. E tenho aqui uma lista de presidentes que eu cá conheci, salvo algum que me esqueci. O primeiro sócio, já o conheci só como presidente da Junta, não conheci como presidente, porque quando a música começou a ter presidente, o fundador da banda abalou... Tenho aqui o nome, são 20 e tal pessoas, salvo algum que tenha esquecido.
P: Posso ver? Isto é uma brochura que fizeram em algum aniversário?

Francisco Bragança: É, é.

P: “Comemorações do 100º aniversário.” Digam-me uma coisa, não há mulheres a participar?

António José Duarte: Temos na banda, na banda já há senhoras. A mulher aqui do meu amigo é secretária.

P: Antes do 25 de abril, já havia mulheres?

Francisco Bragança: Não.

António José Duarte: Começou a haver mulheres a partir de 2001, nos órgãos sociais. Na banda, se calhar a partir do 25 de abril.

Francisco Bragança: Antes do 25 de abril, a primeira mulher foi a Zezinha, fomos fazer os Paços à Covilhã e vieram duas meninas de Gouveia, uma casada e a outra veio com companhia e a partir daí é que veio a filha do meu padrinho, primeiro.

António José Duarte: Há quantos anos andamos cá nós sem mulheres?

(discutem quando foi a primeira, terá sido pelos anos 1970)

Francisco Bragança: Chegámos a ter aqui 14 meninas. A minha filha veio para a música com nove anos e vieram mais quatro meninas, fizeram uma entrevista, e eu disse: “Ouve lá, tu não ficavas bem aqui na música?” E elas disseram: “Olha, sim.” Todas aceitaram, mas só uma é que veio. Essa menina, eu comecei a ensinar e ensinava o meu filho. Mas como eu era muito exigente, o meu filho não queria que eu o ensinasse. E depois essa menina veio, chegou o ponto de ter o sétimo ano de Conservatório.
E depois, o pai chamou-me um dia à atenção, e disse-me assim: ”Peço-lhe um favor, você fica como pai da Maria João?” “Isso é que eu não aceito. Sabe porquê? Porque eu nem do meu filho, eu na música sou o pai.” Chegou a um ponto que ela já sabia mais do que eu, quando começou no Conservatório e ainda hoje…
Depois, quando o senhor Assis já estava com uma certa idade, chamou os músicos mais antigos. Qual é que metia à frente da banda? E todos disseram, o senhor está velho, mas nós também estamos a caminhar para a velhos. E havia um ou dois que queriam que fosse essa Maria João, mas houve quem dissesse que não. Houve um músico que disse: “O mais indicado é o João, porque o João é homem e a Maria João é mulher.” Ela depois tirou o curso em História, foi para Torres Vedras e ficávamos sem mestre. Depois casou, parece que foi para Rio Tinto e eu só a vi no funeral do pai. Eu já não a conhecia e ela. A cinco metros do pai, levantou-se e agarrou-se mim a chorar. Estava tão comovida, mais do que eu. Mas eu disse ao pai: “Eu não quero ser pai dela na música, nem do meu filho quero ser pai na música, gosto que andem à vontade.” E eu, com o pouco que aprendi, fui sempre muito exigente e o meu filho não queria aprender comigo. Porque aprendia as coisas de cor e punha assim sem olhar para o livro. Foi quando o entreguei então ao senhor Assis. A Maria João continuou.

P: Qual foi a Importância que esta participação na banda teve na vossa formação pessoal?

Carlos Dâmaso : Sim, a gente forma-se, aprende sempre a ser mais homem vá lá. É a camaradagem, uns com os outros, o convívio, aprende-se sempre. Ficamos mais pessoas.

Francisco Bragança: Aqui nesta Casa foi uma família. Já da fundação da banda até hoje passaram pais, filhos, netos, familiares, passaram todos os familiares pela banda. Uns ainda existem, outros...

P: E estas histórias vão passando dos mais velhos para os mais novos?

Carlos Dâmaso: Estava a falar dos filhos, falo um bocadinho do meu. Quando o meu filho tinha para aí 5,6, 7 anos trazia-o para o ensaio também, nos dias de Verão, nos dias de inverno. Tenho uma história dos dias de Inverno que depois conto. E trazia-o para o ensaio. Existia nessa altura, o Tozé lembra-se perfeitamente, que havia ali um sofá, que um ex-presidente que já faleceu tinha arranjado. E eu trazia-o para o ensaio e começávamos a ensaiar e tal: “Isto é poluição sonora” – era o que ele dizia. Ia para o sofá e deitava-se e deixava-se dormir.
Mas a coisa foi andando, e eu disse: “Oh Luís, tu tens que ir para Filarmónica” e ele lá aceitou e veio. Também não gostava nada do que eu tinha para ensinar, porque eu espingardeava com ele. Mas aí já teve, já tinha o maestro, já ensinava. Lá aprendeu, começou também a tocar trompete. Na altura era o meu filho, o filho do Tozé... eram seis. E eles vieram para aqui e o meu filho começou a tocar trompete.
Foi na altura que abriu a escola profissional na Covilhã. Abriu, eu sei que andam a recrutar os alunos pelas escolas e o meu filho andava no Teixoso, por acaso, porque eu andava a trabalhar na altura para ali. A minha esposa também trabalhava no Teixoso. Tinha lá a minha sogra. Dava mais jeito. O miúdo saia da escola e ia para casa da avó. E chegou lá a Paula, que é a mulher do Luís Ciprião, a recrutar. Ele diz: “Bom, eu já toco numa banda e tal.” “E então não queres ir para a EPAB (Escola Profissional de Artes da Beira)?” Chegou a casa todo convencido e foi para a EPAB. E depois não foi só ele, eram cinco. Foram e progrediram muito. Nessa altura, a banda dava logo outra qualidade.
Agora, pouco a pouco foram saindo todos. O meu filho até agora, atualmente não pode tocar trompete porque teve um problema, não pode fazer muito esforço. Mas muitos deles continuaram. O meu filho, depois foi para Setúbal, para a escola superior e agora é professor de música. Mas já não faz parte. Mas nessa altura, na verdade, essa dúzia de músicos fazia toda a diferença.

António José Duarte: Foi um avanço.

Carlos Dâmaso: Agora, também para variar um bocadinho também, porque o amigo Tozé sabe a história toda e as datas, e tudo isso, porque estava à frente, esteve aqui à frente uns anos. Mas foi aquilo que a gente já aqui disse, todos nós trabalhávamos, mas tínhamos a cabeça, na altura, era ele, sem dúvida, todos nós estávamos, mas ele era o chefe. Todos nós trabalhávamos, quer dizer, eu comecei de facto na direção como vogal, mas depois também fiz parte do Conselho Fiscal, da Assembleia. Fui presidente quer num lado quer noutro. Mas pronto, o facto de ser presidente da Assembleia Geral, por exemplo, não era só vir aqui às assembleias, ou vir às reuniões que eu queria, nós vínhamos às reuniões todas, às assembleias e trabalhávamos no duro, como qualquer um dos outros. Não fazia diferença, nós trabalhávamos no duro com tudo isso, porque até há um caso engraçado, uma vez que convidava um senhor para a Assembleia Geral, para presidente da Assembleia Geral: “Está bem e tal.” “Mas olhe que é para trabalhar.” “Assim já não quero.”
Vou contar uma pequena história, para desanuviar um bocadinho. Uma vez fomos a uma festinha e quando vínhamos de lá, já de noite, passámos numa terra que é Soutelo. Passámos, éramos os dois, na altura… e eles, os mais velhos pararam, “vamos aqui beber um copo”. Ainda não tinha chegado o que tinham bebido na festa, porque quer queiramos quer não, um dia inteiro numa terra, vai-se bebendo. Mas, resultado, nós ouvimos a música, havia um bailarico lá no Soutelo. E eu e o meu amigo Tozé vamos embora para o bar. Eles beberam um copo e foram para o autocarro, não sei quantos, e nós, pronto, não aparecíamos. E vai de lá então o amigo Costa, que era boa pessoa, tocava contrabaixo, chega lá com o cinto e nós tivemos de dar à sola...
Agora mais outra, não custa nada. Quando eu mudei de instrumento, foi mais ou menos na primeira vez que foram a França… E o maestro, na altura era um sargento, e ele “vai mudar para o contrabaixo” e tal. “‘Tá bom.” Havia um livro de solfejo, que era o Freitas Gazul, que era onde se aprendia, por ali. E ele começou ali a perguntar-me e eu lá fui solfejando, leu ali umas três ou quatro páginas. “Já não é preciso, vais para o contrabaixo”. Claro que é preciso mais, quanto mais se souber, melhor. Passou ali uns papelinhos.
Falámos da Maria João, que era uma colega nossa. Era muito jeitosa, era pequenina, era jeitosinha e boa rapariga, boa moça. E ela sabia e então o Maestro disse: “Agora tens aqui este papéis, tu tocas a requinta e ele toca o contrabaixo, que é para se habituarem”. Fizemos assim uma data de vezes. Aproximava-se a ida à França, foi a primeira vez, 1982, e diz ele: “Você também vai.” “Então mas eu vou fazer o quê?». “Para a fotografia.” E eu disse: “Não senhor, quando souber tocar vou, para a fotografia não.”

P: O Francisco vai contar outra história?

Francisco Bragança: O meu filho, quando foi para a central, para a Covilhã… Não sei se já havia a sexta classe aqui na aldeia ou não. Quando foi, havia uma disciplina de música. E ele, um dia, disse ao professor “eu sou músico na aldeia”. E ele não acreditou. Um dia fomos fazer os Paços à Covilhã e o professor passou. Ele vinha comigo e o professor: “Agora é que eu acredito que és músico.” A essa disciplina era sempre um cinco. Depois, o meu filho, quando foi para a tropa, era primeiro cabo músico, com o instrumento aqui da banda. E nessa altura fazíamos muita festa a meio da semana. Ele levava daqui uma carrinha da direção e era sempre dispensado. Tanto que os oficiais na tropa diziam: “Este cabo tem mais confiança com o comandante do que nós.” Um dia chamou-o lá, porque o nome dele é José Duarte de Bragança, e o comandante chamou-o lá e disse: “Ouve lá, és alguma coisa ao D. Duarte de Bragança? Tens aqui o teu futuro, queres continuar aqui na tropa?” E ele disse: “Fico muito agradecido, mas não gosto de estar aqui, não há ambiente.” Era Santa Margarida. Ele veio e arranjou trabalho aqui. Depois, por outro lado, começou a meter currículos. Foi então trabalhar para uma escola para Oeiras, depois começou a meter outros currículos, saiu para a administração interna. Já há perto de 20 anos que lá está. Tenho três netos e três netas. A neta andou aqui na música, mas, confesso, ela não tinha muita vontade de andar na música, só tinha vontade porque estava cá uma colega dela.

P: Qual a importância que a banda tem na comunidade? Qual é que vocês acham que é a importância?

Carlos Dâmaso: Aqui, devo dizer, é a menina dos nossos olhos.

Jeremias Espinho Roceiro: É capaz de não haver, são capazes de se contar pelos dedos de uma mão as famílias que não tenham tido alguém ligado, direta ou indiretamente ligado, aqui à banda. Tem realmente muita importância. As pessoas acarinham muito, sempre acarinharam muito. E, já agora, em relação à questão que tinha posto aqui há um bocadinho. Não tenho grandes histórias, porque não é como os meus colegas, ainda cá só ando há 28 anos. Esta Casa também foi sempre uma história de vida para as pessoas. Os responsáveis sempre procurarem incutir aqui nos seus elementos, não só o fator da aprendizagem da música, mas também o fator da disciplina, que era também muito importante. E eu tenho a certeza que das centenas de pessoas que passaram aqui na nossa banda, muitas delas levaram o cunho daquilo que foi feito em termos de disciplina aqui na nossa Filarmónica e estou ciente que isso lhes vai aproveitar para o resto da vida deles.

António José Duarte: Eu sei que você não disse isso por maldade, quando disse que o Tozé não fez tudo, e eu quero só dar aqui um exemplo. O Dâmaso e toda a gente que trabalhou, e foi uma das primeiras coisas que disse, foi que nunca aqui houve cargos. Vou deixar aqui uma nota de que equipa nós éramos: a placa de inauguração que estava na entrada tinha o meu nome, mandada fazer pela Câmara Municipal da Covilhã, inaugurada pelo senhor presidente da Câmara, sempre a dizer presidente da direção. Estava a placa feita e eu não quis que o meu nome constasse na placa.
Porque era injusto, porque todos trabalhámos e nós até tínhamos o cuidado de quando se escolhia gente para os órgãos sociais, esta casa não tinha transportes, até se escolhia quem tinha carro, que estava a serviço da Filarmónica. Nós, com os nossos carros, assegurámos muitas vezes os transportes. E também já foi no mandato, a partir da década de 1988, que se adquiriu a primeira carrinha para aqui e que depois também acabou por avariar e que depois andámos aqui uma década com os nossos carros rotativos, a fazer os transportes e buscar os músicos à Covilhã e ao Canhoso, em que se pagava táxi. E foi assim que se conseguiu arranjar dinheiro e que se formava equipa e tudo isso.
E queria deixar aqui também uma nota. Nessa da placa não quis o meu nome e depois peço aí o favor de tirar uma fotografia, que foi aquilo que ficou dos elementos relevantes na altura da inauguração. E, não sei se disse também, nós na inauguração, e foi a maior inauguração que eu já vi neste concelho, de obras, foi esta, quando tivemos aqui as oito bandas, quando tivemos aqui mil e tal pessoas e que isto foi um espetáculo que nem todas as instituições se prezam de ter: secretário de Estado da Cultura, representantes de Coimbra, representantes de todo o lado...
E queria deixar aqui uma nota que me passou, que a minha equipa era de tal forma que, enquanto correram aqui as obras de ampliação da sede, nenhum músico, nem o maestro, recebemos uma pequena percentagem de 30% de cada atuação que é dividido por todos, que calha uma ninharia, que quem não falha nenhuma festa chega ao fim de um ano, e não tem nada, tem 100 euros que são gastos por lá, nos copos… Dois anos que todos nós suportámos sem ninguém receber percentagem, sem receber o seu... E quando chegámos a 2001, que conseguimos salvar as contas e tínhamos dinheiro, pagámos a toda a gente, não se ficou a dever um cêntimo, nem percentagem nem nada, por todo o trabalho.
Mas também ninguém tem dúvidas que em todas as equipes há quem trabalhe mais e quem trabalhe menos. Agora, que nós nos conseguimos completar uns aos outros e temos aqui a prova, numa aldeia de gente pobre, de gente das quintas, de gente dos lanifícios, com salários baixos e com tudo isso, a obra que nós temos aqui… Não há muitas instituições que se possam gabar da obra que têm e que está paga. Que há muitas por aí que ainda hoje estão com dificuldade, a câmara a pagar, não são eles próprios. Portanto, isto só se consegue com muito trabalho e com ambiente e com respeito.
A passagem pela Filarmónica, para mim, acho que foi a minha universidade. Eu só fiz a escola até à quarta classe. E nasci nas quintas e sempre ganhava. E foi aqui que eu cheguei e foi aqui que, já seguindo o que me ensinavam em casa e que me exigiam, respeitar os mais idosos, os mais velhos, e aprendi também respeitar uma farda. E aprendi a trabalhar desinteressadamente, a trabalhar para o bem-estar dos outros, que é o mais importante. Portanto, não venham cá com histórias, que nem qualquer pessoa serve para ser dirigente associativo, nem toda a gente chega. Eu dizia muita vez “os dirigentes associativos são diferentes dos outros”. E, falando naquilo que dizia o colega Dâmaso e o colega Jeremias, não sei se haverá alguém que passasse por esta casa a que se possa apontar grandes defeitos. Perfeito ninguém é, mas o que levam daqui uma lição de vida e de respeito.
E o Sr. Francisco disse que não assumia ser pai da outra menina, eu cá nunca cá trouxe meu filho, mas também lhe disse em casa: “Tu portas-te bem, porque eu ali não sou teu pai.” E eles lá portavam-se da melhor maneira, “mas eu cá também não sou teu filho.” Pronto é assim. Agora que nós assumimos aqui muitas vezes, se calhar, um papel mais importante, que até às vezes os próprios pais, de certeza absoluta. Porque aqui sempre se exigiu que as pessoas voltassem bem e que se respeitassem. E quando assim não o fazem, a gente cá está para saltar em cima. A gente cá está para chamar atenção.
E para mim foi uma grande lição, se não fosse a Filarmónica, eu não era conhecido como sou. E há uma coisa que a mim me dá um certo orgulho, e eu já faço sacrifício para cá andar e também já tenho algumas mágoas para com isto, não é com a instituição, é com algumas pessoas que às vezes passam. E aquilo que mais me custa na vida é que se ignore. Às vezes ignora-se e também nunca fui a tribunal e por causa do associativismo já fui três vezes a tribunal.

P: Porquê?

António José Duarte: Porque quando acabei o mandato, alguém estava aqui, por isso é que eu digo, contra a instituição não tenho nada, mas há pessoas que às vezes estão a ocupar lugares… Nesta terra, toda a gente me conhece. E passou por aqui alguém que pensou que eu que me tinha aproveitado ou que tinha aqui havido algum jogo sujo com o empreiteiro. Porque esta obra foi indicada para ser construída com 50%. E foi comprado tudo aquilo que era possível sem IVA. E depois tínhamos uma escrita que não conseguia enganar ninguém, que é uma escrita interna de entradas e saídas, onde estava tudo escarrapachado. Hoje não sei como é que funciona, mas o senhor doutor Luís deixava cinco euros esses cinco euros tinham um documento. E isso ninguém pode esconder e isso é sagrado e numa próxima Assembleia ou num dia qualquer que eu chegar aqui...
E alguém queria talvez chegar a presidente e também passou a palavra que tinha havido aproveitamento, porque essa pessoa dizia que eu nesta terra era um Deus. Não era Deus nenhum, era igual, mas pronto. E pensou em participar ao Ministério Público que andaram... o alvo era eu, depois o secretário e o tesoureiro, depois de oito anos de investigações com muita dificuldade, que não havia um sistema informático como há hoje para arranjar documentos bancários, todos os meus movimentos e daquilo que ganhava e do meu ordenado e da família e tudo isso e dos bens que tinha. Oito anos a ser investigados e a sentar o rabinho no buxo. Para não descobrirem nada, porque não havia nada.

P: Senhor Tozé, posso fazer-lhe uma pergunta? Tem estado a dizer que é de uma área rural e os outros dirigentes com quem eu falei que vêm das áreas rurais, que não são muitos, disseram-me que nas zonas rurais havia práticas de trabalho em conjunto na desfolhada, de irem trabalhar nas quintas uns dos outros. Também teve essa experiência?

António José Duarte: Não quer dizer que um amigo não vá ajudar o outro amigo… Agora isso na questão da agricultura… não há muito trabalho. Eu só queria deixar aqui também mais uma palavrinha sobre os músicos da Filarmónica, que foram a base principal do início da EPAB. E quantos problemas nós, eu principalmente, tive com a EPAB.
O filho do amigo Dâmaso foi chumbado um ano, por castigo, por cumprir os serviços da banda. Porque o senhor Luís Cipriano, quando pedíamos a dispensa verbal, nada, pedíamos por escrito, nada, e não nos dispensavam. Queriam-nos tirar de cá a toda a força para estarem só lá na EPAB e que era para a EPAB seguir. Eu cheguei a receber as convocatórias para reuniões só depois das reuniões, porque tive a coragem de dizer lá no dia de uma reunião: “Quando os senhores vieram para a Covilhã e quando a EPAB nasceu, já cá havia bandas e a banda da Vila de Carvalho já era uma banda conceituada, que os senhores hão de acabar e a banda tem que continuar.” O teu filho chumbou um ano. O meu foi castigado também, até porque acabou por depois fazer a EPAB também e foi para a Inglaterra. Mas daqui da Filarmónica, se não me esqueço, temos pelo menos três professores meus. O meu filho também é licenciado instrumentista e em composição. O Cristóvão, não sei se chegou a tirar alguma licenciatura. E temos agora a Ana Lucas, que é professora também na EPAB. Nós aqui temos seis, pelo menos. O João Luiz que está na Holanda… Muita gente daqui tem saído, portanto.
Pronto, para mim, quero-vos dizer, só me arrependo de passar pelo associativismo por ter feito determinadas situações e apoiado gente que às vezes não merece e que depois acabam por ignorar o trabalho dos outros para ver se conseguem prevalecer alguma coisa. Mas cada um só faz aquilo que pode e temos de nos governar assim.
E ainda tenho de deixar uma nota. Nós, em relação ao associativismo, sempre fizemos muito. Olhe, em 2000, fizemos aqui um colóquio sobre associativismo, aqui na sala de ensaio, O associativismo no novo milénio, quando tivemos aqui trinta e tal associações do concelho. Nós tivemos o representante INATEL e faça um favor, depois de tomar nota disso: nós também somos filiados no INATEL, como CCD, Centro Cultural Desportivo, para que tivéssemos oportunidade de nos poder candidatar a subsídios. Porque numa determinada altura quem não tivesse esse Estatuto não se podia candidatar e nós sempre recebemos alguma coisa de lá e continua-se a receber, mas temos que dizer aqui que também estamos filiados no INATEL e na Federação de bandas. Tivemos o representante do INATEL, tivemos a vereadora da cultura, tivemos o representante do IPJ de Castelo Branco. E estávamos em qualquer parte sobre o associativismo e sempre a debater as nossas ideias e a apresentar as nossas questões.
Portanto, esta Casa é, na nossa freguesia, a menina dos nossos olhos, como dizia, sempre e sempre foi acarinhada de tal forma que, muito novos ainda, hoje já é diferente, mas íamos no cântico das janeiras, que é uma das tradições mais antigas, e sempre se recolhia alguma receita, que era com essa receita com que se colmatavam as despesas do aniversário, onde nós por vezes à uma e às duas da manhã, lá em cima na serra, sem luz, às vezes sem se saber onde se punham os pés e as pessoas, porque era a banda, levantavam-se e abriam-nos a porta e davam-nos dinheiro e davam-nos de comer e beber. Sempre, sempre, acarinhados por todo o povo. Eu não sei se haverá alguém que tenha coragem de dizer que não gosta da banda.

Francisco Bragança: E somos uma instituição de utilidade pública.

António José Duarte: E a medalha de Mérito Cultural. Tenho-lhe a dizer que nesta Casa foi a vez que me senti mais orgulhoso. Na Câmara Municipal, sem ninguém saber, também foi uma batalha para se conseguir desde 1988, quando recebemos a medalha de Mérito Municipal, e quando chamam o representante da Filarmónica para receber a medalha, que eu era o presidente, fardado, e eu começo a deslocar-me para receber a medalha do Mérito e a banda, no corredor; a tocar o Hino à Alegria, foge, fiquei sem palavras, ainda hoje me arrepio. E ver aquela plateia de gente importante e nós da aldeia, tão simples, e tudo a levantar-se e a aplaudir, para mim foi o momento mais cheio que eu senti… e por todo o lado onde a gente passava somos aplaudidos, acarinhados. E só faço votos de que possamos continuar assim, orgulhosos da Filarmónica, orgulhosos do nosso trabalho, de cada um fazer aquilo que pode e consegue, e dizer que isto só é possível se as nossas famílias deixaram.

Francisco Bragança: Nós, a nossa aldeia, foi conhecida através da banda. Havia um senhor que ia ao Algarve buscar frutas e um dia ele soube, era o Carvalhinho, ele soube, lá o vendedor disse: “Quem é?” “É o meu sogro.” “De onde é que ele é?” “Da Aldeia do Carvalho”, “Huhhh, tem uma grande banda” – no Algarve! E outra coisa, se a senhora soubesse, com 72 anos e outros com 50 e tal, os sacrifícios que fizemos toda a vida de músicos. Mas nunca me arrependi e nunca hei-de me arrepender, tenho pena de já ter esta idade, porque eu vim três vezes, foi ao princípio, foi ao meio, e com esta idade, porque eu tenho pena, porque a pandemia deu muito cabo de mim. Eu não faltava a um ensaio, não faltava a uma festa, ainda que não tocasse nada, mas eu ia sempre. Agora veja, 72 anos de músico. Como é que a minha mulher, há 61 anos, o que tem passado comigo na música.

Carlos Dâmaso: Sr. Francisco, não é só você que gosta da música, que ela também gosta, senão...

António José Duarte: Há muitas que não gostam.

Francisco Bragança: Em 73 anos, no verão, no domingo, outro domingo, outro sábado, outra quinta-feira, sempre a música. E antigamente, hoje não, mas antigamente, lembro-me perfeitamente: nas festas tínhamos que andar de casaco, gravata, com o boné no braço. Nas procissões, às vezes procissões de mais de uma hora, no Verão, quando chegávamos ao fim do dia, podíamos torcer a camisa. Se esta festa fosse ao sábado, ao domingo tínhamos a mesma camisa. Hoje, felizmente já temos mais camisas. Já podemos ir sem camisa, mas já vamos com o boné. É muito diferente, mas tudo compensa no fim do serviço.
Porque nós, agora não, mas quando íamos para uma festa, antigamente, não havia aqui estrada, tínhamos que ir pela Covilhã. As pessoas já sabiam, olha, a música lá vai para alguma festa. Quando vínhamos, olha a música e acho que dávamos uma volta à aldeia, toda a gente sempre bem disposta. Agora o autocarro fica aqui, já não damos estas voltas. E numa ocasião fomos fazer uma festa e não estava aí a estrada. E as músicas tinham umas estantes e deixámos as estantes no autocarro. Porque muitas vezes deixávamos as estantes lá em cima na garagem, para não andarmos com as estantes. Numa altura, deixámos as estantes no autocarro. No domingo a seguir precisávamos de ir a Coimbra. Levamos as estantes ou não levamos as estantes? Tem que se comprar muitas. Passado um ano apareceram as estantes na Guarda, na central de camionagem. Estavam lá, dentro de um saco. Alguém... No fim, quando comprámos umas estantes é que apareceram as outras estantes, porque naquela altura precisávamos das estantes para tocar.

P: Qual é que acha que é o futuro do associativismo?

Francisco Bragança: Muito, muito mal, que pernas vão falhando. A pandemia deu cabo de mim, fiquei muito em casa.

Carlos Dâmaso: Como estava a dizer, vai ser um pouco difícil, porque os habitantes são menos. Antigamente, como eu costumo dizer, não havia aí nenhum buraquinho onde não se visse gente. E agora não, agora a maior parte das casas estão sem ninguém. Logo, há muito menos gente para vir para cá. Também para se arranjar as direções é sempre um castigo. As pessoas estão acomodadas em casa, não querem os trabalhos que a gente tem ou teve, tudo isso. Mas pronto, com um bocadinho de jeito, depois aqui o Jeremias dirá, porque ele está um bocadinho mais dentro agora da escola de música que temos. Têm vindo miúdos, que não são propriamente daqui, e talvez assim se consiga colmatar, oxalá que sim, a falta de elementos, e esperemos que a coisa vai vingar e espero bem que sim.

Jeremias Roceiro: Ao falar em associativismo, refere-se aqui à nossa banda?

P: Em geral, mas também especificamente aqui.

Jeremias Roceiro: Em geral, nos grandes centros, haverá sempre pessoas para continuarem a dirigir os destinos do associativismo. Em relação aqui à nossa terra, estou um bocado cético em relação a isso. Quer queiramos quer não, temos aqui quatro associações e as pessoas são cada vez menos e são sempre praticamente os mesmos a rodar de umas para as outras, ou então vão-se mantendo aqui nos cargos durante anos e anos. Chega uma altura que tudo satura e as ideias também começam a escassear e estas associações vivem muito também de ideias novas, de sangue novo e da renovação.

P: Vocês até têm um presidente muito novinho.

Jeremias Roceiro: Sim, graças a Deus, e bastante ativo. E vamos ver como é que nós, nós já tínhamos dificuldades quando chegava a altura de fazermos a renovação das direções, tem havido dificuldade e acho que no futuro vai ser um bocado complicado. Em relação ao futuro da nossa banda, nós já tivemos, sempre tivemos, ao longo da vida da banda, altos e baixos, atingimos, se calhar o auge nos anos 80. Em 1980 começou-se a dar a revolução. E depois, a partir daí, temos vindo a notar, também fruto da escassez de elementos para a escola de música…
Já temos que andar aqui nas aldeias vizinhas a recrutar com bastantes custos para a nossa banda, temos que pôr transporte. Isso é complicado. Em relação ao futuro, vamos ver. Esta situação da pandemia, numa altura em que nós estávamos com uma injeção de sangue novo, inclusive de alguns membros que já tinham estado na banda, tinham abandonado por várias razões e conseguimos trazê-los de novo para cá. Nós estávamos e estamos muito contentes com isso. Esta situação da pandemia veio dar aqui mais um abanão e por aquilo que nós estamos a ver, retomámos agora os ensaios, estamos a ver que as coisas estão-se a complicar outra vez
As nossas esperanças estão realmente na escola de música. Vamos ver até que ponto é que nós conseguimos preparar elementos para num futuro, o mais próximo possível, integrarem as fileiras da banda. Porque se nós não conseguimos, acho que vamos passar aqui um bocadinho mal. Está aqui o meu colega ao lado. Estão ali outros colegas, um toca tuba e o outro colega estava no contrabaixo. Nós estávamos aqui a contar com eles e um por um motivo e outro por outro, acatamos com tristeza a decisão deles virem praticamente a abandonar.

Carlos Dâmaso: Vocês vêm com tristeza, com mais tristeza vejo eu. Porque é uma coisa que eu gosto de fazer e agora vejo-me sem poder. É muito difícil. Ainda agora tocou o telefone, quarta-feira, às 15 horas, cirurgia de ambulatório, vou lá levar umas infiltrações, mas não é isso que vai resolver.

Jeremias Roceiro: Mas era o que eu estava a dizer, uns por uns motivos outros por outros, a nossa esperança está realmente na escola de música. Temos aí um punhado muito razoável de novos aprendizes e com vontade, porque eles, contrariamente àquilo que nós estávamos a pensar, eles não desanimaram com este tempo todo de interregno. Quando eles foram convocados, apareceram e tiveram aulas online também, compareciam. E foi com bastante alegria que registámos isso. Vamos ver quanto tempo é nós vamos demorar a prepará-los para efetivos da banda.

P: Vai correr bem…

António José Duarte: Queria dizer, com respeito ao associativismo, vejo com alguma preocupação, relacionada com a parte humana. Porque, por muito mal que se esteja hoje, hoje há mais apoios do que havia no passado. Hoje há mais apoio. Hoje a câmara apoia as atividades e os programas de atividades. E, bem organizados e bem preparados, eles pagam tudo isso. E ainda dá para ganhar algum dinheiro.
Agora, no passado, que me recordo, para se comprar um clarinete para esta casa, que custava oito contos, saía-se a fazer um peditório ao povo. Hoje, as coisas, com os serviços que se vai prestando e com os apoios que vai havendo, as coisas, em questão de apoios, estão mais facilitadas. Agora, em questão de gente estão mais difíceis, uns porque a idade já não permite, estão cansados de ouvir, enxovalhados e difamados. Porque a gente, para estar descansadinhos, estar com a família, é não se meter em problemas. Por aí, acho que vai continuar a haver falta de dirigentes.
Na nossa terra, temos muitas associações que, no meu entender, bastava três associações nesta terra, e com a Igreja, quatro. Era a Filarmónica, derivada à cultura, o Carvalhense, derivado ao desporto, e abrangia-se aqui os Amigos de Vila de Mouros ao Carvalhense, por exemplo. O Rancho Folclórico, com o Grupo Danças e Cantares, que nasceram aqui, e que agora, depois em 2003 ou assim, não houve entendimento e saíram, é mais uma associação.
E depois, é como diz aqui o amigo Jeremias, arranjar dirigentes para tantas as instituições não é fácil e se tivessem todos... e as capacidades que a Filarmónica tem de instalações, abrangia-se aqui e tornava-se aqui uma instituição muito mais forte e com mais capacidade de arranjar dirigentes. Mesmo com respeito à banda, espero que se consiga sempre arranjar dirigentes associativos, há sempre uma parte que é muito importante, que é a base também dos músicos fazerem parte dos órgãos sociais. A banda, espero que seja mesmo um fruto da escola de música, que ao longo dos anos tem sido, mas agora que de outra forma, e outro professor, e outro método de ensino que conseguem desenvolver melhor do que nós, que que foi com um ensino muito fraquinho e que foi também à base da boa vontade e de muito trabalho.
Eles agora são preparados de uma forma que é mais fácil e estão mais motivados e é derivado disso. Agora é complicado, porque chega a uma determinada altura e começam a sair, a estudar para fora e outros começam a namorar e outros um emprego fora, e não se pode esperar por músicos para andar 50 anos e nunca mais 70 e se calhar nunca 20 ou 30, e será por aí. Portanto, terá que haver sempre um trabalho exaustivo na escola, para que haja sempre um colmatar... E espero que outros apoiem o associativismo, que dêem valor às pessoas que se disponibilizam gratuitamente para se entregar ao bem dos outros, porque isto do associativismo é também a felicidade de muita gente. Hoje já não é tanto, porque há os meios para que as pessoas se entretenham em casa. Agora antigamente, era nas coletividades que se juntava, se conversava, se falava de tudo e que se convivia. Hoje até já não há os convívios como antigamente, que a gente trazia um garrafão de vinho e umas febras e assávamos, e passava-se a noite à volta da lareira, não era?
Enfim, mas eu queria deixar aqui também só uma nota com respeito a mim. Uma experiência muito grande, com passagem pela Filarmónica e o associativismo. Mas quero dizer-lhe que a ação social também é muito gratificante. Estamos aqui, na Filarmónica, como acreditamos, numa situação de aprendizagem da música e tudo. E depois, no social é outra aprendizagem, com os avós que têm uma sabedoria do passado e experiência. E que também é muito gratificante, também foi com muito gosto que passei por essa experiência. E nada de arrependimentos, nem da parte da Filarmónica, nem da ação social.

P: O Tozé também não foi de uma Comissão de Melhoramentos da freguesia?

António José Duarte: Eu comecei logo cedo, o meu amigo Carlos sabe, que comecei logo nas fábricas, logo ligado às comissões e logo para o sindicato e comissões de reivindicações e de transportes, estive oito anos também na Assembleia de Freguesia. Não falto a uma assembleia de uma coletividade, não falto a uma Assembleia de Freguesia, gostei sempre, nunca me preocupei em estar a ler jornais da bola.
Mas tudo o que dizia respeito ao nosso concelho, ao associativismo, estive sempre muito ligado, não só da nossa terra, assim como do concelho, estive sempre muito ligado a isso. Até mesmo os políticos, que são uns mentirosos, eu também gosto de os ouvir e de dar a minha opinião. Às vezes até me desafiam para falar e quando eu não intervenho já me dizem: “Tozé…” E depois não gostam do que eu digo. Sempre fui assim, muito frontal e de exprimir aquilo que sinto, o meu ponto de vista, não quero dizer que esteja certo, a maior parte das vezes até estarei errado…

P: Agora estava a falar da contestação. Aqui esta zona, que é uma zona muito industrial, com uma grande tradição operária, também tiveram aqui grandes greves nesta freguesia?

António José Duarte Fiz parte desses piquetes que foram aí feitos na altura e andei sempre debaixo de fogo. Eu fiz parte dessas coisas, mas quando precisava de ganhar dinheiro e alguns precisavam de dormir, eu fazia a parte da manhã e os outros faziam a da tarde, eles dormiam, eu fazia a parte da manhã, logo às 4 e 5 da manhã, para a porta das fábricas a impedir que alguns… Se calhar também não devíamos fazer, que isso também não era grande luta, pronto, mas isso aconteceu na altura. Depois, de tarde vinha para a minha oficina.

P: O Jeremias também ia?

Jeremias Roceiro: Não, piquetes não, fiz muita greve, não é? Mas piquetes por acaso não.

Carlos Dâmaso: Eu sempre disse aqui para o meu amigo: “Oh Tozé, tu gostas mesmo da política e tal”, eu nunca andei muito nessas…
P: Qual é que era o sindicato?

António José Duarte: Quando estava aqui na fábrica, lidava mais com os sindicatos dos lanifícios, que estive ligado aos lanifícios, embora a nossa profissão seja serralharia, mas estávamos ligados ao dos lanifícios. Depois também estive ligado ao metalúrgico, porque, já nos últimos anos, eu era o chefe de serralharia ou chefe de manutenção da empresa. E havia uma situação em que a empresa queria fazer uma remodelação total e queriam então despedir 28 pessoas e queriam reduzir horários de trabalho, não sei que mais e tal. E para aquilo não ser aprovado tinha de haver uma comissão de cinco pessoas, de cinco trabalhadores, e já tinha havido três plenários em que não se tinha conseguido essa comissão. E eu já estava cansado daquilo, qual o espanto dos meus patrões, com muita consideração que tinham por mim, e que está aí, que somos amigos.
Não é muito fácil um trabalhador ser amigo do patrão, mas pronto, eu tive essa sorte de ser. Eu levantei o dedo e “contem comigo”. Era preciso cinco pessoas, apareceram logo dez. E os patrões deram um passo atrás: “Tozé...” Acabou o plenário, a comissão foi formada e eu dirigi-me a eles e disse: “Não se preocupem, os meus princípios são estes, os senhores têm os seus direitos e os trabalhadores também têm os direitos deles e vamos trabalhar para que isto se resolva, porque senão nunca mais se resolve. Agora podem ter a certeza que eu não vou estar contra vocês, nem vou estar a favor, vamos à procura das leis e as leis são para cumprir.” E assim foi feito.
Vi-me aflito com o sindicato, que abandonou o processo. Telefonei, fui apenas a uma reunião. O presidente do sindicato, o Luís Garra, chegou no final, o único que levou um papel era eu e uma esferográfica. Isto nem o que se escreve é verdade, amanhã fará. E pronto e lá esteve e depois o presidente disse: “O Tozé já disse coisas que eu não tinha coragem de dizer.” E nunca mais lá voltou. Olhe, problemas com a segurança social, com a ACT, com o sindicato.
Resumindo e concluindo, tive de dizer frontalmente à jurista da ACT, “como é que uma jurista põe em causa a defesa da lei que está aqui? Em quem é que podemos confiar? A segurança social não resolve, o sindicato não resolve, a ACT não resolve, isto só é resolvido internamente”. Resumindo e concluindo, ficou tudo como começou, não despediram ninguém, não mexeram horários, não mexeram nada. Agradeceram-me ter feito parte: ”Se não fosse você, não saíamos disto”, e ficou tudo igual.
O que é que eles dizem, há direitos de uma parte e de outra, as leis é que mandam. Portanto, no fundo, a minha vida foi quase sempre assim um pouco, até um dia destes fiz uma publicação no Facebook com respeito à nossa freguesia e de uma publicação que o presidente fez, fiz também um comentários, que não costumo fazer e ele telefona-me às 11 da noite para me dar a notícia em primeira mão, por causa do asfalto também da estrada 30 de Junho, que é da minha zona e que estou sempre a chatear-lhe a cabeça e da Câmara. E a minha publicação foi logo apagada…
Tenho a minha mãe numa cadeira de rodas há 10 anos, há 10 anos que, para a deslocarmos numa cadeira de rodas até a minha casa, que não é assim tão longe como isso, que era mais fácil do que metê-la num carro. Tive que arranjar uma rampa para a meter e amarrá-la lá dentro e tal, porque não se consegue andar lá, cheia de buracos. Diz que desta vez que vai ser arranjada e só publiquei. Faço votos para que a nossa mãe, porque nós somos oito irmãos, não criou nenhum professor, nem doutor, mas criou trabalhadores, que também são necessários. Faço votos para que a nossa mãe ainda possa ver e usufruir de um pavimento na sua rua, para poder ter melhor assistência e visitar os filhos.
Política não gosto muito porque os políticos são ... e eu gosto muito das coisas justas.

P: Ninguém é filiado em nenhum partido?

Francisco Bragança: Não, os políticos é tudo...

P: E religião, são todos católicos?

Jeremias Roceiro: Eu sou.

P: Praticantes?

Jeremias Roceiro: Qb.

Carlos Dâmaso: Mais ou menos.

Jeremias Roceiro: Praticar é mais difícil.

Francisco Bragança: Pois, 85, 90%. 100% penso que não há ninguém.

António José Duarte: Mas se quiser também alguma informação sobre o associativismo aqui da Terra, se quiser frisar o Carvalhense, também a fundação e a atividade, eu também... Foi fundado em 1953 e está ligado ao desporto. Está prestes a iniciar umas obras de uma sede social. Sobre os Amigos de Vila Mouros, o Jeremias é mais capacitado do que eu.

Jeremias Roceiro: Fui fundador da associação. Pertenço à equipa de fundadores da Associação dos Amigos de Vila Mouros.

P: Qual é a atividade que desenvolvem?

Jeremias Roceiro: É montanhismo, atividades ao ar livre.

P: Foi fundada em que ano?

Jeremias Roceiro: Não sou capaz de dizer, agora estou um bocado afastado, já estou há uns anitos afastado lá, mas tinha que estar a pensar…

António José Duarte: Mas já foi.., Enfim, eu já era presidente da direção...

Jeremias Roceiro: 25 anos, deve ter uns 25.

António José Duarte: Olhe, nessa altura havia parceiros para a fundação das coisas. O único parceiro desfavorável foi o presidente da direção da Banda Filarmónica. Porque já nesta altura entendia que não era necessário criar mais uma associação, mas depois fiz-me sócio. Convidaram-me a ser sócio: “Oh Tozé, você é contra a Associação Amigos de Vila Mouros, mas tem que se fazer sócio.” “Eu não sou contra a Associação Amigos de Vila Mouros. Fui contra a sua criação. Tal qual como um filho que nos nasce e não é desejado, mas temos de o criar. Portanto, dêem-me uma proposta que eu faço-me sócio.”
Agora, naquela altura entendia, porque também foi criado, e tu também sabes bem disso, porque começaram aqui. E eu admiro a capacidade de agir, que nem toda a gente tem capacidade para estes cargos, porque não há um entendimento. Porque se há um entendimento aqui, podia estar aqui.

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