Estado da arte (plataformas digitais e bibliografia)
Aquando da evocação do centenário da Primeira Guerra Mundial entre 2014 e 2018, registou-se a proliferação de várias plataformas digitais, com o objetivo de estimular a divulgação e investigação sobre o seu legado. Podemos destacar, a título de exemplo, as plataformas Portugal 14-18, concebida e coordenada pelo Instituto de História Contemporânea (IHC) em colaboração com outras instituições, e Diário da Grande Guerra: testemunhos portugueses, organizada pela Biblioteca Nacional de Portugal.
No entanto, não existe uma plataforma digital exclusivamente dedicada à história dos mutilados da guerra, pois este tema surge maioritariamente integrado em sites que apostam numa perspetiva mais ampla, centrada nos impactos do referido conflito. Os projetos 1914FACES2014, financiado pelo INTERREG Europe, Healthcares services in the First World War: Portuguese soldiers during and after the Great War (1914-1960), coordenado pela investigadora integrada no IHC Helena da Silva e financiado pela FCT, e a exposição virtual Les Gueules cassées (1914-1918), organizada pelo Bibliothèque interuniversitaire de Santé (BIU Santé), da Universidade de Paris, embora não sejam propriamente arquivos digitais, são exemplos significativos das iniciativas que o mundo académico tem promovido para aprofundar uma temática menos divulgada no âmbito da Grande Guerra. A plataforma Disability History Museum é, por sua vez, a única que se aproxima do presente objeto de estudo, pois procura entender como as mutações culturais, sociais e das leis influenciam a experiência de pessoas com deficiências ao longo da História.
O centenário do referido conflito motivou também, no espaço académico português e anglo-saxónico, uma reflexão crítica sobre o seu desenvolvimento no panorama historiográfico. O aparecimento de novas temáticas, nomeadamente a reabilitação do corpo masculino no pós-guerra e as mudanças em torno da noção de masculinidade, permitem compreender, de forma mais aprofundada, os impactos provocados pela guerra (JONES, 2013; CARDEN-COYNE, 2015). De facto, o debate historiográfico tem apostado numa história cultural da guerra, que dá atenção aos testemunhos não oficiais de quem participou no conflito (CORREIA, 2014). Tendo em conta o carácter transversal da questão dos mutilados, tornou-se importante também construir uma história assente numa perspetiva multidisciplinar e transnacional (CORREIA, 2014). Isto significa que a questão dos mutilados pode ser examinada à luz dos tratamentos médicos (cirurgia plástica, cirurgia ortopédica e cirurgia maxilo-facial), da construção protética e das representações artísticas (por exemplo, o mutilado enquanto figura omnipresente nas obras dos artistas ligados à Nova Objetividade, que surgiu na Alemanha na década de 1920, e os desenhos do artista inglês Henry Tonks). Além disso, importa destacar que os historiadores se têm, exaustivamente, debruçado sobre a questão dos mutilados na Alemanha, na Grã-Bretanha e em França, realizando análises comparativas (a título de exemplo, COHEN, 2001). Para enriquecer a investigação em torno desta temática, é igualmente fundamental explorá-la em outros países beligerantes, europeus (por exemplo, Bélgica, Rússia e Croácia) e extraeuropeus (por exemplo, Austrália, Canadá e Estados Unidos da América), tendo em conta a participação das antigas colónias europeias (por exemplo, a Índia britânica).
De igual forma, verificou-se a publicação de outros projetos e vários estudos, dando particular destaque ao projeto 1914-1918 Online. International Encyclopedia of the First World War e aos estudos conduzidos por Julia Anderson (2017; 2015), Rhian Atkin (2018), Ana Carden-Coyne (2014), Sílvia Correia (2017; 2011), Marjorie Gehrhardt (2010), Marguerite Helmers (2010), Margarida Portela (2016; 2015), Fiona Reid (2017), Cláudio Pinto Ribeiro (2014; 2008) e Helena da Silva (2018), também em colaboração com Joana Ribeiro (2018).
Quanto à documentação relativa aos mutilados, cumpre sublinhar que, no caso nacional, se regista uma maior disponibilização de fontes escritas (principalmente periódicos e monografias) do que fontes iconográficas e fílmicas. Para além da Biblioteca da Liga dos Combatentes, o Arquivo Municipal de Ponte de Lima, a Biblioteca Nacional Digital, a Casa de Sarmento - Universidade do Minho e a Hemeroteca Digital providenciaram grande parte dessa documentação. As fontes iconográficas e fílmicas são, por sua vez, maioritariamente provenientes de arquivos digitais internacionais, nomeadamente o Imperial War Museum, a Gallica - Bibliothèque nationale de France, o Australian War Memorial e a ImagesDéfense.