1793, 2019 | Jornada pelo Tejo

Título curto

1793, 2019 | Jornada pelo Tejo

Título completo

Additamento ao livro intitulado: Jornada pelo Tejo, que foi offerecido a S.A.R. o Principe N.S., em o anno de 1792, pelo seu auctor Jornada pelo Tejo, dividida em 12 dias em cada um dos quais se tratam de várias materias concernentes à arquitectura civil e seus pertences, etc. 1793 (V Tomos)

Autor

José Manuel de Carvalho e Negreiros

Data 1ª edição

1793

Citação 1

Dizem que este edifício é todo de abóbadas e dizem que intentam dazer um massame geral em toda a área do terreno. É lembrança, sendo verdadeira, a mais rara, pois isto só serviria para algum tanque, cisterna ou lagoa. Dizem que no centro deste edifício leva uma grande sala em octágono, de cento e oitenta palmos de diâmetro, com a sua cúpula. Sabe-se admiravelmente que todas as abóbadas e cúpulas carregam para os seus lados e, por consequência, toda a segurança das abóbadas consiste nos seus encontros, que são as paredes ou arcos laterais, e estas paredes laterais têm toda a sua segurança no fundamento respetivo a cada uma. Logo, de que serve este vão central cheio de massame, mais do que somente para gastar muito dinheiro em semelhante obra e em semelhante terreno?
Os massames fazem-se gerais nos tanques, cisternas e outras obras semelhantes, por motivo de que servem para sustentar o peso do fluido, líquido permanente que geralmente gravita no seu perpendículo para indispensável o haver retáculo capaz de receber e sustentar o seu relativo peso, e este é o motivo por que todas as obras de água são muito perigosas, porquanto qualquer mínimo abatimento é bastante para esvair um rio, quando não tivesse subministração de algum nascimento maior; e este perigo é infalível, logo que os alicerces não tenham toda a segurança necessária.
Os alicerces, nestas qualidades de terrenos de barro, deve, ter dobrada largura de parede que sobe para cima do plano do chão. E a parede fica mais fortificada fazendo alguma escarpa até uma determinada altura, porquanto os encontros, auxiliando sucessivamente uns aos outros, ajudam a segurar o próprio peso central da própria parede e resistem mais vigorosamente aos encontros das abóbadas.
É bem verdade que, se o fundamento não for fixo, nada serve que os encontros sejam proporcionados, porque entrando a carregar as paredes tanto mais quanto estas se vão consolidando, porque expulsam de si todo o ar que as entretém, aumentando-se ainda mais este peso pelo das suas respectivas abóbadas, que se consolidam igualmente. E tudo, depois de bem consolidado, faz-se um todo indivisível e inseparável, e fo[r]ma-se como uma petrificação artificial. Toda esta máquina unida, a qual está gravitando no seu centro de gravidade, faltando-lhe o pavimento dos alicerces, depois de consolidada, forma uma submersão geral unidamente todo o edifício. E disto resulta a causa por que infinitos palácios aparecem debaixo do chão inteiros na Itália e em outros muitos países. Mas, se o fundamento não for fixo, não chega a consolidar verdadeiramente o edifício sem que antes disso suceda indispensavelmente a sua ruína, pelo seguríssimo abatimento, gradualmente que se aumentar o peso nas paredes, por causa da sua consolidação, que à proporção que se vai consolidando vai apertando os poros e fazendo-se, por consequência, mais compacto e mais pesado. E como o pavimento do chão não é todo uniforme (logo que não seja muito bem examinado e procurado) e, por consequência, muitas sucede serem os caboucos, em um grande edifício, uns mais profundados do que outros, segundo as qualidades dos pavimentos, até se achar a sua verdadeira e desenganada solidez, por isso, sucede que o peso das paredes de qualquer edifício, feitas em pavimento não conhecido, abate primeiro em umas partes do que em outras, e isto alternativamente, à proporção que o pavimento do alicerce for mais ou menos fraco. E quando não suceda logo a total ruína do edifício, há de infalivelmente suceder, mais cedo ou mais tarde, por motivo que se desunem as partes que são necessárias conservarem-se agregadas, unidas e inseparáveis para formar uma verdadeira união, indispensável à consolidação de uma abóbada.
Dizem que o edifício do Colégio dos Nobres achou um pouco de cascalho, em que se fundou, na altura de de quarenta e tantos palmos, Este mesmo fundamento, dizem que acharam no referido sítio da obra que se trata e também na mesma altura. Agora o caso está se este fundamento é capaz para sobre ele se fundar o projetado edifício, proposição que só se poderá decidir depois de feitas as experiências acima ponderadas. Porque muitas vezes sucede o haver imediatamente a um pavimento de cascalho tenha pouca altura da mesma natureza, pode ser suficiente para um edifício de vigamentos e telhados, mas não para um edifício de abóbadas, porquanto o fundamento competente e necessário para sustentar uma parede, por exemplo de vinte e palmos grossos e, além disso, o encontro da sua respetiva abóbada não é mesmo daquele que se necessita para um edifício cujas paredes tenham seis ou sete palmos de grosso, que servem para segurar vigamento.»

(José Manuel de Carvalho e Negreiros, Jornada Pelo Tejo, Quarto dia: Reflexões sobre os alicerces da obra do Novo Erário, feitas por instâncias de pessoa respeitável, a quem não pude faltar, quase no princípio da mesma obra, 288-290)

Citação 2

Pretende o senhor Crítico comprovar a sua rara lembrança do alicerce geral, para a grande obra do Erário, alegando que todos os matemáticos e arquitetos da Itália assentaram ter procedido as fendas e ruína da famosa cúpula de São Pedro, em Roma, por causa de se não ter feito, desde o seu primeiro princípio, um único massame geral em parte nenhuma interrompido, em lugar daqueles quatro fundamentos separados, assentando que, sem dúvida, as ruínas da dita cúpula procederam deste princípio.
Se o senhor Crítico achou algum manuscrito muito raro e desconhecido por onde justifique a verdade do que diz, é preciso que o publique para nos convencer, porque certamente tal coisa não consta naqueles autores que deram relações impressas dos sábios pareceres de todos os arquitectos e matemáticos convocados para assentar no meio de se evitar a continuação e o progresso das fendas e ruína descobertas na dita cúpula, por consequência do resultado concurso, determinado pelos ditos sábios, bem panteia[m] o nunca terem atribuído a causal da sua ruína a semelhante motivo que quer figurar o senhor Crítico. Ainda somente pela razão natural se evidencia o referido, forçosamente devia de se evidenciar desde a superfície da terra pela total sua altura, e não havia de ser, como é, da cimalha real para cima, e só unicamente na cúpula a sua danificação, achando-se todo o resto do edifício, desde a parte de cima da cimalha real para baixo, sem ter demonstração alguma de prejuízo ou abatimento, antes conserva-se na maior união e segurança possível.
As regras que todos os autores têm estabelecido para a segurança das abóbadas e cúpulas são bastantemente conhecidas; e ainda que se possa julgar injurioso o devê-las patentear a um professor crítico que se inculca por tão sábio, julgando que só ele tem visto e estudado os autores italianos e franceses que escreveram sobre as matérias mais essenciais da arte e ciência da arquitetura, sobre os seus extravagantemente lembrados arcos invertidos e sobre o merecimento de Vitrúvio, aniquilado por este singular Crítico. Contudo, principarei com dizer-lhe que, no mundo, a prática antecipou-se infinito à teórica em todas as artes, e pode-se dizer que somente quando a primeira esgotou todos os seus recursos foi então que a segunda veio em seu socorro para a iluminar, para a emendar, para ensinar-lhe as regras as mais seguras e mostrar-lhe, pelo exame do que aquela tinha feito, tudo quanto lhe faltava ainda para fazer, descobrir e combinar. Se por acaso houvesse alguém que quisesse contradizer esta verdade, a arte de construção nos oferece uma prova sensível.
Quantos admiráveis edifícios pela afoiteza dos homens se executaram nos séculos da ignorância, executados simplesmente por uns conhecimentos práticos, sem intervenção alguma de teórica, fundados unicamente em uma simples rotina? Ainda presentemente se observam infinitas obras feitas pelos práticos sem mais algum outro socorro e sem mais alguma averiguação do que somente a comparação de algumas outras feitas do mesmo género e em iguais situações. É inegável que se deve atribuir a uma feliz casualidade o bom sucesso de semelhantes obras e que não haverá motivo algum de desculpa a qualquer ruína que possa proceder da falta daquelas averiguações que a arte e a ciência têm estabelecido, a fim de que o soberano e o Estado não sacrifiquem somas imensas inutilmente e com a incerteza da felicidade do seu resultado. Muito principalmente nos tempos presentes, em que todas as ciências e as três arquiteturas, civil, naval e militar, certamente, às outras nações da Europa, logo que hajam ocasiões competentes de patentearem os seus talentos e quando sejam estimulados e auxiliados para o dito fim.
A construção é a arte de levantar os corpos uns em cima dos outros de forma que se possam bem segurar e suster, devendo-se bem refletir no modo com que se devem segurar estes corpos, atendendo às diversas combinações das suas posições e às diferentes relações a que podem ser suscetíveis. Deve haver um perfeito conhecimento físico para poder-se fazer uma exata reflexão dos materiais, e igualmente dos alicerces, e também de todos os metais e do ferro, que servem de adjutórios auxiliares e adventícios, e de ornatos a qualquer edifício. O mesmo deve ser a respeito das madeiras e de outras infinitas circunstâncias que a necessidade e o uso dos países têm adotado na edificação das muitas diversidades de edifícios que se fazem em muitos diferentes países da Europa, devendo o arquiteto civil estar competentemente instruído em todos estes conhecimentos, além de outros muitos.
As principais relações a respeito da edificação têm por base um pequeno número de regras de estática de uma experiência quotidiana, e que o bom senso é quanto basta para as conhecer. Consistem estas regras que o mais forte deve levar sobre si o mais fraco. Concorre também muito para a solidez que os corpos sejam fabricados em escarpa, ou algum tanto recolhidos, uns em cima dos outros, e, por fim, deve haver uma perpétua e sucessiva correspondência entre os corpos sobrepostos, o seu respectivo impulso, o seu peso e a sua situação.»

(José Manuel de Carvalho e Negreiros, Jornada Pelo Tejo, Quinto dia: Resposta do Anónimo sobre a crítica feita às reflexões do mesmo Anónimo, respetive à fatura dos alicerces da grande obra do Erário Régio, dividida em 1.ª e 2.ª parte. Segunda Parte, Nota terceira, 332-334)

Citação 3

Não pode haver coisa alguma em a natureza que deixe de estar sujeita às leis do equilíbrio e do peso, ou seja, gravidade. Todas as vezes que haja em qualquer corpo um peso e um impulso, é indispensável o haver um apoio e um contraforte, devendo ter as paredes, ou pés direitos laterais, suficientes grossuras proporcionadas ao impulso e capazes, ao mesmo tempo, de serem o apoio e o contraforte, etc. E assim, o principal é conhecer como opera a ação, para proporcionar a sua resistência.
Todos os fechos das abóbadas são feitos em forma de pirâmides troncadas com bases quadradas ou paralelos gramas, isto é, são mais largos em cima do que em baixo; e têm a sua direção para um centro comum, quando a abóbada é perfeitamente circular e, quando o arco atravessa diagonalmente ou a modo de aresta, terá a sua direção para dois centros e, quando a abóbada for elíptica, terá a sua direção para diversos centros.
A ação do peso de cada arco e seu fecho nunca é uniforme, mas sempre é relativa segundo o espaço que ocupa uma abóbada, a qual, quanto maior for o seu diâmetro, maior será o seu impulso, e, por consequência, os seus encontros devem ter muito maior força para resistir.
Qualquer arco faz mais ou menos impulso para os lados conforme a curva for mais ou menos elevada. Os arcos que se fazem com um terço mais alto do que o seu diâmetro, finalizando em ângulo curvilíneo, são os que menos empurram; seguem-se a estes os arcos de volta perfeita, ou semicircular; e os de volta abatida empurram com mais força.
As pedras e os fechos de um arco, sendo sempre cortadas em forma de cunhas e postas de forma que dirija a sua ação para os respectivos encontros, tendem necessariamente para os arruinar. Mas como este esforço pode variar segundo a forma com que for feita a volta ou arco, é muito importante o assegurar-se logo do seu diâmetro, da natureza da sua curva, da grossura que houver no seu fecho, da altura que tiverem os encontros ou pilares  dos respectivos lados. E somente considerando todas as proposições expostas, as quais, relativamente às diversas circunstâncias ponderadas, são suscetíveis a fazer variar o seu esforço e o seu impulso, chegará finalmente a conhecer exatamente qual será a resistência que se deve arbitrar.
Com estes fundamentos e outros mais, que seria muito extenso o explicá-los, os geómetras estabeleceram, pelas regras da mecânica e com as expressões algebraicas, as grossuras que devem ter os encontros das abóbadas e cúpulas de toda a qualidade, calculando a quantidade do peso e do impulso de qualquer arco, cúpula ou abóbada, devendo-se a monsieur de La Hyre a resolução desta importante questão, feita em mil setecentos e doze, concernente ao impulso das abóbadas, etc., tendo cada vez mais confirmado a experiência o quanto foram ajustados e bem pensados os princípios e as regras por ele estabelecidas, de sorte que todas as abóbadas às quais lhes deram menos grossuras nos seus encontros, daquelas que por ele foram determinadas, ou logo caíram ou daí a pouco tempo.
Monsieur Frizier cita diversos exemplos de que ele fora testemunha, no terceiro tomo do seu excelente tratado do corte das pedras.
As regras estabelecidas por Monsieur Francisco Blondel a este respeito, por pouca reflexão que se faça, logo se conhece a sua pouca exatidão, porquanto não contempla nem a grossura da abóbada nem a altura dos encontros, ou pilares, para fixar a sua força.
É bem evidente que uma abóbada alta do chão vinte palmos, ou cinquenta, deve obrar manifestamente, com bastante diversidade à proporção da sua altura, uma ação e uma impressão bem diversa contra os seus encontros. O mesmo à proporção se deve atender a respeito das diversas grossuras. Uma abóbada de dois palmos de grosso, por exemplo, ou de cinco palmos, faz uma bem manifesta diferença de peso e, por consequência, necessita dos encontros muito mais fortes, a que deve suportar o maior peso. Segue-se destas observações o conhecimento de quanto são fúteis os preceitos estabelecidos nos primeiros tempos e que serviam de governo aos construtores, enquanto as ciências não fizeram conhecer todas as necessárias observações e regras a este respeito.
Para a disposição dos apoios de uma abóbada, não se pode estabelecer uma regra certa. Ela é sempre indicada pela direção do corte feito pelo fecho da sua abóbada, e esta direção é variável segundo a qualidade da mesma, visto que cada uma se aparelha diferentemente. Este é o motivo por que, para se conhecer o como deve obrar uma abóbada e para que lados se deve opor a resistência ao seu impulso, é indispensável o consultar a sua configuração.
Por este exame se conhecerá que uma abóbada de canudo só exercita a sua ação para os dois lados que sustentam a sua curva. Igualmente se observará que uma abóbada com barretes de aresta gravita e faz o seu impulso igualmente para os quatro lados, sendo o vão quadrado, e obrará, além disso, proporcionalmente, segundo a figura da sua planta, que pode ser diversa. As abóbadas feitas em um edifício redondo fazem toda a sua força do centro para toda a circunferência. Uma cúpula formada sobre um corpo quadrado gravita sobre todos os lados do quadrado, e o mesmo fará se for feita em octógono, etc., etc. Do que resulta, em se atendendo às ditas ponderadas direções que devem mostrar os diversos aparelhos, segundo as várias configurações das muitas espécies de abóbadas e cúpulas que se costumam fazer, facilmente se poderá estabelecer as grossuras que devem ter os seus encontros, não esquecendo as já ponderadas circunstâncias da altura dos seus arcos e da grossura da sua abóbada.
Não obstante, algumas vezes sucede que o impulso de uma abóbada ou cúpula não obra diretamente para as direções indicadas pelo corte feito no fecho ou pelos meios das mesmas abóbadas, como, por exemplo, quando duas abóbadas se encontram em oposição, porque então os seus esforços se combinam por seguir uma direção comum.
As demonstrações necessárias, e os desenhos competentes para melhor perceção de todas as proposições anunciadas, julgo-as impróprias neste lugar, por se achar em autores italianos e franceses tudo quanto é necessário a este respeito. Eu, porém, se tiver vida, saúde e alguns auxílios que muito necessito, em outra ocasião farei tudo quanto é necessário e explicarei no nosso idioma português, para melhor inteligência dos nossos nacionais e para que os contratadores de livros portugueses tenham iguais utilidades, proporcionadamente, às que têm tido os estrangeiros; julgando que todo o bom patriota se deve proporcionadamente interessar em o geral benefício dos seus nacionais e evitar quanto é possível que a substância do próprio país deva ir beneficiar as nações estranhas.
Continuando, pois, gradualmente este adicionamento, até chegar ao meu empreendido fim de mostrar ao senhor Crítico o quanto se enganou no seu projeto do massame geral, ou o quanto se deixou enganar por quem o quis capacitar desta risível e dispendiosa novidade, direi que não há distância alguma determinada para qualquer arco, cúpula ou abóbada. Esta poder-se-á fazer de toda a largura imaginável e como quiserem. O caso está em se proporcionar os seus encontros e fortificá-los como deve ser, e que os alicerces sejam bem conhecidos e capazes de não ceder ao peso sobreposto. Tanto se pode fazer um arco com a largura de nove palmos do que com cem ou com cento e cinquenta, etc.
Nas abóbadas esféricas ou esferoidas, observa-se a regra de fechar os seus encontros em um certo ponto e de sorte que os arcos, os quais nas partes inferiores se fazem para aliviar, diversificando algum pouco das linhas retas no seu plano, embaraçam que a abóbada esférica fraqueje pelo seu intervalo.
Seria obrar contra a solidez o empreender de conter uma abóbada esférica de qualquer extensão, por exemplo de cinquenta ou sessenta pés de diâmetro, somente com quatro  contrafortes, distribuídos em igual distância na sua roda. Porquanto cada um arco feito em descarga um do outro, achando-se, por este princípio, obrigado a embaraçar quase o quarto da circunferência do seu plano e oferecendo uma barriga no meio que empurraria no vão, viria a reduzir-se evidentemente bem pouco capaz tanto de conter o impulso da abóbada, como de reconduzir o seu esforço competente aos contrafortes.
Sem dúvida, foi por motivo de diminuir a multiplicidade dos pontos de apoio que exigem as abóbadas circulares que os arquitetos godos se determinaram a fazer a maior parte dos seus coros por detrás das capelas-mores, não já em porção de círculo, como costumavam antecentemente, mas sim em diversos lados retos, de sorte que, por este meio, conseguiram o aliviar esta parte dos seus edifícios, assim como também todo o resto da sua construção, sem prejudicar coisa alguma a sua solidez.
O hábil arquiteto deve saber penetrar os mistérios da arte; deve ser muito observador e ter um discurso muito claro, e um perfeito conhecimento dos abusos, para os refutar, e das perfeições e preceitos da arte, para as adotar e aprovar, uni[n]do estes cohecimentos aos estudos que deve saber da matemática, mecânica, hidrostática, desenho, belas-letras e, por fim, todas as histórias, diversas línguas estranhas, para combinar os autores, juntando uma grande prática e uma dilatada série de experiências, continuados estudos e uma grande combinação dos melhores mestres que nos precederam; sem todas as quais coisas, segundo (perdoe o senhor Crítico) Vitrúvio, nunca jamais se poderá compreender nem atingir o quanto é necessário para um arquiteto.
Por uma pequena parte destas sobreditas aplicações e combinações, chegará a saber que a arquitetura antiga, a mais estimada, foi inventada pelos egipcíacos, aperfeiçoada pelos gregos e depois passou para os romanos, aonde subsistiu até à decadência do império. A outra arquitetura antiga, menos estimada, tomou o seu nascimento no império do Oriente e teve o seu maior uso em Constantinopla. Saberá que a arquitetura gótica se divide em duas classes: a primeira teve a sua origem em o Norte e os godos a introduziram em quase todas as partes da Europa. A outra, chamada mourisca ou áraba, veio da África. A Espanha e algumas províncias meridionais da França fizeram por muito tempo uso desta última arquitetura. Depois do duodécimo século é que se aperfeiçoou o método de edificar dos godos. Deve-se confessar que, não obstante o terem sido os ditos godos, os germanos, os hunos, os vândalos, e outros povos semelhantes bárbaros, que saíram das extremidades do Norte, a ruína das artes e ciências, não obstante, porém, a eles se devem muitas invenções desconhecidas até estes tempos tempos, como foram os moinhos de vento e de água, as lunetas e óculos, as vidraças, a bússola, a impressão, etc., todas as quais coisas se aperfeiçoaram depois que as artes adquiriram outra vez o seu esplendor arquitecto científico e combinador achará na mesma arquitetura gótica muitas coisas de que se possa aproveitar, principalmente a respeito do presente assunto de abóbadas, etc.
A posição das abóbadas e o uso para o qual elas são destinadas decide da força que se deve dar à sua construção. Se elas devem fazer muita resistência, constroem-se de cantaria, tendo uma geral grossura proporcionada ao seu fecho, e depois se guarnecem e fortificam os seus rins, acrescentando-se as paredes dos seus encontros até o nível.
As leis da solidez exigem que os encontros de uma abóbada sejam todos cheios, sem haver rotura, e que a sua enxilharia faça uma união muito firme por toda a extensão dos seus almofadados, e que as pedras sejam assentadas segundo as suas veias e os leitos das mesmas pedras situados de sorte que não gravitem sobre as arestas, de sorte que, havendo todas estas prevenções e ficando unido[s] todos os pontos de apoio, sem interrupção alguma, desde os seus alicerces até ao seu fecho, resultará a maior e mais conveniente firmeza.
Quando seja necessário, também se pode ajudar a resistência precisa nos pés direitos ou encontros das abóbadas e cúpulas, por meio de se aumentar o seu peso vertical, acrescentando-se os ditos encontros com um obelisco, com uma pirâmide, com parede, etc., pois que, aumentando-se o peso e a segurança, aumenta-se, por consequência, a dificuldade da sua ruína. Com estes princípios têm-se tirado infinitas vantagens.
Pode-se algumas vezes, diminuir a grossura achado pelo cálculo para a resistência de uma abóbada, mas é muito preciso o haver, ao mesmo tempo, uma exatíssima vigilância e uma inteligente e bem conhecida averiguação a respeito dos materiais, cuja escolha e conhecimento é o principal fundamento para a segurança de qualquer edifício, depois dos alicerces, havendo muito cuidado de que as pedras de que se compuserem as paredes estejam na sua final e completa consolidação, a fim de que se não hajam de desfazer debaixo do peso.
Os godos foram os primeiros que, para fazerem as suas torres e outros semelhantes edifícios com tanta ligeireza e arrogância, usaram, com muita indústria, do recurso acima ponderado de aumentarem o peso vertical nos encontros das suas abóbadas e cúpulas, na forma acima explicada. Deve-se, porém, contudo, executar este procedimento com muita descrição, ligando-se, sobretudo, a distinguir as circunferências em que se pode fazer uso com segurança e a que limite é permitido o reduzir um pé direito, pilar ou encontro de uma qualquer abóbada, considerando ao seu peso, ao seu impulso, à qualidade das pedras e à sua respectiva duração.
Costuma-se também segurar algumas vezes, quando é preciso, as abóbadas ou cúpulas com contrafortes. E estes devem ter igualmente uma relação com o impulso da abóbada ou cúpula e devem ser situados na direção e na tendência do seu impulso; e, portanto, devem ser edificados inerentes aos seus encontros e situados diretamente por detrás deles para os fortificar. E isto se deve praticar geralmente segundo a configuração da abóbada ou cúpula que se quiser fortalecer. Bem entendido que estes contrafortes nunca jamais serão feitos circulares, mas sim somente quadrados ou quadrilongos. E igualmente se pode aumentar a sua firmeza acrescentado-lhes o peso vertical na mesma forma que já fica contemplado.
Em quanto, pois, à elevação e altura que devem ter estes contrafortes, eles sempre serão mais altos do que o nascimento da abóbada que devem segurar, pois que, sendo mais baixos, manifestamente se conhece que nunca satisfarão ao seu objeto, que é de se opor ao seu impulso.
Quem o pensaria que na famosa cúpula de São Pedro de Roma se encontrasse este erro? Deitando os olhos sobre o plano e sobre o perfil da sua abóbada, é fácil de observar-se que os seus contrafortes guarnecidos de colunas e destinados para a sua fortificação estão justamente mais abaixo do nascimento do arco ou abóbada quase nove pés. Precisa advertir-se seriamente que nunca jamais se deve considerar capaz de suprir a semelhante falta o ático sobreposto, ainda unidos aos reforçamentos situados sobre os contrafortes em correspondência dos arcos dobrados, e a recaída dos arcos em descarga por baixo da abóbada. Este ático falta-lhe muito para ter a força necessária para isto.
Tomando-se a pena de calcular o impulso das duas abóbadas da dita cúpula carregadas pela lanterna, perceber-se-á que os contrafortes flanqueados pelas colunas, ainda que tenham, junto com a grossura do maciço da cúpula, a sexta parte do diâmetro interior da dita cúpula, apenas têm a grossura necessária, tanto por causa do peso do muro que fica entre as duas cúpulas, quanto daquele que causa a lanterna que gravita na sua extremidade superior. E, portanto, a grossura do ático, com o seu reforçamento, não tem mais do que a décima parte do seu diâmetro (proporção que se costuma dar a qualquer cúpula quando esta não tem mais do que uma abóbada e quando os seus encontros são feitos de uma proporcionada e uniforme grossura). É bem claro que, nestas circunstâncias, está bem longe de ter uma força suficiente, motivo por que se deveria estabelecer, a fim de que se houvesse de consolidar este edifício quanto se faz necessário para a sua segura subsistência, que os seus reforços no ático, o qual recebe a recaída dos arcos dobrados desta abóbada, tivessem quase a mesma grossura que os seus contrafortes, isto é, sete ou oito pés de mais grosso daquilo que vêm.»

(José Manuel de Carvalho e Negreiros, Jornada Pelo Tejo, Quinto dia: Resposta do Anónimo sobre a crítica feita às reflexões do mesmo Anónimo, respetive à fatura dos alicerces da grande obra do Erário Régio, dividida em 1.ª e 2.ª parte. Segunda Parte, Nota terceira, 335-342)

Citação 4

Reflexões a respeito das pedras artificiais:
A maior parte dos edifícios antigos tinham as suas paredes fabricadas com pedras artificais, ou sejam, tijolos.
As paredes de tijolos, por comua opinião, estão aprovadas pelas mais duráveis e resistentes do que as outras paredes, contra a ação dos incêndios especialmente, pois que as não pode calcinar.
Creio que o senhor Crítico ou respetivo fiscal das Obras Públicas farão os exames necessários a fim de que a terra com que se fizerem os tijolos e a telha seja de qualidade de greda esbranquiçada, domável, isto é, que expremida entre os dedos se estenda sem rachar, e que não seja saibrenta nem areenta.
Deve-se este barro cavar de outono, amassá-lo de inverno e formar-se os tijolos ou telhas na primavera. Se se formarem de inverno, cobrir-se-á o trabalho com areia e, formando-se de verão, será o trabalho coberto com palha. Devem secar por dois anos à sombra (diligência esta que os antigos faziam e presentemente se não faz, por isso tudo anda falsificado, pelas facilitações e brevidade com que se quer fazer tudo) e, depois de assim secos, cozê-los nos fornos do costume. Nos grandes e grossos tijolos, façam-se pequenos furos e misture-se no seu ingrediente alguma tralha, para que melhor se enxuguem e lhe passe o fogo, coisa esta utilíssima, ainda que de alguns tenha sido escrito o contrário.
Utilíssima coisa seria o renovar o uso dos tijolos triangulares, tanto louvados por Leão Baptista Alberti, *De re aedificatoria*, livro 2.º, capítulo 10; pelo marquês Galiani; e pelo padre Fonda. Alguns pensarão que os antigos não usaram dos tais tijolos, mas nas ruínas e antiguidades de Roma se observa que usaram frequentemente; e, pouco antes do ano de 1774, em uma escavação que se fez no pátio do palácio do embaixador de Veneza, em Roma, ao Corso, fui conduzido pelo doutor Vegni para me persuadir e mostrar em que se acharam os ditos tijolos, que eu vi da mesma forma, justamente, como escreveu o dito Alberti. Estes tijolos podem fazer-se facilmente formando-se um tijolo grande quadrado e dividindo-o fresco em quatro triângulos, sem, porém, acabá-los de separar na parte inferior, para serem cozidos. E dados assim unidos pelo trabalhador ao oficial de pedreiro, este os pode separar com uma pequena pancada. E Alberti foi de parecer que assim desta sorte trabalharam os antigos.
Os tijolos desta figura, além de se cozerem melhor, porque melhor se adaptam no forno, além de outras muitas vantagens notadas pelo dito principalmente na parte convexa do dito muro.
Conhecer-se-ão serem os tijolos e telhas perfeitos se, encostados em escoras, sustentarem grande peso sem racharem; se forem muito leves e sonoros, e resistentes ao gelo e geada, ao menos de um inverno; se, metidos dentro da água, não mudarem de cor.
Tendo ponderado com a possível brevidade as principais circunstâncias que se requerem tanto nas pedras naturais como nas artificais, continuarei pelo mesmo método a fazer algumas reflexões sobre a cal.»

(José Manuel de Carvalho e Negreiros, Jornada Pelo Tejo, Quinto dia: Resposta do Anónimo sobre a crítica feita às reflexões do mesmo Anónimo, respetive à fatura dos alicerces da grande obra do Erário Régio, dividida em 1.ª e 2.ª parte. Segunda Parte, Nota terceira, 351-352)

Citação 5

Reflexões a respeito da cal:
A pedra boa ou má facilmente se conhece, porque ela não exige mais do que a dureza procedida de estar perfeitamente petrificada. A cal, porém, depende de maior exame.
Compõe-se a cal de pedras que são próprias para serem calcinadas, porque nem de toda a pedra se pode fazer cal. As que são sumamente brandas são inúteis; as que são brandas, mas com tal ou qual dureza, fazem cal inferior e parda; e as que são excessivamente rijas não admitem calcinação alguma.
O diamante e outras pedras preciosas não se podem calcinar, por mais que o fogo seja violento e diuturno. As partes de que a natureza os fabricou são tão unidas e compactas entre si, que os poros com que ficarão sõ dão passagem à matéria subtil e etérea, mas não aos corpúsculos do fogo, sendo que a calcinação provém de uma certa desunião das partes, causada pela introdução violenta e sucessiva das partículas ígneas que entram a ocupar os poros ou interstícios do corpo que se calcina.
A pedra sexatil também não se calcina, mas um fogo contínuo e forte a vitrifica, sendo regra certa que todo o corpo que se vitrifica não se calcina e o que se calcina não se vitrifica.
Outras pedras há que saem já da terra vitrificadas; estas são totalmente inúteis, e o maior fogo as não pode reduzir a cal, porque a vitrificação é o último período a que a natureza chega, como também a arte, visto que depois de um corpo estar vitrificado, ou seja naturalmente ou artificialmente, nesse termo permaneceu sempre sem admitir mudança ou separação alguma.
A cal da nossa pedra lioz, sendo aguada com água doce, que deve ser escolhida da melhor, evitando-se algumas iniquidades que fazem os contratadores e emendando-se alguns erros que cometem, seria a melhor cal do mundo.
Os fornos de Alcântara são muito grandes; estão três e quatro meses a arder, e às vezes mais tempo, de sorte que, quando o fogo chega a cozer a pedra de cima, a que fica junto à boca por onde metem a lenha está sumamente queimada e a substância  da cal extraída pelo excesso do fogo e bem se observa pela quantidade de escórias que saem dos ditos fornos.
Costumam fazer nestes fornos, por toda a circunferência, uma parede com pedra lioz e barro branco, cuja parede também se coze e o barro se faz em pó, que se vende misturado com a cal, e sempre são oitenta ou noventa carradas de barro. E deste engano resulta prejuízo considerável aos edifícios, cujo remédio é o seguinte:
Obrigarem-se a fazer estes fornos mais pequenas e esta parede ser feita de pedra de brunir ou da qualidade que o forno não possa cozer ou calcinar, e empedrados como são os poços, e proibir-se com penas e castigos rigorosos, inalteravelmente executados, que a cal fosse caldeada com água salobra ou salgada, pelas razões que ao diante exporei.
A cal cozida com carvão de pedra, sendo bem feita e com bons materiais, é muito melhor do que cal cozida com lenha, porque é muito mais forte.
Depois da cal saída do forno, qualquer que seja, deve ser pulverizada com água, e esta deve ser da mais doce e da melhor, e de nenhuma forma com água salobra ou salgada, de que sucede infalivelmente a perdição da melhor cal.
De que as pedras cal saídas do forno e expostas ao ar também se pulverizam é coisa já bem sabida; mas também se sabe de que perde a cal todo o seu vigor porque o ar lhe dissipa todas as partes ígneas, que é a sua principal força, fincando a cal como uma terra branca e sem vigor, em lugar que, em pedras desfeitas com água, na forma que se pratica, resulta uma cal forte, vigorosa e com os requisitos necessários para se fabricar seguramente.
A água salobra ou salgada, cujos sais ficando introduzidos na cal faz perder inteiramente a boa qualidade da mesma, é bem evidente, porquanto o sal é um material impróprio e incapaz de fortalecer-se em tempo algum, visto que tudo o que atrai humidade a si impede consideravelmente a união intrínseca das partes, as quais só se consolidam e conglutinam depois de expelida a humidade toda; mas, quando contém algum princípio suscetível de dissolução, este sempre está fazendo as partes divisíveis e separáveis.


(José Manuel de Carvalho e Negreiros, Jornada Pelo Tejo, Quinto dia: Resposta do Anónimo sobre a crítica feita às reflexões do mesmo Anónimo, respetive à fatura dos alicerces da grande obra do Erário Régio, dividida em 1.ª e 2.ª parte. Segunda Parte, Nota terceira, 352-356)

Referência bibliográfica

Negreiros, José Manuel de Carvalho e. "Additamento ao livro intitulado: Jornada pelo Tejo, que foi offerecido a S.A.R. o Principe N.S., em o anno de 1792, pelo seu auctor Jornada pelo Tejo, dividida em 12 dias em cada um dos quais se tratam de várias materias concernentes à arquitectura civil e seus pertences, etc. 1793 (V Tomos)." In Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa, Primeiras obras sobre arquitetura. Editado por Joana Balsa de Pinho e João Vieira Caldas, 419-670. Lisboa: Círculo de Leitores, 2019.

Acesso

DGA/TT: AHCL; Biblioteca da Ajuda: Ms. de José Manuel de Carvalho Negreiros, Jornada pelo Tejo, 1792; BNP: Ms. de José Manuel de Carvalho Negreiros, Jornada pelo Tejo, 1793

Documento

Manuscrito

título curto

1792, 2019 | Jornada pelo Tejo