Item
António Monteiro
Nome do entrevistador/a
Joana Dias Pereira
Local
Sede da Banda da Covilha
Data
2 de Junho de 2021
Nome do entrevistado/a
António Monteiro
Data de nascimento
1936
Local de nascimento
Covilhã
Profissão dos pais
Trabalhavam na agricultura
Escolaridade
Ensino primário
Situação civil
Casado. A esposa também trabalhou na indústria têxtil.
Filhos
Tem dois filhos. O filho é economista na Câmara de Braga e a filha é professora e higienista.
Profissão
Tecelão
Associações em que participou
Estrela São Pedro
Águias de Santa Maria
Banda da Covilhã
Cargos dirigentes
Foi dirigente da Banda da Covilhã
Religião
Católico
Sinopse da entrevista
Descreve a sua participação associativa desde a infância. Reflete sobre o papel das coletividades na formação dos seus ativistas. Descreve as atividades que desenvolveu nas diferentes associações em que participou. Reflete sobre o presente e o futuro do associativismo.
Palavras-chave
Testemunho
P: Onde é que o senhor nasceu?
António Monteiro: Foi aqui na Covilhã.
P: E nasceu em que ano?
António Monteiro: Nasci em 1936. Freguesia de São Pedro e foi aí que eu fui criado. E a partir daí, eu tive um acidente, é a realidade da minha vida e o que foi a minha vida. Foi o nascimento e aos nove anos tive um acidente. E muita gente que não sabe ou não se apercebe, porque eu uso óculos e não se apercebe que eu… De facto, tenho assim ideia… Mas nem vale a pena adiantar mais, porque… pronto.
A partir daí é, é claro, tive uma vida, fui criando, fui subindo na vida, claro. Como garoto, eu cheguei aos nove anos na escola e tive um acidente e depois, a partir daí, dos 9 anos, a escola para mim parou, derivado ao acidente que tive na vista. Comecei a trabalhar, o tempo foi passando e com dificuldades naquele tempo, dificuldades que havia naquele tempo. Nunca nos faltando nada, os meus pais sempre trabalharam e nunca nos deixaram faltar nada, porque éramos sete irmãos. Nunca passámos fome, graças a Deus, e só cá estamos dois agora, éramos sete e já morreram cinco. Encontro-me eu e o meu irmão. Portanto, nesta vida e na situação que está agora, que é muito complicada. No entanto, coletividades, havia muitas coletividades, muitas cá na Covilhã, tinha umas 30 e tal.
P: Diga-me só primeiro: começou a trabalhar em quê?
António Monteiro: E comecei a trabalhar, eu comecei a levar os almoços para as fábricas da indústria. Pronto, eu vou responder à senhora. O meu trabalho, comecei a trabalhar aos 12 anos, comecei a levar os almoços: passava aqui, ia para o Ernesto Cruz, para o Fiadeiro, que eram as fábricas dos lanifícios, levava dois almoços para ganhar algum dinheiro. Aos 12 anos e de chinelos em cima da neve, e a chover, muita chuva, muita chuva e neve e então digo assim. E claro, eu sempre fui um indivíduo que gostei de trabalhar e pronto, deixei de trabalhar aos 65 anos. Pronto, eu quando me aposentei… mas já lá vamos, depois…
É claro, eu comecei a trabalhar e andei a trabalhar, para cá para lá. Fui evoluindo na vida, fui evoluindo, depois fui mudando, digo assim: isto não pode ser, tenho que arranjar um trabalho – e arranjei logo para as fábricas. Fui, fiquei lá no Fiadeiro, portanto na fábrica O Fiadeiro, a trabalhar. Deram-me logo trabalho lá e estive lá, estive lá seguramente meio ano, seguramente meio ano. É claro, naquela altura quem desse mais dinheiro é que a gente… Queríamos mais dinheiro e então a gente mudava. Naquele tempo, isso naquele tempo… Arranjei então [trabalho] na tinturaria. Fui crescendo, fui crescendo, arranjei para a tinturaria. Estive lá também os dois anitos. Fui mudando, mudando para outras fábricas: trabalhei na Carlos Alberto Correia, trabalhei na recauchutagem de pintado. Também deitava sempre a mão a tudo, não é, porque eu sempre gostei de trabalhar. E o último trabalho… Portanto, eu fui, na questão de trabalho, já devido à minha maneira de ser… nunca deixando as coletividades, coletividade que eu me lembro que tinha lá à porta, que era a Estrela de São Pedro, chamavam-lhe o Estrela São Pedro. Comecei a jogar à bola e praticava lá os jogos da sueca e o dominó, com a malta que se juntava ...É claro, as coletividades para mim, foi… Ainda hoje sou um perdido pelas coletividades. E porquê? Porque eu gosto muito e porque eu sou um menineiro. Gosto muito das crianças e dou-me bem com as crianças. Não sei porque sim ou porque não. Eu tenho três netos, tenho dois filhos que… Já lá vamos...
Na Carlos Alberto Correia, voltando à fábrica, aí é que eu me casei. Trabalhava na Carlos Alberto Correia, casei-me aí em 1967. E, é claro, já estava melhor, mas depois daí casei-me, fui jogar à bola, chamaram-me outra vez para ir a jogar bola, porque era bom jogador. Então continuei na tinturaria, de noite, da meia noite para o dia: mais dinheiro, mais dinheiro à hora. Todo contente, todo contente, já casado.
P: A sua mulher também trabalhava na indústria têxtil?
António Monteiro: Sim, a minha esposa também trabalhava, trabalhava no Ernesto Cruz. Casei em 1967, comecei a namorar a minha esposa em 1965. Em 1967 casei. Ela trabalhava no Ernesto Cruz, e eu lá consegui, a minha mulher era doméstica e eu tirei-a de doméstica e pu-la na fábrica, até as empresas fecharem. Depois, então, ela saiu da Ernesto Cruz. Depois, então, naquele tempo já havia a Universidade, e então consegui metê-la na Universidade, na cozinha. Porque a minha esposa era doméstica, trabalhava de doméstica, e então sabia fazer de tudo, e eu consegui metê-la na cantina da Universidade. Esteve lá 20 anos a trabalhar e aí se reformou e eu encantado da vida também, porque depois deu eu sair da outra fábrica, fui para o Santos Pinto, uma fábrica também de lanifícios.
P: Qual era o seu ofício?
António Monteiro: Era tecelão, mas pouco lidava com os teares. Mas lidava com outras máquinas, meadeiras, torcedeiras, embrulhadeiras, eu trabalhava com isso tudo, eu sabia trabalhar com essas coisas todas. Conclusão, a altura das greves, altura das greves… Complicado, complicado… Casado, com o primeiro filho, 1968, foi quando fui para o Santo Pinto. No Santos Pinto é que eu agarrei: é que isto está tão mal, tão mal, eu vou tentar desenrascar-me, e então queria arranjar um trabalho fixo que me dê garantias para que eu pudesse sobreviver na minha vida, e não andar aqui na nas greves, nos lanifícios. E então lá consegui arranjar um lugar na Câmara Municipal da Covilhã, portanto, no Mercado Municipal. Estive lá 20 anos, estou aposentado da Função Pública.
Ora, voltando às coletividades, fui sempre um indivíduo dedicado às coletividades. Como disse, estive no Estrela de São Pedro, que era logo também era ali perto onde eu morava. Quando casei, mudei para a freguesia de Santa Maria e ainda hoje lá moro. 45 anos que morei numa casa, tive que mudar para outra casa, porque a Câmara necessitava de fazer obras. Pronto, consegui mudar. Ora, eu morava ali em Santa Maria, portanto, eu fui morar para o pé da banda. Mas, voltando atrás: quando eu estive no Estrela de São Pedro, éramos muitos amigos, muita rapaziada, que havia ali naquele tempo, andava tudo a brincar nas ruas, que hoje não se vê ninguém a brincar, hoje não se vê nada. É claro, a gente juntava-se nas coletividades, nos bailaricos. E a gente divertia-se nas coletividades, no Estrela de São Pedro. Depois, quando fui para cima, para Santa Maria, tínhamos o Águias de Santa Maria, também onde eu jogava à bola, onde eu joguei à bola muitos anos. E ali estive, no Águias de Santa Maria.
Portanto, estas coisas com o tempo também vão fechando, não é? É de facto pena, esta juventude não ligar às coletividades. Porque ali nas coletividades aprende-se muito, aprende-se muita coisa, muita coisa aparece, muita coisa… Aprende-se o bom e o mau, mas é sempre melhor. Bom, eu estou todo radiante em Santa Maria, com o Águias de Santa Maria. Foi aí, de facto, que eu conheci a minha esposa, nos bailaricos. Estou feliz. Então, tinha o Santa Maria, eu morava ao lado da banda, mesmo ao lado da banda. A banda é minha segunda casa. Eu sou feliz de estar aqui nesta casa, porque me sinto bem, sinto-me feliz. Eu sonho com a banda. Eu quando era mais novo, eu fazia os meus trabalhos. Agora já não sou capaz. Já não sou capaz de fazer o que fazia aqui, nas festas da banda. Aquele Jardim de Santo António que vai lá (já agora, eu também sou António), fazíamos aqui as festas de São João, São Pedro. Andava em cima das árvores, eu fazia, eu era... E às vezes diziam: não caia, não caia. E, quer dizer, a gente às vezes caía, mas levantávamo-nos e lá continuávamos. Queríamos era, de facto, fazer as coisas, que é para ficar uma coisa linda que nós fazíamos aqui. É claro, estas coisas querem muita vontade, querem muito crer para que o que nós fazemos chame mais um amigo, uma menina, um menino. Também cá tive a minha filha.
É claro, e voltando aos filhos: agora tenho dois filhos. Tenho o meu rapaz, que tem 44 anos, é doutor, tem o curso de economista e vive em Braga, está na Câmara de Braga. A minha filha, que tem uma diferença de 7 anos, é doutora, é professora, higienista. Estou feliz, sinto-me feliz. Tenho uma mulher que é uma querida. Eu tenho uma mulher que é uma querida, eu também sou um querido para ela, porque sempre gostei de trabalhar e sempre de viver e sermos educados uns para os outros. Temos que ser educados uns para os outros. Isso sempre foi o meu lema, a educação. Então foi a educação que eu dei aos meus filhos. Os meus filhos estão casados. Tenho a minha filha, que é higienista, que é a [...]. Tem dois meninos. É um casal. O meu filho é o [...], que está na Câmara de Braga, que tem um menino, que é o [...], que tem 15 anos. E então esta vida foi sempre para mim, foi sempre uma vida regalada… Foi não me preocupar com estas coisas. Às vezes, quando há alguma coisa que temos de nos preocupar… Mas levei sempre uma vida regalada, sempre uma vida com serenidade, saber lidar com as pessoas, unirmo-nos e aqui na banda, com estas crianças aqui, que felizmente que há, agarrava, comprava uns rebuçados e “tomem lá meus meninos”. E, de facto, o meu querer era esta casa nunca acabar. Com a idade que tenho, faço 85 anos, gostava de até aos 100 anos andar aqui. Chegar aos 100 anos e sentir: é pá, eu pedi até aos 100 anos e cheguei aos 100 anos e estou aqui, Mas, então, Deus nos dê saúde.
P: Diga-me uma coisa: professa alguma religião, é católico, vai à Igreja.?
António Monteiro: Sou católico. Sou eu e a minha esposa, e vou todos os dias à missa.
P: E é de algum partido político?
António Monteiro: Não.
P: E esta propensão para o associativismo e para as coletividades. Acha que é da família, os seus pais já participavam nas coletividades?
António Monteiro: Quer dizer, isso, a questão dos meus pais... Não, os meus pais, eu nunca tive conhecimento de que, de facto, que os meus pais… Portanto, trabalhavam na lavoura, trabalhavam nas quintas. Nunca tive conhecimento que eles... nesse tempo não se conhecia as coletividades, não é? Não, não havia coletividades.
P: Então, o que é que o motivou a vir para as coletividades?
António Monteiro: Eu, motivar-me em vir para as coletividades? É eu ser uma pessoa… é gostar, gostar de facto de lidar, saber lidar com as pessoas, honestamente, lidar com as pessoas, o convívio em si, isso é que me diz tudo. Agora, é a continuação, é claro, espírito… Tudo tem os seus quês, não é? A continuação das coletividades e arranjarmos sempre uma direção. Alguns ali na direção, já não sei lá quantas vezes… Já me mudaram para vice-presidente, depois volto para trás, depois volto para cima. Sou sempre um indivíduo que ando aqui de um lado para o outro, não é? Está tudo bem, da minha parte está tudo bem.
P: Então e na sua infância, na sua adolescência, as associações foram importantes para a sua formação?
António Monteiro: Sim, foi. A minha formação foi, portanto… a gente vai aprendendo, a gente vai aprendendo uns com os outros, nas coletividades porque, se a gente abandonar a coletividade, se não ligarmos mais a isto, isto acaba por morrer, não é? Não Fui aprendendo alguma coisa, aprendi alguma coisa. A gente está sempre a aprender. Aparece sempre alguém que diz: oh Monteiro, você isto, aquilo… Eu vou mas é embora. Não, não, você não pode ir embora. Temos aqui um professor, porque o Professor [...], para mim é um homem que foi um Deus que apareceu aqui na Covilhã… Isto faz-me lembrar, na coletividade, ainda era naquela além, estava eu estava eu sozinho na sala de direção, quando ele apareceu. Tínhamos lá um empregado e procurou se estava alguém da direção e por acaso estava lá eu e assim: está ali o Sr. Monteiro. E, então, o professor [...] apareceu, estivemos a conversar e isto é que a gente vai aprendendo. Eu estive a conversar com ele ali uma hora e meia, duas horas e digo assim: chegou a hora de irmos ali beber uma cervejinha ali ao bar. Ah, sim senhor. Estivemos lá, voltámos. Eu aprendi e estou aprendendo com ele, com o [...], um grande amigo, grande amigo, grande homem, grande professor, grande doutor, não haja dúvidas que é um grande amigo, eu considero que é um alentejano assim mesmo de gema. Quero dizer com isso que cá me encontro a trabalhar com esta minha satisfação.
P: O que é que foi a coisa mais importante que aprendeu nas coletividades?
António Monteiro: Foi saber lidar com as pessoas. Mais importante foi saber lidar com as pessoas, com as crianças, com as senhoras. Temos aqui uma direção, que eu não tenho dúvida alguma em respeito a isso: aqui com respeito acima de tudo. Aqui não há maldade. Respeitinho acima de tudo.
P: E diga-me uma coisa. Antigamente, quando começou a participar, era um período muito difícil, as pessoas tinham vidas muito difíceis. As coletividades organizavam algum tipo de ajuda com as pessoas? Espetáculos em benefício de um sócio doente, ou coletas em momentos de dificuldades?
António Monteiro: Quer dizer, as dificuldades… sempre houve dificuldades. Debatemo-nos com muitas dificuldades aqui. Só quem por cá passou, o que temos aqui… Um casa, de facto, que só visto. Grande homem, como disse, o senhor [...], também fez para que esta casa, que é uma casa que construíram, uma casa que eu vejo que está cada vez cada vez mais, e mais, melhor e melhor. Ora, o aspeto de dádivas, ofertas, é muito complicado, muito complicado.
P: Antigamente, quando era mais jovem, no tempo antes do 25 de Abril, as coletividades não organizavam formas de entre ajuda entre os sócios, quando um precisava? Ajudavam-se uns aos outros?
António Monteiro: Já nessa altura, de antes do 25 de Abril, já havia aquela união, aquele gosto para termos a nossa coletividade, aquela vontade… Isso já vem daí, esse faz tudo por tudo, esse devemos fazer algo para nós ajudarmos. Isso é que me faz lembrar… que me repugna que uma coisa que às vezes… o passado que é... fazerem estas coisas, a gente preocupar-se com estas, não ter dinheiro, como é que vai ser? Eh pá tem que se resolver, tem que se resolver, de uma maneira ou de outra… A gente fazia muitos sacrifícios para que...
P: Pois, para comprar os instrumentos e essas coisas, era preciso reunir algum dinheiro...
António Monteiro: Claro, muito trabalho, muito trabalho para comprar os instrumentos, muito trabalho e entre ajuda, fazermos uns bailaricos para fazermos dinheiro, fazermos aqui uns almoços para servirmos, para angariarmos dinheiro para estas coisas, para instrumentos.
E temos aí tantos jovens, e não temos de facto dinheiro para comprar instrumentos. E é muito complicado, nós querermos dinheiro para comprar um instrumento e não termos. Portanto, andamos sempre ao faz favor, temos que comprar mais um instrumento, entraram mais duas crianças e não temos instrumentos. Isto é complicado. O maestro também, o Sr. [...], também é um grande… é um jovem. Chegamos a esse ponto, é uma criatura que está mesmo dedicado aqui para a nossa banda. É um grande homem. Tem um grande valor. E ele precisava de mais instrumentos para pôr os garotos a tocar.
P: E lembra-se, antes do 25 de, Abril se as coletividades tinham problemas com a polícia, ou seja, num período mais difícil, lembra-se de algum momento de dificuldades dessa natureza, ou seja, de não conseguir desenvolver todas as atividades que queriam?
António Monteiro: O 25 de Abril, e eu digo para mim, não me diz nada. Eu disse: o 25 para mim, não disse nada. Eu toda a vida trabalhei, e veio o 25 de Abril e continuei a trabalhar. Para mim, é igual.
P: Não nota, não acha que são diferentes os tempos de hoje?
António Monteiro: É diferente uma coisa, uma coisa que é o mais importante, o respeito. Falta de respeito, não há respeito nenhum. Perderam o respeito: os pais para os filhos, [os filhos] com os pais. Falta de respeito. Isso é o essencial, o essencial é o respeito, em nome dos meus filhos, nunca os meus filhos faltaram ao respeito. Nunca eu faltei ao respeito aos meus pais, aos meus irmãos, nunca. Não faltei ao respeito a ninguém. Nasci pobre, criei-me, criaram-me, cheguei este limite pobre, mas sempre com respeitinho.
Os meus pais: meus filhos, vocês dêem-se sempre bem uns com os outros. Se houver algum problema, ajudem-se uns aos outros. A minha mãe teve 17 anos sem ver. E disse: meu filho, eu vou morrer, vou morrer, morrer com 87 anos e tive 17 anos sem ver. E ela disse: meu filho (que eu era o mais querido, não é por dizer, por dizer que eles também não eram queridos, mas eu era mais que estava lá em casa e tinha a minha esposa, que era uma segunda filha). É assim, a minha [...], era a minha querida, era a minha esposa, não faltava lá nada, à minha mãe, com 17, não, com 16 anos sem ver, é de uma dificuldade, não é? E então, diz assim: ó meu querido, a mim só me chamavam Toninho, oh Toninho. É claro, nasceram os meus filhos, o meu Paulinho, que é doutor, é que ia a casa da avó: oh mãe, eu vou ver se a avó precisa de alguma coisa. Nessa altura, isso do 25 de Abril, portanto, nasceu em 67...
P: Eu estava-lhe a perguntar como é que acha que as coletividades evoluíram. Já tem uma experiência tão longa. Quais são as principais diferenças? Aqui a banda está exuberante, não é?
António Monteiro: Sim, a banda e o que é, são as boas vontades, porque isto se não houver boas vontades, não vai a lado nenhum, não é? É de facto mal empregado algumas coletividades terem fechado, à falta de pessoas que queiram trabalhar, humildes, a fazerem para que as coletividades subam e requerer mais da casa em si, haver mais movimento, manter as pessoas para aprenderem qualquer coisa. Porque hoje em dia não se vê nada disso, as pessoas fogem. Não se vêem aí na rua a brincar. Desculpe a expressão, mas só vêem é maldade. O 25 de Abril é que deu cabo disto. A falta de educação para mim foi o 25 de Abril. Eu vivi toda a minha vida no tempo do Salazar, era um respeitinho. A mim o 25 de Abril não me adiantou nada. Eu toda a vida trabalhei, como disse, toda a vida trabalhei e trabalho...
P: E a sua mulher também participou nas coletividades?
António Monteiro: A minha esposa, sim também, também fazia.
P: Ela também assumiu cargos de direção?
António Monteiro: Não, a minha esposa nunca. A minha esposa, no clube Grupo Desportivo da Mata… A minha esposa morava lá em cima ao pé do Grupo Desportivo da Mata. Mas nunca fez, nunca entrou na direção.
P: E que tipo de atividades é que ela desenvolvia lá?
António Monteiro: Lidava com aquela juventude que ali havia, portanto, as senhoras… mas nunca foi uma mulher dedicada, portanto, ajudava, ajudava no que fosse necessário, não é?
P: E estava-me a dizer que fez parte de várias direções, foi aqui sobretudo na banda ou também esteve noutras coletividades?
António Monteiro: Águias de Santa Maria, Estrela de São Pedro.
P: Também teve cargos da direção nessas coletividades?
António Monteiro: Sim, sim. Jogava à bola, fazia tudo.
P: E como é que conciliava essa dedicação, esse trabalho voluntário, com a família, com o trabalho?
António Monteiro: A dedicação era própria mesmo nesse caso, porque eu vivia com a com a juventude em si, eu dizia, casa-coletividade, casa-banda. Ou digamos, Casa-Estrela de São Pedro, porque também vivíamos ali, eu morava em Santa Maria, tínhamos ali a coletividade, o Águias de Santa Maria. O Águias de Santa Maria também era uma coletividade que tinha bilhares, tinha damas para entreter e tudo isso. E então, para passarmos as noites, um bocado da noite. Que me faz lembrar que a Águias de Santa Maria foi a primeira coletividade a ter televisão aqui na Covilhã, salvo erro em 1954. Primeiro a televisão foi para aí, a preto e branco, para o Águias de Santa Maria. A coletividade que a gente… pronto, a gente saía do trabalho e íamos para ali, para acolá, para a coletividade, era Águias de Santa Maria-banda.
Eu jogava à bola lá em cima e vinha para aqui, viver com as crianças aqui, porque a banda era lá, à porta de onde eu morava, mesmo onde eu morava. Eu morava no largo e onde era ali, portanto, o fogo em 1993, salvo erro… Eu ainda lá andei a apagar, com uma mangueira, porque deitaram fogo à banda e ainda lá andei. O que eu fiz por aquela casa quando era diretor, com o Sr. Moreira, muitos anos, e outros mais. Isto na banda lá em cima.
[...]
António Monteiro: Resumindo e concluindo, aquela casa ali era muito boa, era muito boa, mas também lá chovia, e foi na altura que fomos falar com o presidente [...], e ele arranjou, fez o favor de nos arranjar... E então viemos para aqui, aqui a trabalhar, a sujarmo-nos todos, foi um grande sacrifício que fizemos, tudo a correr depois para ir para o lado também. E éramos todos, todos os diretores e mais os sócios, e isto é que era bonito. A gente pedia um favor, um sócio… Depois já bebíamos um copo, depois um dominó, depois um lanchezinho, e pronto vamos lá. Fazia-me feliz e hoje é muito difícil de ver: se for para o jardim, estão ali a beber cerveja. Ninguém vem para aqui. Mas deviam vir aprender qualquer coisa. A música, que é a coisa mais Linda.
P: Estão e o que acha que é o futuro do movimento associativo?
António Monteiro: Olhe, minha Senhora, o futuro? O futuro o dirá, não posso adiantar mais nada.
P: E o que é que desejava que acontecesse?
António Monteiro: Ai, o que é que eu desejo para mim? Sempre o melhor, ter esta casa sempre aberta até eu morrer. Esta casa fica aberta. E se eu for na frente, a minha mulher ter força e nunca deixar de vir a esta casa, que ela também gosta muito aqui da banda. E um dia, quando eu for, levo a banda no meu coração. É aquilo que vejo, que deixo aos meus queridos, é aquilo que eu lá tenho. Olhe, fui contador do Sporting, a minha vida foi sempre a trabalhar, 45 anos a trabalhar, 45 anos a cobrar as quotas do Sporting. Andar de inverno, a chover, a nevar, a fazer sol, pelas ruas. Para o Fundão, para o Paul, Unhais da Serra, Teixoso, Aldeia do Carvalho, 45 anos. E isto porquê? Porque a vida assim dizia, temos que trabalhar para termos alguma coisa.
Meu lema foi este, tenho que trabalhar enquanto puder, enquanto puder trabalho. Cheguei aos 45 anos, fui 45 anos cobrador. Tenho lá diplomas de cobrador, tenho lá diplomas daqui da banca, tenho diplomas do Águias de Santa Maria. Tenho lá um quarto, tenho uma casa grande, tenho tudo exposto. E é isto que faz para mim. É a satisfação que eu tenho. E quando chegar ali a olhar para alguns diplomas: Águias de Santa Maria, São Pedro, Banda da Covilhã, Sporting da Covilhã, 3, 4, dador de sangue, 2. 46 dádivas de sangue. 46! Não é brincadeira nenhuma. Sinto-me feliz. Só preciso é saúde, só preciso é... Apanhei esta malandra desta doença e também peguei à minha esposa. A não é por acaso que tive sorte. Tive sorte porque eu apercebi-me de que estava mesmo doente e disse à minha esposa, eram 11, 11 e meia da manhã: eu não me sinto bem, leva-me para casa, vamos comer e vais me pôr hospital. Tenho uma grande mulher, amiga grande.
P: Imagina a sua vida sem as coletividades, ou seja, as coletividades modelaram a sua vida, a sua vida fazia sentido sem as coletividades?
António Monteiro: A minha vida foi sempre assim, eu vivi sempre a minha vida com as coletividades. Nunca deixei de ir às coletividades. Quando era cobrador do Sporting, eu corria as coletividades todas, eu ia à beira dos sócios. E então, o convívio em si, que se apanha a ligação com as pessoas, com os doutores, com os advogados, com os mais pequenos. E aí é que eu vou aprendendo, aí é que eu aprendi, aí é que me fez ser homem, foi lidar com as pessoas, lidar com os meninos. Sinto-me radiante, sinto-me radiante da maneira como isto, como esta situação está, e vejo o que isto é e como era a antigamente. Hoje em dia temos que ter muito cuidado, estamos a andar por um caminho muito difícil. E então todo o cuidado é pouco.
António Monteiro: Foi aqui na Covilhã.
P: E nasceu em que ano?
António Monteiro: Nasci em 1936. Freguesia de São Pedro e foi aí que eu fui criado. E a partir daí, eu tive um acidente, é a realidade da minha vida e o que foi a minha vida. Foi o nascimento e aos nove anos tive um acidente. E muita gente que não sabe ou não se apercebe, porque eu uso óculos e não se apercebe que eu… De facto, tenho assim ideia… Mas nem vale a pena adiantar mais, porque… pronto.
A partir daí é, é claro, tive uma vida, fui criando, fui subindo na vida, claro. Como garoto, eu cheguei aos nove anos na escola e tive um acidente e depois, a partir daí, dos 9 anos, a escola para mim parou, derivado ao acidente que tive na vista. Comecei a trabalhar, o tempo foi passando e com dificuldades naquele tempo, dificuldades que havia naquele tempo. Nunca nos faltando nada, os meus pais sempre trabalharam e nunca nos deixaram faltar nada, porque éramos sete irmãos. Nunca passámos fome, graças a Deus, e só cá estamos dois agora, éramos sete e já morreram cinco. Encontro-me eu e o meu irmão. Portanto, nesta vida e na situação que está agora, que é muito complicada. No entanto, coletividades, havia muitas coletividades, muitas cá na Covilhã, tinha umas 30 e tal.
P: Diga-me só primeiro: começou a trabalhar em quê?
António Monteiro: E comecei a trabalhar, eu comecei a levar os almoços para as fábricas da indústria. Pronto, eu vou responder à senhora. O meu trabalho, comecei a trabalhar aos 12 anos, comecei a levar os almoços: passava aqui, ia para o Ernesto Cruz, para o Fiadeiro, que eram as fábricas dos lanifícios, levava dois almoços para ganhar algum dinheiro. Aos 12 anos e de chinelos em cima da neve, e a chover, muita chuva, muita chuva e neve e então digo assim. E claro, eu sempre fui um indivíduo que gostei de trabalhar e pronto, deixei de trabalhar aos 65 anos. Pronto, eu quando me aposentei… mas já lá vamos, depois…
É claro, eu comecei a trabalhar e andei a trabalhar, para cá para lá. Fui evoluindo na vida, fui evoluindo, depois fui mudando, digo assim: isto não pode ser, tenho que arranjar um trabalho – e arranjei logo para as fábricas. Fui, fiquei lá no Fiadeiro, portanto na fábrica O Fiadeiro, a trabalhar. Deram-me logo trabalho lá e estive lá, estive lá seguramente meio ano, seguramente meio ano. É claro, naquela altura quem desse mais dinheiro é que a gente… Queríamos mais dinheiro e então a gente mudava. Naquele tempo, isso naquele tempo… Arranjei então [trabalho] na tinturaria. Fui crescendo, fui crescendo, arranjei para a tinturaria. Estive lá também os dois anitos. Fui mudando, mudando para outras fábricas: trabalhei na Carlos Alberto Correia, trabalhei na recauchutagem de pintado. Também deitava sempre a mão a tudo, não é, porque eu sempre gostei de trabalhar. E o último trabalho… Portanto, eu fui, na questão de trabalho, já devido à minha maneira de ser… nunca deixando as coletividades, coletividade que eu me lembro que tinha lá à porta, que era a Estrela de São Pedro, chamavam-lhe o Estrela São Pedro. Comecei a jogar à bola e praticava lá os jogos da sueca e o dominó, com a malta que se juntava ...É claro, as coletividades para mim, foi… Ainda hoje sou um perdido pelas coletividades. E porquê? Porque eu gosto muito e porque eu sou um menineiro. Gosto muito das crianças e dou-me bem com as crianças. Não sei porque sim ou porque não. Eu tenho três netos, tenho dois filhos que… Já lá vamos...
Na Carlos Alberto Correia, voltando à fábrica, aí é que eu me casei. Trabalhava na Carlos Alberto Correia, casei-me aí em 1967. E, é claro, já estava melhor, mas depois daí casei-me, fui jogar à bola, chamaram-me outra vez para ir a jogar bola, porque era bom jogador. Então continuei na tinturaria, de noite, da meia noite para o dia: mais dinheiro, mais dinheiro à hora. Todo contente, todo contente, já casado.
P: A sua mulher também trabalhava na indústria têxtil?
António Monteiro: Sim, a minha esposa também trabalhava, trabalhava no Ernesto Cruz. Casei em 1967, comecei a namorar a minha esposa em 1965. Em 1967 casei. Ela trabalhava no Ernesto Cruz, e eu lá consegui, a minha mulher era doméstica e eu tirei-a de doméstica e pu-la na fábrica, até as empresas fecharem. Depois, então, ela saiu da Ernesto Cruz. Depois, então, naquele tempo já havia a Universidade, e então consegui metê-la na Universidade, na cozinha. Porque a minha esposa era doméstica, trabalhava de doméstica, e então sabia fazer de tudo, e eu consegui metê-la na cantina da Universidade. Esteve lá 20 anos a trabalhar e aí se reformou e eu encantado da vida também, porque depois deu eu sair da outra fábrica, fui para o Santos Pinto, uma fábrica também de lanifícios.
P: Qual era o seu ofício?
António Monteiro: Era tecelão, mas pouco lidava com os teares. Mas lidava com outras máquinas, meadeiras, torcedeiras, embrulhadeiras, eu trabalhava com isso tudo, eu sabia trabalhar com essas coisas todas. Conclusão, a altura das greves, altura das greves… Complicado, complicado… Casado, com o primeiro filho, 1968, foi quando fui para o Santo Pinto. No Santos Pinto é que eu agarrei: é que isto está tão mal, tão mal, eu vou tentar desenrascar-me, e então queria arranjar um trabalho fixo que me dê garantias para que eu pudesse sobreviver na minha vida, e não andar aqui na nas greves, nos lanifícios. E então lá consegui arranjar um lugar na Câmara Municipal da Covilhã, portanto, no Mercado Municipal. Estive lá 20 anos, estou aposentado da Função Pública.
Ora, voltando às coletividades, fui sempre um indivíduo dedicado às coletividades. Como disse, estive no Estrela de São Pedro, que era logo também era ali perto onde eu morava. Quando casei, mudei para a freguesia de Santa Maria e ainda hoje lá moro. 45 anos que morei numa casa, tive que mudar para outra casa, porque a Câmara necessitava de fazer obras. Pronto, consegui mudar. Ora, eu morava ali em Santa Maria, portanto, eu fui morar para o pé da banda. Mas, voltando atrás: quando eu estive no Estrela de São Pedro, éramos muitos amigos, muita rapaziada, que havia ali naquele tempo, andava tudo a brincar nas ruas, que hoje não se vê ninguém a brincar, hoje não se vê nada. É claro, a gente juntava-se nas coletividades, nos bailaricos. E a gente divertia-se nas coletividades, no Estrela de São Pedro. Depois, quando fui para cima, para Santa Maria, tínhamos o Águias de Santa Maria, também onde eu jogava à bola, onde eu joguei à bola muitos anos. E ali estive, no Águias de Santa Maria.
Portanto, estas coisas com o tempo também vão fechando, não é? É de facto pena, esta juventude não ligar às coletividades. Porque ali nas coletividades aprende-se muito, aprende-se muita coisa, muita coisa aparece, muita coisa… Aprende-se o bom e o mau, mas é sempre melhor. Bom, eu estou todo radiante em Santa Maria, com o Águias de Santa Maria. Foi aí, de facto, que eu conheci a minha esposa, nos bailaricos. Estou feliz. Então, tinha o Santa Maria, eu morava ao lado da banda, mesmo ao lado da banda. A banda é minha segunda casa. Eu sou feliz de estar aqui nesta casa, porque me sinto bem, sinto-me feliz. Eu sonho com a banda. Eu quando era mais novo, eu fazia os meus trabalhos. Agora já não sou capaz. Já não sou capaz de fazer o que fazia aqui, nas festas da banda. Aquele Jardim de Santo António que vai lá (já agora, eu também sou António), fazíamos aqui as festas de São João, São Pedro. Andava em cima das árvores, eu fazia, eu era... E às vezes diziam: não caia, não caia. E, quer dizer, a gente às vezes caía, mas levantávamo-nos e lá continuávamos. Queríamos era, de facto, fazer as coisas, que é para ficar uma coisa linda que nós fazíamos aqui. É claro, estas coisas querem muita vontade, querem muito crer para que o que nós fazemos chame mais um amigo, uma menina, um menino. Também cá tive a minha filha.
É claro, e voltando aos filhos: agora tenho dois filhos. Tenho o meu rapaz, que tem 44 anos, é doutor, tem o curso de economista e vive em Braga, está na Câmara de Braga. A minha filha, que tem uma diferença de 7 anos, é doutora, é professora, higienista. Estou feliz, sinto-me feliz. Tenho uma mulher que é uma querida. Eu tenho uma mulher que é uma querida, eu também sou um querido para ela, porque sempre gostei de trabalhar e sempre de viver e sermos educados uns para os outros. Temos que ser educados uns para os outros. Isso sempre foi o meu lema, a educação. Então foi a educação que eu dei aos meus filhos. Os meus filhos estão casados. Tenho a minha filha, que é higienista, que é a [...]. Tem dois meninos. É um casal. O meu filho é o [...], que está na Câmara de Braga, que tem um menino, que é o [...], que tem 15 anos. E então esta vida foi sempre para mim, foi sempre uma vida regalada… Foi não me preocupar com estas coisas. Às vezes, quando há alguma coisa que temos de nos preocupar… Mas levei sempre uma vida regalada, sempre uma vida com serenidade, saber lidar com as pessoas, unirmo-nos e aqui na banda, com estas crianças aqui, que felizmente que há, agarrava, comprava uns rebuçados e “tomem lá meus meninos”. E, de facto, o meu querer era esta casa nunca acabar. Com a idade que tenho, faço 85 anos, gostava de até aos 100 anos andar aqui. Chegar aos 100 anos e sentir: é pá, eu pedi até aos 100 anos e cheguei aos 100 anos e estou aqui, Mas, então, Deus nos dê saúde.
P: Diga-me uma coisa: professa alguma religião, é católico, vai à Igreja.?
António Monteiro: Sou católico. Sou eu e a minha esposa, e vou todos os dias à missa.
P: E é de algum partido político?
António Monteiro: Não.
P: E esta propensão para o associativismo e para as coletividades. Acha que é da família, os seus pais já participavam nas coletividades?
António Monteiro: Quer dizer, isso, a questão dos meus pais... Não, os meus pais, eu nunca tive conhecimento de que, de facto, que os meus pais… Portanto, trabalhavam na lavoura, trabalhavam nas quintas. Nunca tive conhecimento que eles... nesse tempo não se conhecia as coletividades, não é? Não, não havia coletividades.
P: Então, o que é que o motivou a vir para as coletividades?
António Monteiro: Eu, motivar-me em vir para as coletividades? É eu ser uma pessoa… é gostar, gostar de facto de lidar, saber lidar com as pessoas, honestamente, lidar com as pessoas, o convívio em si, isso é que me diz tudo. Agora, é a continuação, é claro, espírito… Tudo tem os seus quês, não é? A continuação das coletividades e arranjarmos sempre uma direção. Alguns ali na direção, já não sei lá quantas vezes… Já me mudaram para vice-presidente, depois volto para trás, depois volto para cima. Sou sempre um indivíduo que ando aqui de um lado para o outro, não é? Está tudo bem, da minha parte está tudo bem.
P: Então e na sua infância, na sua adolescência, as associações foram importantes para a sua formação?
António Monteiro: Sim, foi. A minha formação foi, portanto… a gente vai aprendendo, a gente vai aprendendo uns com os outros, nas coletividades porque, se a gente abandonar a coletividade, se não ligarmos mais a isto, isto acaba por morrer, não é? Não Fui aprendendo alguma coisa, aprendi alguma coisa. A gente está sempre a aprender. Aparece sempre alguém que diz: oh Monteiro, você isto, aquilo… Eu vou mas é embora. Não, não, você não pode ir embora. Temos aqui um professor, porque o Professor [...], para mim é um homem que foi um Deus que apareceu aqui na Covilhã… Isto faz-me lembrar, na coletividade, ainda era naquela além, estava eu estava eu sozinho na sala de direção, quando ele apareceu. Tínhamos lá um empregado e procurou se estava alguém da direção e por acaso estava lá eu e assim: está ali o Sr. Monteiro. E, então, o professor [...] apareceu, estivemos a conversar e isto é que a gente vai aprendendo. Eu estive a conversar com ele ali uma hora e meia, duas horas e digo assim: chegou a hora de irmos ali beber uma cervejinha ali ao bar. Ah, sim senhor. Estivemos lá, voltámos. Eu aprendi e estou aprendendo com ele, com o [...], um grande amigo, grande amigo, grande homem, grande professor, grande doutor, não haja dúvidas que é um grande amigo, eu considero que é um alentejano assim mesmo de gema. Quero dizer com isso que cá me encontro a trabalhar com esta minha satisfação.
P: O que é que foi a coisa mais importante que aprendeu nas coletividades?
António Monteiro: Foi saber lidar com as pessoas. Mais importante foi saber lidar com as pessoas, com as crianças, com as senhoras. Temos aqui uma direção, que eu não tenho dúvida alguma em respeito a isso: aqui com respeito acima de tudo. Aqui não há maldade. Respeitinho acima de tudo.
P: E diga-me uma coisa. Antigamente, quando começou a participar, era um período muito difícil, as pessoas tinham vidas muito difíceis. As coletividades organizavam algum tipo de ajuda com as pessoas? Espetáculos em benefício de um sócio doente, ou coletas em momentos de dificuldades?
António Monteiro: Quer dizer, as dificuldades… sempre houve dificuldades. Debatemo-nos com muitas dificuldades aqui. Só quem por cá passou, o que temos aqui… Um casa, de facto, que só visto. Grande homem, como disse, o senhor [...], também fez para que esta casa, que é uma casa que construíram, uma casa que eu vejo que está cada vez cada vez mais, e mais, melhor e melhor. Ora, o aspeto de dádivas, ofertas, é muito complicado, muito complicado.
P: Antigamente, quando era mais jovem, no tempo antes do 25 de Abril, as coletividades não organizavam formas de entre ajuda entre os sócios, quando um precisava? Ajudavam-se uns aos outros?
António Monteiro: Já nessa altura, de antes do 25 de Abril, já havia aquela união, aquele gosto para termos a nossa coletividade, aquela vontade… Isso já vem daí, esse faz tudo por tudo, esse devemos fazer algo para nós ajudarmos. Isso é que me faz lembrar… que me repugna que uma coisa que às vezes… o passado que é... fazerem estas coisas, a gente preocupar-se com estas, não ter dinheiro, como é que vai ser? Eh pá tem que se resolver, tem que se resolver, de uma maneira ou de outra… A gente fazia muitos sacrifícios para que...
P: Pois, para comprar os instrumentos e essas coisas, era preciso reunir algum dinheiro...
António Monteiro: Claro, muito trabalho, muito trabalho para comprar os instrumentos, muito trabalho e entre ajuda, fazermos uns bailaricos para fazermos dinheiro, fazermos aqui uns almoços para servirmos, para angariarmos dinheiro para estas coisas, para instrumentos.
E temos aí tantos jovens, e não temos de facto dinheiro para comprar instrumentos. E é muito complicado, nós querermos dinheiro para comprar um instrumento e não termos. Portanto, andamos sempre ao faz favor, temos que comprar mais um instrumento, entraram mais duas crianças e não temos instrumentos. Isto é complicado. O maestro também, o Sr. [...], também é um grande… é um jovem. Chegamos a esse ponto, é uma criatura que está mesmo dedicado aqui para a nossa banda. É um grande homem. Tem um grande valor. E ele precisava de mais instrumentos para pôr os garotos a tocar.
P: E lembra-se, antes do 25 de, Abril se as coletividades tinham problemas com a polícia, ou seja, num período mais difícil, lembra-se de algum momento de dificuldades dessa natureza, ou seja, de não conseguir desenvolver todas as atividades que queriam?
António Monteiro: O 25 de Abril, e eu digo para mim, não me diz nada. Eu disse: o 25 para mim, não disse nada. Eu toda a vida trabalhei, e veio o 25 de Abril e continuei a trabalhar. Para mim, é igual.
P: Não nota, não acha que são diferentes os tempos de hoje?
António Monteiro: É diferente uma coisa, uma coisa que é o mais importante, o respeito. Falta de respeito, não há respeito nenhum. Perderam o respeito: os pais para os filhos, [os filhos] com os pais. Falta de respeito. Isso é o essencial, o essencial é o respeito, em nome dos meus filhos, nunca os meus filhos faltaram ao respeito. Nunca eu faltei ao respeito aos meus pais, aos meus irmãos, nunca. Não faltei ao respeito a ninguém. Nasci pobre, criei-me, criaram-me, cheguei este limite pobre, mas sempre com respeitinho.
Os meus pais: meus filhos, vocês dêem-se sempre bem uns com os outros. Se houver algum problema, ajudem-se uns aos outros. A minha mãe teve 17 anos sem ver. E disse: meu filho, eu vou morrer, vou morrer, morrer com 87 anos e tive 17 anos sem ver. E ela disse: meu filho (que eu era o mais querido, não é por dizer, por dizer que eles também não eram queridos, mas eu era mais que estava lá em casa e tinha a minha esposa, que era uma segunda filha). É assim, a minha [...], era a minha querida, era a minha esposa, não faltava lá nada, à minha mãe, com 17, não, com 16 anos sem ver, é de uma dificuldade, não é? E então, diz assim: ó meu querido, a mim só me chamavam Toninho, oh Toninho. É claro, nasceram os meus filhos, o meu Paulinho, que é doutor, é que ia a casa da avó: oh mãe, eu vou ver se a avó precisa de alguma coisa. Nessa altura, isso do 25 de Abril, portanto, nasceu em 67...
P: Eu estava-lhe a perguntar como é que acha que as coletividades evoluíram. Já tem uma experiência tão longa. Quais são as principais diferenças? Aqui a banda está exuberante, não é?
António Monteiro: Sim, a banda e o que é, são as boas vontades, porque isto se não houver boas vontades, não vai a lado nenhum, não é? É de facto mal empregado algumas coletividades terem fechado, à falta de pessoas que queiram trabalhar, humildes, a fazerem para que as coletividades subam e requerer mais da casa em si, haver mais movimento, manter as pessoas para aprenderem qualquer coisa. Porque hoje em dia não se vê nada disso, as pessoas fogem. Não se vêem aí na rua a brincar. Desculpe a expressão, mas só vêem é maldade. O 25 de Abril é que deu cabo disto. A falta de educação para mim foi o 25 de Abril. Eu vivi toda a minha vida no tempo do Salazar, era um respeitinho. A mim o 25 de Abril não me adiantou nada. Eu toda a vida trabalhei, como disse, toda a vida trabalhei e trabalho...
P: E a sua mulher também participou nas coletividades?
António Monteiro: A minha esposa, sim também, também fazia.
P: Ela também assumiu cargos de direção?
António Monteiro: Não, a minha esposa nunca. A minha esposa, no clube Grupo Desportivo da Mata… A minha esposa morava lá em cima ao pé do Grupo Desportivo da Mata. Mas nunca fez, nunca entrou na direção.
P: E que tipo de atividades é que ela desenvolvia lá?
António Monteiro: Lidava com aquela juventude que ali havia, portanto, as senhoras… mas nunca foi uma mulher dedicada, portanto, ajudava, ajudava no que fosse necessário, não é?
P: E estava-me a dizer que fez parte de várias direções, foi aqui sobretudo na banda ou também esteve noutras coletividades?
António Monteiro: Águias de Santa Maria, Estrela de São Pedro.
P: Também teve cargos da direção nessas coletividades?
António Monteiro: Sim, sim. Jogava à bola, fazia tudo.
P: E como é que conciliava essa dedicação, esse trabalho voluntário, com a família, com o trabalho?
António Monteiro: A dedicação era própria mesmo nesse caso, porque eu vivia com a com a juventude em si, eu dizia, casa-coletividade, casa-banda. Ou digamos, Casa-Estrela de São Pedro, porque também vivíamos ali, eu morava em Santa Maria, tínhamos ali a coletividade, o Águias de Santa Maria. O Águias de Santa Maria também era uma coletividade que tinha bilhares, tinha damas para entreter e tudo isso. E então, para passarmos as noites, um bocado da noite. Que me faz lembrar que a Águias de Santa Maria foi a primeira coletividade a ter televisão aqui na Covilhã, salvo erro em 1954. Primeiro a televisão foi para aí, a preto e branco, para o Águias de Santa Maria. A coletividade que a gente… pronto, a gente saía do trabalho e íamos para ali, para acolá, para a coletividade, era Águias de Santa Maria-banda.
Eu jogava à bola lá em cima e vinha para aqui, viver com as crianças aqui, porque a banda era lá, à porta de onde eu morava, mesmo onde eu morava. Eu morava no largo e onde era ali, portanto, o fogo em 1993, salvo erro… Eu ainda lá andei a apagar, com uma mangueira, porque deitaram fogo à banda e ainda lá andei. O que eu fiz por aquela casa quando era diretor, com o Sr. Moreira, muitos anos, e outros mais. Isto na banda lá em cima.
[...]
António Monteiro: Resumindo e concluindo, aquela casa ali era muito boa, era muito boa, mas também lá chovia, e foi na altura que fomos falar com o presidente [...], e ele arranjou, fez o favor de nos arranjar... E então viemos para aqui, aqui a trabalhar, a sujarmo-nos todos, foi um grande sacrifício que fizemos, tudo a correr depois para ir para o lado também. E éramos todos, todos os diretores e mais os sócios, e isto é que era bonito. A gente pedia um favor, um sócio… Depois já bebíamos um copo, depois um dominó, depois um lanchezinho, e pronto vamos lá. Fazia-me feliz e hoje é muito difícil de ver: se for para o jardim, estão ali a beber cerveja. Ninguém vem para aqui. Mas deviam vir aprender qualquer coisa. A música, que é a coisa mais Linda.
P: Estão e o que acha que é o futuro do movimento associativo?
António Monteiro: Olhe, minha Senhora, o futuro? O futuro o dirá, não posso adiantar mais nada.
P: E o que é que desejava que acontecesse?
António Monteiro: Ai, o que é que eu desejo para mim? Sempre o melhor, ter esta casa sempre aberta até eu morrer. Esta casa fica aberta. E se eu for na frente, a minha mulher ter força e nunca deixar de vir a esta casa, que ela também gosta muito aqui da banda. E um dia, quando eu for, levo a banda no meu coração. É aquilo que vejo, que deixo aos meus queridos, é aquilo que eu lá tenho. Olhe, fui contador do Sporting, a minha vida foi sempre a trabalhar, 45 anos a trabalhar, 45 anos a cobrar as quotas do Sporting. Andar de inverno, a chover, a nevar, a fazer sol, pelas ruas. Para o Fundão, para o Paul, Unhais da Serra, Teixoso, Aldeia do Carvalho, 45 anos. E isto porquê? Porque a vida assim dizia, temos que trabalhar para termos alguma coisa.
Meu lema foi este, tenho que trabalhar enquanto puder, enquanto puder trabalho. Cheguei aos 45 anos, fui 45 anos cobrador. Tenho lá diplomas de cobrador, tenho lá diplomas daqui da banca, tenho diplomas do Águias de Santa Maria. Tenho lá um quarto, tenho uma casa grande, tenho tudo exposto. E é isto que faz para mim. É a satisfação que eu tenho. E quando chegar ali a olhar para alguns diplomas: Águias de Santa Maria, São Pedro, Banda da Covilhã, Sporting da Covilhã, 3, 4, dador de sangue, 2. 46 dádivas de sangue. 46! Não é brincadeira nenhuma. Sinto-me feliz. Só preciso é saúde, só preciso é... Apanhei esta malandra desta doença e também peguei à minha esposa. A não é por acaso que tive sorte. Tive sorte porque eu apercebi-me de que estava mesmo doente e disse à minha esposa, eram 11, 11 e meia da manhã: eu não me sinto bem, leva-me para casa, vamos comer e vais me pôr hospital. Tenho uma grande mulher, amiga grande.
P: Imagina a sua vida sem as coletividades, ou seja, as coletividades modelaram a sua vida, a sua vida fazia sentido sem as coletividades?
António Monteiro: A minha vida foi sempre assim, eu vivi sempre a minha vida com as coletividades. Nunca deixei de ir às coletividades. Quando era cobrador do Sporting, eu corria as coletividades todas, eu ia à beira dos sócios. E então, o convívio em si, que se apanha a ligação com as pessoas, com os doutores, com os advogados, com os mais pequenos. E aí é que eu vou aprendendo, aí é que eu aprendi, aí é que me fez ser homem, foi lidar com as pessoas, lidar com os meninos. Sinto-me radiante, sinto-me radiante da maneira como isto, como esta situação está, e vejo o que isto é e como era a antigamente. Hoje em dia temos que ter muito cuidado, estamos a andar por um caminho muito difícil. E então todo o cuidado é pouco.