Item
Sebastião Augusto Conceição Mota
Nome do entrevistador/a
Joana Dias Pereira
Local
Sede da Associação Cultural da Comeira
Nome do entrevistado/a
Sebastião Augusto Conceição Mota
Data de nascimento
20 de março de 1944
Local de nascimento
Engenho, Marinha Grande
Profissão dos pais
O pai foi lapidarão e a mãe roçadeira
Escolaridade
Segundo grau.
Local de residência
Engenho, Marinha Grande
Situação civil
Casado
Filhos
Um filho e uma filha.
Profissão
Lapidário e pintor de vidro.
Locais de trabalho
Crisal
Associações em que participou
Sport Império Marinhense
Sindicato da Indústria Vidreira
ASURPI
Cargos dirigentes
Presidente da Direção, membro da direção e Presidente da Assembleia-geral do Sport Império Marinhense
Tesoureiro do Sindicato da Indústria Vidreira
Presidente da Assembleia-Geral da ASURPI
Filiação partidária
Militante do PCP.
Cargos políticos
Membro da Assembleia Municipal
Religião
Católico, não praticante.
Sinopse da entrevista
Descreve a sua participação associativa antes e depois do 25 de Abril, quer no âmbito sindical, no sindicato da indústria vidreira, quer cultural e recreativa, no Sport Império Marinhense. Conta vários episódios relacionados com a resistência e a repressão durante a ditadura, assim como com o processo de mobilização social que marca o período revolucionário. Conta também a sua experiência na guerra colonial.
Palavras-chave
Testemunho
P: Antes de falarmos sobre a experiência associativa, ia lhe pedir alguns dados biográficos para também termos a noção da sua história de vida e porque este estudo também permite fazer uma caracterização do tipo de pessoas que se dedicam às associações. Então ia-lhe pedir o seu nome todo.
Sebastião Mota: Sebastião Augusto Conceição Mota.
P: A data de Nascimento?
Sebastião Mota: 20 de março de 1944.
P: E o local?
Sebastião Mota: Marinha grande. Engenho, Marinha grande.
P: Estudou aqui na Marinha Grande?
Sebastião Mota: Segundo grau só. Comecei a trabalhar aos 11 anos.
P: Começou a trabalhar no quê?
Sebastião Mota: No vidro, aprender a pintura do vidro. Posteriormente lapidação e muito posteriormente a pintura outra vez. Foi como terminei, foi com a pintura.
P: E os seus pais também trabalhavam na indústria vidreira?
Sebastião Mota: Sim, o meu pai era lapidário.
P: E a sua mãe?
Sebastião Mota: A minha mãe, por força das circunstâncias, o meu pai morreu tinha eu 5 anos, teve de se empregar na indústria vidreira, era roçadeira. Toda a minha família era ligada ao vidro, não havia outra forma.
P: A mulher também, casou-se?
Sebastião Mota: Sim, sim. Também trabalhou na indústria vidreira. Trabalhou comigo, trabalhava comigo nos lapidários.
P: E filhos?
Sebastião Mota: Dois, uma filha de 50 e um filho de 46.
P: E o que é que eles fazem?
Sebastião Mota: Ela é comercial numa multinacional austríaca que está aqui na Marinha grande, está na secção comercial. Ele é gerente de um bar.
P: Qual foi a escolaridade que eles fizeram?
Sebastião Mota: Ela, o 12º, e depois teve que, por dificuldades... Nós na altura, eu trabalhava mais a mãe na Ivima, chegávamos ao fim do mês, não recebíamos. E por força das circunstâncias, ela teve que ir trabalhar também coitadinha. E depois tirou inglês, alemão, espanhol. E daí ter conseguido o emprego que posteriormente, conseguiu. Mas foi à força dela.
P: E o filho também fez o 12º ano?
Sebastião Mota: Fez.
P: Viveu sempre aqui na Marinha Grande?
Sebastião Mota: Olhe, eu costumo dizer minha Senhora, nascido, criado e batizado, fui à guerra e vim, durmo no quarto onde nasci. Que esta é a verdade, verdadinha.
P: Foi à guerra colonial?
Sebastião Mota: Fui, à Guiné.
P: Tem alguma filiação partidária?
Sebastião Mota: Tenho, PCP. Eu era simpatizante antes, daí fazer parte das listas do sindicato Vidreiro antes do 25 de Abril, que foram vetadas pelo Presidente da Câmara. E quando se deu o 25 de Abril, entrei logo para o Sindicato como dirigente sindical e para o partido como é óbvio.
P: E religião, tem alguma religião?
Sebastião Mota: Tenho que ser católico porque sou batizado, mas não sou praticante, nunca fui.
P: Muito bem, então estava-me a dizer que participou nas listas do sindicato Vidreiro, ainda antes do 25 de Abril, teve alguma outra participação associativa antes disso?
Sebastião Mota: Sim, sim, tinha. Na minha coletividade de sempre, de que o meu pai foi fundador, o Império, o Sport Império Marinhense.
P: O que é que o seu pai contava desse período da Fundação?
Sebastião Mota: Não me lembro. Então ele morreu eu tinha 5 anos. Lembro-me de ir com ele à primeira sede do Império, que era junto ao parque do Engenho e da minha casa, mas tenho muito pouca ideia da minha infância com o meu pai.
P: E quando é que começou a participar no Império?
Sebastião Mota: Olhe, começámos a jogar, tínhamos uma equipazinha de pingue-pongue de juvenis. Naquela altura, não é só agora é que há crises diretivas, houve tamanha crise diretiva que fecharam a coletividade. E eu lembro-me perfeitamente de ter 15 anos e ir a um diretor e pedir a chave para abrir aquilo para irmos jogar Ping-pong. E já tínhamos uma televisão e à noite abríamos, ia eu abrir. Porque a minha avó vivia mesmo pegada à coletividade e eu ia abrir aquilo para as velhotas irem ver televisão. Foi aí que começou. Depois houve direções, eu ainda estive na direção antes de ir para a tropa, numa ou duas direções. Depois, quando vim da guerra, assumi logo, fui logo posto em Presidente. E depois vêm aqueles anos de 69 com as eleições do Arlindo Vicente. Era o Arlindo Vicente e era o Humberto Delgado. E depois veio o Congresso de Aveiro de 73, em que eu participei também, mas isso... As reuniões do MDP-CDE, na Marinha, eram feitas em duas coletividades, era no Operário e no Império, porque mais ninguém dava o peito às balas. E lá no meu lugar, no dito Engenho, havia um movimento de rapazes que eram contestatários ao regime, mais velhos do que eu, mas eu cheguei a acompanhá-los. E há uma altura que vão até uma freguesia do Concelho de Leiria, que era Amor, que é aqui ao lado da Marinha distribuir propaganda do MDP CDE à saída da Igreja de Amor. O Padre [anonimizado] telefonou à Pide e foi tudo preso. Eu não fui preso, eu era dos mais pequenitos, fugi lá pelo meio das terras. Mas houve dois que foram passar ainda uns meses valentes a Caxias, essencialmente a Caxias. E pronto, a partir daí o bichinho mordeu e dava gozo na altura nós cedermos o Império ao MDP-CDE, porque sabíamos que tínhamos a PIDE à perna, mas tínhamos que fazer um documento, assinado por todos os elementos da direção para o Governo civil para permitir, dizer que era da nossa inteira responsabilidade a cedência da coletividade. O nosso salão já era enormíssimo. Mas não se podiam invocar determinadas palavras. Eles davam-nos uma lista das palavras que não podiam ser ditas. Os oradores que iam ao palco não podiam usar aquilo.
P: Que tipo de palavras? Lembra de algumas?
Sebastião Mota: Não me lembro, aquilo já era muita areia para a minha camioneta. Sei que o Doutor Vareda, que era líder daqui, mais o Doutor Vasco da Gama Fernandes, que eram os líderes do MDP/CDE e o Doutor António José Guarda Ribeiro e um economista de Ourém [refere-se a Sérgio Ribeiro], esse ainda é vivo. Esse tinha uma fluência do discurso que era um espetáculo ouvi-lo. E a gente dizia: Olha, se você vão falar de fora deste âmbito, portanto, podem falar de tudo, mas estas palavras não podem ser invocadas. Pronto, eles eram advogados, só o Sérgio Ribeiro de Ourém é que era economista, e conseguiam dar curvas àquilo tudo. Mas mesmo assim o Império, ainda antes do 25 de Abril era perseguido pela PIDE. Agora vou me reportar para o sindicato.
P: Mas não quer explorar mais aqui a questão do Império?
Sebastião Mota: Sim, eu ia falar precisamente do Império, na cedência do Império ao sindicato, numa das greves que não é nada falada. O sindicato antes do 25 de Abril já lá tinha dois dirigentes filiados do Partido Comunista infiltrados. Um agora está muito mal no hospital, que era o [anonimizado] e era o [anonimizado]. E estavam a negociar um contrato em Lisboa e pediam 100 escudos de aumento por dia, per capita. E aquilo era.... como deve imaginar. O sindicato fazia plenários na sede do sindicato, que era no centro da Marinha, aquilo dava para cem, cento e poucas pessoas e vinha a polícia de choque, quem tivesse a biqueira dos sapatos fora do arrebate do sindicato, pimba. E não deixavam ali parar ninguém. Tomámos uma decisão, tomaram eles: Vamos é telefonar para o Presidente do Império – nunca mais me esquece quem era, era o [anonimizado] – se podemos fazer lá, ir daqui para Império. E foi. Minha Senhora, eu não estou a puxar nada a brasa à minha sardinha por ser do Império, é que era a única que abria a porta era o Império. Era o Império e o Operário. As outras, pronto. Aqui a Comeira não existia.
P: Essa greve foi em que ano?
Sebastião Mota: 74. 5 semanas antes do 25 de Abril. Então vamos para a sede do Império, começa-se a constar, pimba, pimba, contactos, não havia telemóveis, agora mobilizações, sabe melhor que eu, são fáceis. Começa-se a falar, a falar... Tivemos que abrir os portões laterais, não cabia tanta gente no Império. E os gajos da PIDE que estavam lá infiltrados começaram a temer as consequências e chamaram reforços. Chamaram reforços, mas isso não obstou que se fosse avante com uma proposta.... Há um indivíduo que ainda está vivo [anonimizado]. Sobe a uma escada de alumínio que estava encostada a uma das paredes, porque andavam a ornamentar o salão para os bailes de Carnaval, e grita: Vamos para greve, amanhã ninguém pega no trabalho às 8h – Não foi a mesa, mas eu penso que aquilo já estava ensaiado – Amanhã, às 8 da manhã, ninguém pega ao trabalho. Votação por aclamação. Saímos do Império, uns em alta correria, outros não sabiam, no lugar de irem para a Marinha iam para o lado da Vieira, porque a confusão cá fora estava instalada pela polícia de choque. O resultado que se esperava, no outro dia nas fábricas ninguém pegou o trabalho. Onde eu trabalhava, na Crisal, houve um ou dois que fizeram a tentativa de ligar os engenhos lapidários, porque aquilo eram engenhos, motores individuais. Parou tudo, fomos às Mulheres da roça, parou-se o forno, pararam as fábricas todas, começaram a mandar emissários. Da parte da tarde, o calcanhar de Aquiles era o setor da garrafaria, que é este que está aí ainda hoje próspero, e de que maneira, mas eram três da tarde, estava tudo completamente paralisado, tudo. E a polícia de choque vem de Lisboa, vem o capitão [anonimizado] para aqui dirigir isso, nunca mais me esqueço. A partir daí foi recolheres obrigatórios, perseguições, pancadaria. E na madrugada de sexta para sábado, já de madrugada, a polícia de choque vai-se embora. Soubemos que tinha havido um movimento dos capitães das Caldas para Lisboa. A polícia de choque foi daqui da Marinha atrás deles. Porque no dia anterior, até determinada hora do dia, nós conseguíamos mandar telegramas de apoio para a Corporação da Indústria para Lisboa, a apoiar a Comissão negociadora sindical. Cotizávamo-nos nas fábricas, mandávamos os garotos com textos escritos. O gajo da estação dos Correios da Marinha alertou as autoridades. Pronto é tudo cortado e no sábado de manhã eram para aí 10 da manhã recebemos a notícia que tínhamos levado um aumento de 60 escudos per capita para toda a gente exceto, repare nisto, exceto, para as crianças de 12 anos e 13, que levaram 50%, 30 escudos. A partir dos 14 anos, já éramos homens adultos. Toda a gente levou 60 escudos. Isto é um introito um bocado longo para a tal participação do Império. Se não fosse o Império, isto não acontecia. Não havia hipótese de reunir as pessoas. E foi a partir daí, do Império. Depois veio o 25 de Abril e pronto, foi tudo muito....
P: Mas diga-me uma coisa, neste processo, quer na reabertura do Império, quer na cedência do Império para o sindicato, na organização da greve, qual é que foi a participação das Mulheres?
Sebastião Mota: As mulheres a nível da direção nessa altura era zero, não havia mulher nenhuma. Agora, a nível de organização de fábrica, elas tinham muita força. Na organização de fábrica não havia as células como há agora. Antigamente, podia haver meia dúzia de mulheres mais ligadas ao PCP, mas em termos de organização não havia, aquilo andava um bocado desgarrado. Mas notou-se, nesta luta que nos levou a esse aumento, quem teve, pelo menos na fábrica onde eu trabalhava, na Crisal, a preponderância, quem foi ao forno mandar parar os homens do forno foram de facto as mulheres, que subiram as escadarias: Ninguém trabalha, estamos em greve - e pronto,
eram aqueles gritos. Ali a preponderância das mulheres foi muito importante.
P: Elas também receberam um aumento de 60 escudos?
Sebastião Mota: Tudo igual, minha querida per capita.
P: Mas quanto é que elas ganhavam? Ganhavam o mesmo que os homens?
Sebastião Mota: Não, não, ganhavam muito menos e eu era para trazer a tabela número 12 do Ministério das Corporações, que eu tenho lá guardada religiosamente. Tem isso tudo definido, elas ganhavam muito menos. Depois, com o andar do tempo é que nas profissões de pintura, por exemplo.
Sebastião Mota: Por exemplo, eu trabalhava junto a quatro senhoras. Não havia quadro de idades nas categorias nem havia nada e as mulheres naturalmente eram todas deixadas para trás. Porque os homens é que, no conceito dos industriais, os homens é que eram produtivos. Mas havia e há, cada vez há mais, profissões em que as mulheres ainda produzem mais que os homens, como é óbvio. E partir daí, voltando ao Império. O Império foi... lutei e tenho lutado. Eu parece-me, parece-me não, de certeza absoluta, que terminei faz amanhã 15 dias, a minha colaboração como dirigente do Império. Porque eu fui agora nos últimos anos, muitos anos, Presidente da Assembleia Geral. Muitos problemas, à beira de encerrar, à beira disto, à beira daquilo, felizmente resolveu-se a semana passada, com a eleição de uma nova direção. E eu estou cansado porque já venci quatro cancros, uma operação ao Coração. Vou fazer 78 anos e há noite já estou bem é no meu cantinho, a ler, a ouvir música, e não a andar em confusões. Mas amanhã ainda tenho uma reunião porque o Presidente, lá está, quer pedir-me uma opinião acerca de um berbicacho que temos e eu vou ver se colaboro com ele. Colaboro sempre, agora estar efetivamente ali, porque também sou o Presidente da Assembleia Geral dos Reformados, da ASURPI aqui da Marinha, e também estava no Conselho Pedagógico da Universidade Sénior, mas pedi escusa. Mas tive o cuidado de indicar dois nomes que foram aprovados e que são duas excelentes pessoas, com licenciaturas, e que não me souberam dizer que não. Porque eu passei muito. Além do Império, foi o sindicato e os reformados.
P: Então, e entrou no sindicato em que ano?
Sebastião Mota: Em 74. Mas antes já tínhamos reuniões e clandestinas.
Joana Dias Pereira: Como é que era? Quando é que começou a participar nessas reuniões?
Sebastião Mota_ Foi logo a seguir a eu vir da Guerra. Não, foi depois, foi para aí em 68. Talvez em 68. Eu lembro-me perfeitamente das eleições de 69, da campanha. Depois tenho mais nítido é o Congresso de Aveiro, de andar a correr na célebre Avenida Lourenço Peixinho, isso é que não me esqueço.
P: Em que condição é que participou no Congresso de Aveiro?
Sebastião Mota: Assistente, não fui delegado, não fui nada. Fomos cinco amigos que fomos daqui de carro, tivemos de fugir para a Costa Nova e tivemos de dormir na Costa Nova, dentro do carro. As estradas estavam todas bloqueadas. Foi muito, olhe deu enquanto deu, enquanto eu pude. Depois com a história das doenças, é que foram dois na bexiga e extração total da próstata e agora, passado quase quatro anos, há dois anos atrás, foi-me detetado um novo tumor. Tive que ir fazer 35 sessões de radioterapia. A radioterapia manda uma pessoa abaixo. Até aqui ao cérebro/computador, vai buscar... Por acaso hoje está a funcionar bem.
P: Então diga-me lá, mas disse-me que tinha participado numa direção do sindicato ainda antes do 25 de Abril?
Sebastião Mota: Não, antes do 25 de Abril nunca participei. Participei em eleições. A lista foi proposta e o Presidente da Câmara, [anonimizado], cortou todos da Marinha por professarem ideias contrárias ao sentido de Estado, a bem da nação e uma coisa qualquer deste género. Quem não foi cortado foi o Presidente, talvez indigitado para presidente da direção esse [anonimizado], porque pertencia ao Concelho de Alcobaça e o Presidente da Câmara de Alcobaça não o cortou. Não, não, este homem é idóneo e é livre. Livres não éramos, não tínhamos nada de liberdade. Avança o plano B. Avança o plano B e o Presidente da Câmara estava a ir no mesmo sistema, cortar tudo. Neste espaço tempo de 15 dias, dá-se o 25 de Abril, avança ao plano A, do qual do qual eu fazia parte. E ainda lá estive 5 anos.
Na vida sindical passava-se semanas absolutas fora da Marinha. Não via os meus filhos, estava sempre em Lisboa. Em Lisboa negociávamos no Hotel Flórida, ali no Marquês de Pombal. Isto era cansativo, até que conseguimos o primeiro contrato coletivo de trabalho vertical em Portugal, foi o nosso, com técnicos de desenho, metalúrgicos, eletricistas, empregado de escritório, tudo. Passado um ano, não chegou a um ano, uma reivindicação da Covina. Só nomes pomposos a dar aos trabalhadores, era tudo técnicos, naquela empresa era tudo técnico. Aí a gente vai lá fazer um plenário e eu e o [anonimizado] passamo-nos dos carretos: Então vocês há meia dúzia de meses levaram 60 escudos de aumento per capita, um aumento para toda a gente, sem lutarem, e agora já querem sair do contrato coletivo de trabalho. Somos chamados a instâncias superiores. Demitimo-nos do sindicato. Eu não, eu nunca mais me esqueço disso. Eu quero ir ao Marinhense, ao Lisboa Marinha ver a bola e não quero que me chamem de traidor. Quero ir ao café e não quero que me chamem traidor. Eu sou natural da Marinha Grande, nasci lá, vivi lá, vocês estão aqui no quinto andar, sabem que o que aqui chega vem tudo deturpado. Eis o que é que eu disse.
[Reservado a pedido do entrevistado]
Aqueles candeeiros que eram feitos na Crisal em Alcobaça, vêm para aqui para a Marinha, para pintar, só 4 ou 5 pintores é que os pintávamos. Foi a única transformação que eu aceitei, foi mudar de facto da lapidação para a pintura e depois, quando a Ivima deixou de pagar salários, eu armei-me de armas e bagagens e fui trabalhar para casa sozinho. Tive a sorte de um nome esquecido da pintura aqui da Marinha, [anonimizado], que me disse: Não, tu vais para casa eu dou-te trabalho, que ele trabalhava em casa também. E foi assim a minha vida. Pronto, trabalhei, ganhava a minha vida, não era rico, mas também não estava como estou hoje. Porque hoje estou com 545 EUR na reforma, não tenho rigorosamente mais nada. Isto é a vida de um homem de 78 anos, que deu.... Mas estás bem com a tua consciência – dizem. Pois estou, então vai-te governar com a minha consciência que vez o resultado que tiras. E foi isso. No Império Intercalava, não estava constantemente na direção. Mesmo no sindicato. Cheguei a ser Presidente da Assembleia Geral do Império, enquanto estava no sindicato. Mas depois pronto, é a tal teoria, há que dar lugar aos novos. Mas os novos não aparecem e demos lugar aos novos no Império, aqui há dúzia e meia de anos, e tivemos muito maus resultados. Os novos deram cabo daquilo tudo. Ainda hoje se está a pagar a fatura do que eles se meteram.
P: Conte-me como foi a passagem do 25 de Abril no Império, nas coletividades?
Sebastião Mota: A passagem no Império aconteceu desta forma, eu tenho impressão que na altura eu era secretário. Sei que no dia 25 de Abril estava cá uma equipa do Grupo de Teatro de Campolide a montar a cena para uma peça de teatro que era Filopópus. No outro dia de manhã eu vou para a fábrica. Eu estava a trabalhar, mas tinha um rádio potente e com a autorização da administração com uma antena. Eu ouvia a BBC de Londres. Eu ia sempre às 7:30, mais cedo, porque eles emitiam às 7:30, à 1:30 e acho que era às 7:30 da tarde. Eu fui para a fábrica mais cedo e começo a ouvir aquilo, estava tudo em silêncio, os engenhos só se ligavam às 8. Há um golpe, há um golpe de Estado, começou-se a falar e pronto: Ninguém trabalha, ninguém pega ninguém…e eu pumba, para o Império, vou para o Império. Porque nessa manhã vinha de Lisboa uma camioneta com os nossos carpinteiros para montarem a cena, quando soube...Não houve espetáculo à noite, era no outro dia e teve que ser adiado, porque no outro dia toda a malta do grupo de Teatro de Campolide quis ir para Caxias, para a libertação dos presos políticos. E depois vieram, fizeram o espetáculo, aquilo foi uma euforia, não imagina, o Império, não cabia lá mais ninguém, aquilo era uma alegria incomensurável. E depois lembro-me muito bem de irmos a uma antiga pensão em São Pedro de Moel cear todos, com o grupo de teatro todo. Porque eles vinham cá muito, era o Joaquim Benite, o encenador. Eles vieram cá com o Filópopus, com o Dom Quixote outra peça. Porque nós tínhamos um grupo de teatro muito poderoso e muito famoso também na altura.
P: Então vamos lá detalhar as atividades do Império, quais é que foram as primeiras, quando reabriu?
Sebastião Mota: Ora bem, o Império, está localizado numa povoação muito sui generis, como já lhe disse que é o Engenho. Não é por acaso que se chama engenho, porque está lá implantado o parque florestal da Marinha Grande. O Parque pertence ao Ministério da Floresta. Eles andam a dizer que vão lá construir um museu da floresta, mas até ver nada. O Império, como já disse, vai fazer 100 anos, em 23. E no tempo do meu pai, e de outros amigos que o fundaram, a primeira sede do Império foi construída pelo sogro do meu pai, pelo primeiro sogro do meu pai. Porque o meu pai era casado, tinha um filho, o meu irmão, mas a esposa morreu queimada por uma faísca. Estava a fazer o almoço para ele, numa trovoada em Maio, fulminou logo. O meu irmão estava num berço ao lado, não lhe aconteceu nada. Mas o sogro do meu pai era um homem que tinha dinheiro e construiu, que não haja dúvida nenhuma que foi construída de raiz, ao lado da moradia dele, mesmo ao lado do parque do Engenho, um edifício de primeiro andar para ser a sede do Império, com o salão de baile, um corredor ao fundo com os gabinetes da direção, as casas de banho e uma escada em madeira para o bufete, porque a gente chamava o bufete antigamente. E é aí que funcionou o Império nos seus primeiros anos. As festas do Império do aniversário de São João eram feitas dentro do parque do Engenho, que mais ninguém aqui na Marinha tinha a capacidade daquilo. Já nesse tempo, os próprios serviços florestais tinham uns arcos em madeira, com luzinhas às cores. Isso eu lembro-me bem, de ver lá dentro das arrecadações, quando era pequenito e ia para lá brincar. A estrada do Engenho daqui do Largo do Luzeirão, por trás da Câmara, até à entrada da Mata, era tudo enfeitado com esses arcos. E as festas do Império passaram a ser feitas dentro do Parque do Engenho. E posteriormente cá fora, mesmo em frente à sede, porque aquilo são largos com árvores. Está lá uma fonte feita na altura do portão do engenho de 1850, com uma pedra enorme em granito.
E o Império já tinha ping-pong nessa altura. Há documentos e provas que mostram que nessa altura já tinha sido campeão distrital de ping-pong. Creio que em 1952 ou 1953 foi campeão do distrito Leiria. E depois tinham as tais contradanças, que era, eu tenho fotografias disso também na Casa do Império, também lá estão expostas, e teatro. Mirou-se sempre, sempre, sempre para a cultura. Na sede do Império, não havia espaço para ensaiar, mas tínhamos um amigo que tinha comprado uma fábrica que era da Philips. A primeira fábrica que a Philips, além da Holanda, montou na Europa foi aqui no engenho, que era a FAPAIX, que depois foi para Moscavide. Não sei se ainda existe em Moscavide se não. Aquilo tinha um salão, um barracão grande e era lá que o Império ia ensaiar as peças de teatro, muitas, muitas, muitas, peças de teatro. Aliás, há uma senhora que é secretária do La Féria agora no politeama, que a origem dela de teatro foi aqui no Império. Ela lá não faz teatro, é secretaria, faz parte da produção. Depois o Império teve Voleibol, Andebol, várias atividades. E começa-se a construir a sede atual, tudo ali pá pica, desde os garotos. Ali não havia diferença de idades, uns faziam umas tarefas, outros outras e foi-se construindo. Construiu-se um salão, não havia dinheiro para pôr janelas, pôs-se plátex a tapar para não haver corrente de ar.
P: Isso foi em que ano, a nova sede?
Sebastião Mota: Ora isto ronda 1960. Quando se começou a iniciar, eu devia ter uns 12 anos por aí assim, a partir de 1955. Começou-se a iniciar, foi em fases distintas, era só do dinheiro dos sócios e peditórios que se faziam. Entretanto, temos uma ajuda tremenda dos serviços florestais. Fomos falar lá com o engenheiro Amaral, que era um homem que superintendia toda esta desgraça e que desapareceu, que foi à mata e cedeu-nos todo o vigamento e todo o parquet, o que já era um luxo, aplicar parquet no chão. O Salão, eu acho que tem 16m por 35m, não 16m por 80m. O salão é enorme. Olhe sinceramente, nunca soube, nunca interiorizei quais são as medidas do Salão do Império. Foi-se construindo depois um palco, com a base em Madeira, mas à frente, a boca de cena, tudo em platex, tudo improvisado. Um bar ao fundo e tal, vivíamos assim. Fazíamos grandes festivais, até que aparece lá um rapaz como Presidente que teve ideias mais alargadas. É um proscrito, quase que é um proscrito, porque deixou as dívidas para os outros. Mas isso tudo se pagou. Mas a minha mantém-se. Se não fosse ele, o Império não tinha estas instalações, porque tem lá umas instalações... Temos dois bares, os bares têm o dobro deste salão. Temos um no primeiro andar e outro no rés chão. Depois temos o salão e ainda temos outro piso por cima, onde temos a sala de dança. Tínhamos grupos de ginástica, tínhamos as atividades, o teatro nunca morreu. Entretanto, as coisas foram naturalmente desaparecendo. As pessoas do Engenho foram também desaparecendo e o Império foi circundado por prédios de gente que vem de fora, que não é assim bairrista aqui como é a Comeira e outros lugares da Marinha. O Império está situado numa estrada que vai da Marinha para a Vieira, é um centro de passagem. A sede inicial era no centro do Engenho, junto ao parque Florestal. Agora não, agora está mais para Sul. E pronto, tem tido muitas dificuldades, mas o teatro ainda está vivo e é a única coisa que se pode dizer que neste momento está vivo no Império. Mais limitado, derivado da época que vivemos e pronto. Tirando isso, alugamos o salão para muitos eventos, muitos, muitos, muitos, que é o que nos mantém. Porque tínhamos um problema, é que gastávamos mais de 1000 EUR por mês numa funcionária que admitiram a contrato, com todos os encargos sociais, com tudo. Não sou contra a Senhora, o Império é que não lhe podia pagar. E os indivíduos que cometeram aquele erro, são dos tais que assumiram uma situação que não ponderaram bem. Conseguimos resolver o problema com ela, olhe, com a ajuda da pandemia. Aquilo fechou, ela foi para o fundo de desemprego. A gente propôs-lhe dar-lhe, enquanto ela andasse no fundo desemprego, o complemento de ordenado, para ter o ordenado completo e acho que já não se deve nada e a senhora vai para a reforma. Agora quem abre o Império são os próprios dirigentes, não todos os dias. Nós tínhamos tudo, seguros e caixa de previdência, tínhamos tudo, e isso custava-nos um balúrdio que a gente não tinha. O bar não tem movimento suficiente, porque o Império foi rodeado de bares, estão lá meia dúzia deles, e as pessoas dispersaram, uns para um lado outros para outro. Olhe, vamos, vão mantendo aquilo. O meu neto, por exemplo, anda lá, porque há uma rapariga que alugou-nos, já há uns anos, uma sala um bocadinho mais pequena que esta onde dá explicações. Essa está lá todos os dias. E alugamos aquilo imenso, a casamentos, batizados, festas...
P: O senhor Sebastião fez teatro?
Sebastião Mota: Só tive jeito para uma coisa, para ser ponto. Não tive jeito para mais nada. Eu fiz uma vez uma peça qualquer. Lembro-me perfeitamente de um colega que saiu a chorar de cena - a própria cena fazia chorar. Sai da cena e nos bastidores vimo-nos aflitos para o calar, para o consolar, para parar de soluçar, ele soluçava, soluçava. Mas de resto não tive jeito nenhum. O Império teve uma coisa muito boa também, que foi a revista à portuguesa, com as piadas locais, como é óbvio, escrita por autores lá do Engenho, que era o Arnaldo Cruz, que era barbeiro, o Padre Manuel e o Fernando Luz. E foi isso de facto que manteve o Império.
P: Havia muita gente ali do Engenho a participar no teatro?
Sebastião Mota: Muita, muita. E nas marchas! E na ginástica! O Império todos os anos ia à Sportinguiada, convidado pelo Sporting, às vezes tinham de ir dois autocarros, porque um não chegava. Mas eu veio-me agora à memória aquilo que eu lhe queria contar de antes do 25 de Abril. O Império tinha uma iniciativa, que era a Caravana da Amizade. A Caravana da Amizade, isto antes teve outro nome, mas a pide marrou. Porque a gente fazia uns prospetos a anunciar e era normalmente no dia 10 de Junho. Nós íamos para a mata, para a fonte das canas de bicicleta. Cento e tal bicicletas, com umas carrinhas de apoio com as pessoas mais de idade e com os morfes. Não havia discursos políticos, não havia nada, era só uma questão de camaradagem. Lá está, não podíamos empregar a palavra porque camaradagem era proibido. E chegámos a ser apoquentados por causa da Caravana da Amizade. E fizemos anos, anos, anos seguidos. Entretanto, outras coletividades começaram a fazer, a Ordem e o Casal Galego. Isto não há bairrismo nenhum aqui. Para mim são todos iguais, mas o que foi o facto é que foi o Império que deu pontapé de saída com muitos anos de antecedência. E isso enraizou-se na população do Engenho e toda a gente queria ir de bicicleta para a Fonte das Canas. Íamos por estradas da mata, estradas secundárias. Íamos conviver, levávamos os farnéis. Havia os mais cultos que diziam algumas coisas para a coisa também não ser em vão, mas não se podia também abrir muito, porque a gente infelizmente naquela altura não sabíamos quem é que andava no meio da gente, sabe? Porque tive isso no sindicalismo, tive isso no associativismo, tive isso na fábrica – bufos a controlarem. E depois, a partir das eleições de 1969, acentuou-se mais a perseguição. Mas muitas pessoas iam inocentemente. Eu também comecei a ir inocentemente, mas vi: Não, isto tem uma finalidade, é convivermos e elucidarmo-nos uns aos outros para procurarmos trocar impressões sobre o que estava bem, o que estava mal, não só no clube, como no lugar. E isso despertou o interesse à PIDE também.
P: Acha que essas iniciativas foram importantes para a consciencialização política?
Sebastião Mota: Foram, sem dúvida, foram, foram. Foram, porque embora praticássemos jogos tradicionais para matar o tempo, ia-se à praia, dava-se banho, vinha-se, almoçava-se e depois as pessoas mais de idade falavam sobre o clube e metiam umas farpazinhas. Porque as pessoas também tinham muito medo, como é óbvio, tinham de acautelar. Porque a PIDE aqui na Marinha... não era tudo perfeito também. Também havia ali muito, então nos locais de trabalhos. Infelizmente, aconteceu muito. É assim que me lembro grosso modo da atividade antiga do Império. Depois houve aquelas modalidades desportivas passageiras, o box, aquilo não se chamava box, era outra modalidade. Disputaram aí campeonatos nacionais, mas passado dois anos morreu tudo. Eram coisas sem continuidade, depois vinha outra direção, com outro iluminado e lembrava-se de: Olha, vamos fazer isto. Tivemos uma boa equipa de andebol, não tínhamos era estrutura para seguir. Foi tudo para o Sporting Clube Marinhense que já tinha pavilhão. Nós tínhamos que treinar na rua, à chuva e ao frio. Chegávamos a ir jogar à Maceira, em Leiria, e claro o que é que nos acontecia. Tínhamos de pedir para nos irem lá pôr, nós nem bicicletas tínhamos. A maioria de nós nem bicicletas tinha e íamos lá, na altura tivemos que vir a pé porque o homem que lá nos foi por com uma carrinha esqueceu-se de nos ir buscar. Tivemos que vir a pé, cheios de fome. Tivemos uma boa equipa de voleibol. Daí foi um para o Benfica, foi Internacional do Benfica e ainda cá está, é o Moisés Nobre. Tínhamos Atletismo. Eu não tomei apontamentos nenhuns e agora isto é que está a vir-me à memória. O Império tinha uma grande prova anual de atletismo que era chamada volta aos Sete. Tínhamos uma equipa com rapazes e raparigas, alguns trinta a competir, mas depois as pessoas vêm com novas ideias, uns cansam-se, outros desistem. E depois, como sabe, as questiúnculas de bairro também são mais que muitas. Por vezes, um indivíduo sacrifica-se, trabalha, trabalha, trabalha e ainda é criticado e mandado abaixo.
Ficheiro de áudio
MVI_0667.m4a
Transcrição
P: No 25 de Abril o Império não esteve envolvido em nenhum daqueles movimentos de auto-organização, para o saneamento ou...?
Sebastião Mota: Teve, havia as comissões de moradores. Que eu me lembre, depois do 25 de Abril, era na noite do 25 de Abril, o Império chegou a participar, porque a Câmara desafiava as coletividades, num cortejo rumo à praça para nos juntarmos à meia-noite. E eu lembro-me que o Império levava cortejos a pé que era um espetáculo e com música. Juntavam-se meia dúzia, porque lá no nosso lado houve sempre o hábito de conjuntos, música de baile, nns a tocar trompete, outros a tocar saxofone e a gente vinha a marchar por ali acima. E foi lindo enquanto durou.
P: Foi criada alguma comissão de moradores lá no Engenho?
Sebastião Mota: Foi, foi. Sempre houve comissão de moradores.
P: E o que é que fizeram lá o Engenho?
Sebastião Mota: Fizeram as coisas essenciais na altura, auxiliavam a Câmara e a junta nalgumas tarefas, mesmo as pessoas a trabalharem. Não podia ser durante a semana, mas trabalhava-se ao sábado e ao domingo.
P: O Sr. Sebastião participou?
Sebastião Mota: Não, porque eu nessa altura estava praticamente fora da terra, tal como lhe disse, estava no sindicato. E lá vou eu outra vez para a parte do sindicato. Antes do 25 de Abril, havia cinco - Lisboa, Porto, Marinha Grande, Aveiro e Figueira da Foz. Fundimos tudo no sindicato dos Trabalhadores da Indústria vidreira, que ainda existe hoje. Eu por acaso até era o tesoureiro do sindicato, por isso é que estou rico. Comprámos dois apartamentos na rua da Firmeza, no Porto, e mandamos tirar as paredes de dentro para ficar com uma sala boa de reuniões. Porque a sede do sindicato Vidreiro do Porto era num vão de escada na rua da Santa Catarina. Estava na rua mais famosa, mas não tinha condições nenhumas. Comprámos as atuais instalações na calçada da Estrela, em Lisboa (entretanto já compraram outro) e comprámos esta sede aqui na Marinha. A delegação da Figueira da Foz deixou de interessar e ainda tínhamos a de Oliveira de Azeméis. Em Oliveira de Azeméis criaram-nos problemas de toda ordem, de nos quererem matar. Eram populações não tinham nada a ver com o vidro, da indústria de chapelaria, essencialmente mobilizados pelo [anonimizado], que era o dono do Centro Vidreiro Norte Portugal. E passámos bem, andámos a fugir à frente de tiros. E há um episódio que nunca mais me esqueço. Íamos daqui de madrugada, de táxi, para fazer um plenário no Auditório da escola Industrial de Oliveira de Azeméis. Tínhamos autorização do diretor, do Padre, que tinha dito: Não Senhor, isto está cedido. Chegámos lá e havia gente à nossa espera, numa bomba de gasolina antes de Oliveira de Azeméis. Eles perguntaram e nós respondemos: Nós vamos de táxi. Mas nós estamos a responder que vamos táxi para sermos atacados ou quê? A gente andava assim. Parámos e vêm dois que nós conhecemos: Fugi já para o Porto, fugi já para o Porto, vocês não podem voltar atrás, fugi para o Porto. Então vamos fugir para o Porto porquê? Eles deram cabo do piano todo. Deram cabo do piano... – pensámos que fosse no ginásio da escola, onde ia ser a reunião. Estão, eles deram cabo, que paguem. Mas o piano era o nome, era a alcunha, de um delegado sindical nosso. Deram-lhe com uma corrente na cara, que lhe deu cabo da cara toda. Já estava para o hospital. E a gente ignorava que ele tinha a alcunha de Piano. Olha, deram cabo do piano que paguem, e não conseguimos fazer o plenário. Depois decidimos: Fechamos a sede de Oliveira de Azeméis. Quando vocês precisam de reunir,, Oliveira de Azeméis vai reunir ao Porto. Temos condições, metem-se num táxi e vão ao Porto. O nosso sindicato era poderoso na altura. Nós tínhamos uma caixa de previdência própria. Era a Caixa de Previdência do Pessoal da Indústria Vidreira. Os trabalhadores descontavam +1% por mês para ter direito a medicamentos e tudo mais. E o que é que, antes do 25 de Abril, nesses anos antes, o que é que essa gente fazia ao dinheiro? Compravam imóveis na Avenida de Roma. Eu cheguei a andar, eu com técnicos, a ver os bens que o Sindicato tinha. Mas a Caixa do pessoal da Indústria Vidreira só funcionava com o aval do sindicato compreende? Mas que é isto? Meia Avenida de Roma, prédios degradados, para que é que a gente quer isto? Entretanto, houve alguém que se encarregou de ficar com aquilo tudo. Foi o presidente da caixa de Previdência daqui da Marinha Grande, na altura, que era o [anonimizado], açambarcaram tudo da Caixa Vidreira para a Caixa Nacional de Pensões. Ficámos a zero. Nós tínhamos património e ficámos sem nada, tanto que em Lisboa estamos muito bem instalados também.
P: Quais é que eram as suas responsabilidades no sindicato?
Sebastião Mota: Era tesoureiro. Fui sempre tesoureiro. Era tesoureiro, mas tenho que dizer que tinha um economista e um chefe de serviços atrás da Secretária que me punham a papinha toda na frente e me explicavam tudo. E eu assinava como é óbvio, quando não tinha capacidade para, como é que se chamavam, os balancetes analíticos e aquelas coisas toda. Eu não tinha capacidade para isso, mas tinha confiança nas pessoas que trabalhavam comigo. O nosso economista e técnico de contratação era o Amândio Teixeira Cardoso. O nosso advogado aqui na Marinha era o doutor Guarda Ribeiro, outro homem de excelência e muito sério. E era assim que nós trabalhávamos.
P: E depois intervinha em termos de mobilização?
Sebastião Mota: Sim, sim, ia a plenárias às empresas. Por isso é que eu dizia, minha Senhora, nós tínhamos sedes em Lisboa e no Porto, tínhamos diretores a tempo inteiro em Lisboa e no Porto, mas para apagar fogos tinham que ir os bombeiros aqui da Marinha.
P: Quais foram os fogos que teve que apagar?
Sebastião Mota: Olhe, uma vez na Covina, estávamos lá em Santa Iria da Azoia, lá na coletividade local a fazer um plenário, e lá aquela rapaziada do MRPP tenta invadir o plenário, e ainda nos mandaram pedras. Outra vez, foi na Voz do Operário. Nós estávamos atacados pela esquerda, pela direita, pela extrema esquerda, não havia ninguém que não chutasse na gente, mas a gente chegava para isso tudo. Na escadaria da Voz do Operário, há um gajo que vem para mim e que me diz, eu não sei o que é que ele me disse. Mando-lhe um sopapo, só o vi dar a cambalhota. Isto tinha que ser assim. E depois, procedimento incorreto. Querem que nós sejamos Jesus Cristo. Leva numa face oferece a outra. E eu não prestava para essas coisas. Por isso é que olha: Já tens 5 anos disto, já aprendeste o suficiente, vai lá para o teu Engenho trabalhar, trabalhar e não era brincadeira, das 8 da manhã às 8 da noite, que éramos obrigados. Estou a mentir. Isso foi antes do 25 de Abril, trabalhar-se até às 8 da noite. Fazíamos 11 horas por dia, tínhamos 50 minutos para almoçar. Que era das 8 ao meio-dia e meia hora. E da uma meia às 5. Parávamos para tomar uma buchazinha, um quarto de hora, e depois até às 8.
P: Diga-me uma coisa, havia algum tipo de solidariedade informal nas fábricas, por exemplo, grupos de doentes. Tenho ouvido em algumas regiões do país?
Sebastião Mota: Havia, havia, antes do 25 de Abril. Havia uma coisa que se usava aqui muito na Marinha, que era as subscrições. As subscrições a favor de....
P: Como é que funcionava?
Sebastião Mota: Era andar a pedir com uma lista, o nome. Quanto é que dás? 25 tostões, tal, tal, tal e depois entregar à pessoa. Olha, o resultado é isto. Quando havia alguém que precisava, nós tínhamos conhecimento, porque naquela altura nem havia oportunismo. As pessoas nem sabiam ser oportunistas. Eram pessoas sérias que tinham a confiança da Comunidade e pronto trabalhava-se assim. Agora, infelizmente... E tínhamos também, como eu disse há pouco, a Caixa Sindical de Previdência que pagava-nos os medicamentos na íntegra.
P: E quando estavam doentes, pagava o ordenado?
Sebastião Mota: Não, não.
P: E havia ajuda entre os colegas nas fábricas?
Sebastião Mota: Era só entre os colegas, a empresa não pagava rigorosamente nada.
P: E essa ajuda entre os colegas era só estas subscrições ocasionais ou tinham uma coisa mais formal?
Sebastião Mota: Não era só estas subscrições. E não era só para aí, até para os presos políticos. Eu participei em dezenas e dezenas de peditórios. Tinha que ser, não se nega. Havia uma tática, havia um homem que nós tínhamos muita confiança, havia vários, mas um era o Manuel Baridó,
o sítio preferido dele, para nos encontrarmos com ele, para lhe levar os 100 ou 200 mil reis, era no café dos ricos, na Marinha, no café cristal. Era onde parava o Presidente da Câmara e essa canalha toda da pide. E aí eu: Ó Manel estás-me a mandar aí ter contigo ao café? – a horas diferentes, não íamos todos juntos. Estás-me a mandar ir ter contigo ao café Cristal? Não te rales, ali é que funciona bem, estamos protegidos. E são histórias.
P: E Imprensa clandestina antes do 25 de Abril?
Sebastião Mota: Havia o Avante só. Eu recebia, chegava-me a chegar às mãos dentro de uma cana, uma cana assim, enroladinho lá dentro, parecia o testemunho daquela prova de atletismo, passar o testemunho. Isso era o que me acontecia. Eu na minha secção, na altura já éramos 75 lapidários, fiz-me assinante da República, era o número 21. Levava-a para casa, pagava 25 tostões e eu não tinha muito dinheiro. Não tinha muito dinheiro, não tinha nenhum dinheiro, todo o dinheiro do ordenado tinha que o dar à minha mãe. Lia-o de fio a pavio e no outro dia levava-o para a fábrica. Toda a gente lia a República. Foi um serviço que eu fiz. Gente com mais poder económico que eu não fazia isso de certeza absoluta. Não faziam, nunca fizeram, nunca tive conhecimento. Mas lá está, como costumo dizer, nessa altura dava gozo. Eu não sei se o termo será o indicado, mas eu penso que dava gozo um gajo lutar, ter com quem lutar. O que é que se faz agora? Chamam-se nomes aos políticos, bate-se nos polícias, os polícias nem batem nas pessoas. Antigamente era o contrário. O 28 de Outubro por acaso este ano foi comemorado, foi criado aqui um grupo de que eu faço parte também, o Grupo Antifascista Frente 18 de Janeiro.
P: Isso foi em que ano?
Sebastião Mota: Isto foi em 73. Que eles vêm aqui com a intenção de prender a juventude, os jovens mais ativos. Ali, conhece a Marinha? Está a ver onde está a estátua do vidreiro (está agora aí uma polémica por causa disso, parece que a vão mudar para o lado), em frente há um edifício, havia ai um banco, um grande café, que era o Panorama, ainda ali está uma casa de modas, que é o Sonho da Moda? Começámos a arrancar, só custou a arrancar o primeiro paralelo, daqueles quadrados. Ai, eles deram, mas você pensa que eles não foram bem aviados para Leiria? Ai foram, foram. É evidente que prenderam um ou dois bodes expiatórios, os mais ativos. No outro dia é julgado um aqui na Marinha. Bloqueamos logo a Marinha toda, ei meu Deus. E quando me vêm dizer, olha que Fulano, e vieram-me dizer a mim. E eu não tinha responsabilidades políticas nenhumas, não era controlado, bom era controlado no mínimo, fazia aquilo que me orientavam, mas diretamente do Partido Comunista não, era sempre por interposta pessoa. Vieram-me dizer que fulano foi visto atrás do Tribunal a falar com o Pinto Galante. O Pinto Galante era o diretor da PIDE de Leiria. Isso para mim foi uma faca no coração. Depois constou-se. Depois vínhamos de uma reunião da intersindical com o Presidente dos Metalúrgicos ao meu lado, chegámos às Caldas parámos, quando vínhamos à hora do jantar parávamos num snackbarzinho para comer um bifinho lá na frigideira, e começámos a encontrar pessoas da Marinha: Olha, mas a Marinha deslocou-se para aqui hoje, o que é que se passa? Era malta, gente do partido e do MDP/CDE, porque o [anonimizado], que ia no táxi comigo, que era Presidente dos metalúrgicos da Vieira, era o [anonimizado] da PIDE. E depois, confessou também: Olha, o [anonimizado] também dá informações. Isso já a gente sabe, porque o [anonimizado] era do sindicato e era da caixa de Previdência. Foi expulso de tudo. Mas ainda houve quem passado uns dois ou três anos, quem quisesse reavivar a Memória. Foi o [anonimizado], que era do PS. E eu disse-lhe: Olha doutor, não penses em fazer uma coisa dessas, é um erro político terrível. Queria dar o nome dele a um salão no Operário. E eu assim: Então dá o nome de um homem que traiu tudo? Ele tratava-me por senhor, ele era filho de um dono de um café aqui da Marinha. Oh Mota, eu estive a pensar melhor, você tem razão. Opá, esqueça, deixe estar isso no baú do esquecimento. Esqueça, não se meta nisso. Que a gente não sabia, não sabia o que é que saía. E a mim saíram-me algumas. Felizmente nunca fui preso, mas estive nessas tais reuniões preparatórias para a reunião da direção dos sindicatos antes do 25 de Abril. Eu cheguei a ter que fugir de motorizada, que eu chegava a Casa lá nos subúrbios do Engenho e via o carocha da PSP escondido, o carro da polícia. E não havia telemóveis para falar à mulher nem nada, era uma aflição. Eu ia para a Vieira com o [anonimizado], coitadito já morreu, cada qual na sua motorizada dormir a casa da sogra dele. Mas pronto, além disso eu estive preso depois do 25 de Abril. Numa reunião na Barbosa Almeida, em Avintes, quando o Presidente da região Militar do Porto era o [anonimizado], um facho. Entendem que a gente estava a fazer campanha subversiva, isto depois do 25 de Abril. E chama a gente, manda a gente, tropa, numa carrinha para o quartel-General do Porto. Os senhores ficam aqui em reunião permanente, estão em reunião permanente comigo. Estivemos lá dois dias e meio primeiro que fôssemos libertados. Esta não lembra a ninguém, esta, por isso é que festejas hoje o 25 de Novembro. Não me esqueço destas coisas todas. Isto tudo já estava a ser orquestrado aos poucos. E esta é a história da minha luta, já pareço o Raul Solnado [ri-se].
P: Diga-me, houve uma parte que não falámos, e podemos não falar, mas é a participação na guerra Colonial
Sebastião Mota: Sim, sim.
P: Houve uma pessoa que eu entrevistei aqui outro dia que disse que mesmo lá criou grupos de futebol, procurou de alguma forma promover algum relação.
Sebastião Mota: Sim, sim. Eu tenho fotografias e tenho a faixa de campeão da região leste de Bafata de futebol de Salão. Tenho a faixa de campeão. E está emoldurada, protegida com vidro. Tenho lá na cozinha independente onde como. O que é que a gente lá faz? Ainda faz hoje oito dias, fui daqui com quatro amigos à Lourinhã, a casa de um camarada que esteve comigo na Guiné. Produz bens agrícolas e vinho e tudo: Epá venham cá. E vai lá a uma praia, não sei se já conhece a praia da areia branca, pelo menos já ouviu falar. Ao lado há uma praia selvagem que é Paimogo. Aquilo dá do bom e do melhor, navalheiras e polvos e moreias e ele pôs lá um banquete para a gente. E eu disse, disse aos outros que estavam: O [anonimizado] passou três meses no Mato sem vir ao quartel. Eu passei os 22 meses no quartel, eu nunca saí porque eu era escriturário. Mas não tinha nada que ir para a Guiné eu. Eu tinha que ser livre da tropa por amparo de mãe. Como o meu pai faleceu, a minha mãe foi-lhe detetada a angina do peito, sofria muito com aquilo e estava proibida de trabalhar. E eles levam-me. Tiro a especialidade. Vou para o quartel-general para Tomar, estava muito bem no Conselho administrativo rodeado de gente excecional. O Presidente do Concelho de Administração era um coronel muito amigo do meu chefe de secção de pintura aqui na Marinha, que era o senhor [anonimizado]. Eu estava ali, era jogar ping-pong e futebol salão. Até que me vêm buscar de Castelo Branco e já não pude voltar. Despedi-me da minha mãe por telefone. E como imagina, um homem fica completamente esfrangalhado. Lá vou eu com o Capote para Castelo Branco. Cheguei a Castelo Branco não era nada disso que me tinham dito. O embarque foi passado um mês. Podia ir para casa 15 dias. Mas eu devia ser livre por amparo de mãe, mas mesmo assim na tropa eu fui roubado, fui raptado, porque eu e mais nove, fomos para o quartel-general. Eu não era o primeiro, mas era o segundo e começo a ir à frente do quinto, do Sexto e do Sétimo, que estavam atrás de mim na classificação.
E depois na Guiné é que eu percebi como é que se faziam as maroscas. Os primeiros sargentos eram os gajos que ganhavam mais dinheiro daquilo. Houve um gajo que eles mandaram embora, a troco sabe-se lá de quanto, e foram buscar-me a mim. E eu fui, estive lá. A única coisa que me resta é que nunca ninguém desconfiou de mim, nem na vida civil nem na vida militar, porque os relatórios secretos era eu que os fazia com o capitão. Os dois sozinhos num gabinete, como estamos os dois aqui. E o primeiro sargento nunca pôs o olho naquilo. Mas eu dizia-lhe assim: Oh General, quando eu cheguei a Castelo Branco e me apresentei você me perguntou, de onde é que tu és rapaz? Sou da Marinha Grande meu capitão. Opá, já só me faltava isto. Eu disse isso? Então não disse, não se lembra? Não, nós tínhamos muita intimidade, agora ele era General. Aliás, lá em Bafatá o nosso esquadrão tinha dentro do aquartelamento um ringue em cimento para jogar. Eu cheguei a jogar ténis com bolas da Dunlop, raquetes da Dunlop e redes da Dunlop. Deu-se o dia que eu jogava ping-pong e sabia a marca das coisas porque a maioria da rapaziada que lá estava não sabia nada daquilo e depois lá está a tal história, em terra de cego quem tem um olho é rei, brilha-se sempre, não é? Já se sabe, agora a raquete já sabe dar, embora o ténis de mesa seja muito diferente, mas há as noções. Eu gostava muito de andar pelas tabancas. Nunca provoquei ninguém, nunca chateei ninguém. Mas havia lá...eu fui mobilizado de Castelo Branco e 70% da unidade era gente das Beiras. Gente que o melhor que lhes aconteceu foi darem-lhes um colchão de luso-espuma na Guiné para dormir e terem garfo e faca e prato à frente para comer. Que aquilo era gente que vivia, coitados andavam lá nos campos, na pastorícia e pouco mais. E depois havia os outros os mais vivazes e, peço desculpa os mais xicos espertos, que eram os de Lisboa. Mas tenho grandes amigos. Havia lá um que estava de técnico de som na noite do 25 de Abril no Rádio Clube Português, o [anonimizado]. Esse gajo... adoramo-nos um ao outro. E morreu há pouco tempo um da Amadora. E é isto, você falou-me da tropa e os grandes amigos que eu tenho são da tropa. É que a gente vai lá, estamos ali dois anos a gravar aquilo no Coração. Como é óbvio, há lá outros que eu quase não os conheci. Eu tinha o meu núcleo de amigos, todos fazemos, é na escola, é em todo lado. Ai vínhamos cá abaixo, porque Bafatá já tinha três restaurantes, e vínhamos cá abaixo, quando tínhamos dinheiro para comer e tal. Eu ai ia tendo um problema, olhe foi um rapaz do Diário de Notícias que o teve, o [anonimizado], nunca mais me esqueço, já morreu. Era tipógrafo no Diário de Notícias. Quando a comida não agradava, a gente tinha que se manifestar. E eu sabia que tanto o praça, que tinha tanta verba para a alimentação diária como o General, o Governador General, era o Shultz na altura, depois já foi o Spinola. Tinham 24 escudos, o soldado tinha 24 escudos também. Porque é que os oficiais e sargentos têm messes e a gente ia.. eu aí meti a minha colherada por ser da Marinha, ser refilão, levava já um bocado da injeção da vida e há um sábado que nos servem arroz de caril com atum. A gente já não podia ver aquilo. Eu ainda estava na Secretaria. Eu normalmente ia sempre, tinha que fazer a ordem de serviço atrasada, mas guardavam-me a refeição. E chega lá um barulho e o capitão não estava. O que é que se passa? Epá, há um levantamento de rancho, vou já para lá. O Alferes, por acaso hoje é muito meu amigo, meu e dos outros, naquele dia, nunca mais me esqueço, que foi no dia 20 de maio de 1967, um sábado ao jantar. Ele puxa da walther: tau, tau, tau.
A malta gritava: Não presta! – a bater tachos, porque pegada ao nosso quartel havia o comando do agrupamento onde estava um coronel. O alferes [anonimizado] (angolano, preto, professor e um gajo com uma classe, da área do MPLA, do Agostinho Neto), começa a levantar a voz e começam-lhe as terrinas a cair nas trombas e na farda, ele era um homem de arroz. Tudo para as casernas sem comer. No outro dia de manhã, eram sete da manhã, era domingo. Domingo para quem estava no quartel, porque para quem andava no Mato não havia domingos. Uma dornier a esta hora? Dornier são aqueles aviões pequenos com três gajos, o piloto e três gajos de gabardine, isto é uma vergonha, óculos escuros e chapéu, em Bafatá que às 7 da manhã já fazem uns 30 e tal graus de calor. Pimba, Pimba, interrogatórios, interrogatórios e interrogatórios. Como é que começou? Chegaram a esse [anonimizado] não sei como. Foi para o Paiol da Pólvora preso e no outro dia para Bissau. Esteve preso em Bissau, mas depois não conseguiram encontrar provas. Mas ficaram lá e foram os dois de Lisboa. Foi o [anonimizado], que trabalhava numa loja de modas em Alcântara, e o [anonimizado]. A senhora não se admire de eu me lembrar dos nomes deles todos. Estão todos aqui. Era todos os dias dois anos ali com os mesmos nomes. Já morreram ambos. Ficaram lá.
Eu tenho um grande amigo, ali de Aveiro. Tenho lá dois, mas o [anonimizado] tem 80 anos e é professor doutor. Ele foi professor na universidade de Cambridge, de Lisboa, do Porto e de Aveiro e tem um gabinete de estudos da mineralogia da Ria de Aveiro. É ele que dá assistência, estuda a Ria de Aveiro. É evidente que está cheia de engenheiros. Agora eu assim: Então Lages, mas ainda trabalhas. Epá, trabalho. Mas ele ao pé de mim, parece meu irmão mais novo, com 80 anos. Um homem Atlético que fez sempre desporto, era bruto como um raio a jogar à bola, mas isso era elas por elas. E foi com esta gente que eu vivi, convivíamos muito. O futebol de salão então era a paixão que havia. E em Bafatá o Sporting Clube de Bafatá já tinha já tinha uma piscina, um cinema e um ringue. E o ringue quando chovia muito era outra piscina. Eram duas piscinas no Inverno, no tempo das chuvas, das monções. E nós fazíamos muito futebol de salão. Depois também joguei aqui nos veteranos aqui do Estrela do Mar, joguei aqui muita vez neste campo. Ainda joguei 35 anos à bola na Comeira.
P: E diga-me uma coisa, teve alguma responsabilidade na autarquia ou na Junta de Freguesia?
Sebastião Mota: Estive na autarquia. Fui deputado municipal. Mas depois era muito, eu não tinha tempo, queriam-me. Porque naturalmente sabe, quem está à frente de uma coisa, normalmente é empurrado para outra. Este gajo está-se a safar ali também é bom para acolá. E eu ainda estive em dois ou três mandatos na Assembleia Municipal. Depois, houve um certo divórcio. Sou militante do
Partido, não renego nem nunca renegarei, mas não sou praticante.
[Pede para desligar]
Sebastião Mota: Eu nunca mais tinha falado com o homem, quando o Jerónimo de Sousa veio à Marinha Grande. Esperei que ele saísse, desse uns beijinhos. Então estás bom Jerónimo? Então como é que estás? E o Pina, tens visto o Pina? Eu já estive em casa dele lá em Benavila. Olha, amanhã tenho um comício em Avis e vou estar com o Pina. Então olha, dá-lhe um abraço. Algumas pessoas daqui da Marinha vieram logo a correr. Não sei se estavam com receio de alguma coisa que eu estava a contar ao Jerónimo Sousa, mas eu estava a única e exclusivamente a falar de coisas pessoais entre nós os dois, da nossa vida que passamos. Efemeramente, foi efemeramente. Mas não, mais nada. A partir daí, pronto, eu segui o meu trilho. Vou colaborando onde posso. Para já estou só com os reformados. Era para ir amanhã com reformados a Santarém, mas não posso. Tenho de estar com a minha mulher no hospital, a minha casa parece Alcoitão, queixa-se um para cada lado, é um manicómio.
P: Então e nos reformados, quando é que começou a participar?
Sebastião Mota: Olhe, comecei a participar como aluno de informática. Para aí há, sei lá, uns 7 ou 8 anos. Ai tenho que me matricular outra vez que eu já me esqueci de tudo. Pratico pouco. E depois fui abordado em minha casa, três elementos da direção da altura que entendiam que eu devia ir para Presidente da ASURPI e eu disse: Eh pá, não, Presidente da ASURPI não, porque tenho trabalho aqui em casa, porque eu para trabalhei em casa vinte e tal anos e ainda havia que fazer e eu não posso estar a abandonar isto para ir para a ASURPI, tem que ir para uma pessoa disponível. Eles foram lá duas vezes. Em relação ao meu nome desiludam-se. Poderia eventualmente, disse, ser Presidente da Assembleia Geral. Olha, em boa hora que eu fui para lá, mas pus como condição: Quem escolhe os meus secretários sou eu, não quero ninguém imposto. Sabe como é que isto funciona. Eu escolho os meus dois secretários. Um hoje ainda é meu Secretário e o outro é Presidente da Direção, porque eu disse: Não, tu sais daqui vais para Presidente da Direção. Tem feito um bom trabalho. Fizemos um bom trabalho na altura, porque aquilo havia lá uns certos desaguisados. As pessoas não se entendiam. Eu costumo dizer, somos duas vezes crianças. Às vezes tomamos atitudes menos corretas, mas eu cheguei a pacificar situações de aperto de mão. Não há nada escrito, não quero nada escrito em atas de assembleias, está aqui um aperto de mão entre cavalheiros e está assumido. E assumiu-se e resolveu-se felizmente, aquilo está muito mais desanuviado do que estava na altura que eu para lá entrei. E continua pronto e há amanhã uma reunião, a primeira reunião entre o Conselho Pedagógico, os alunos e os professores. Prevê-se para Dezembro arrancar, se a situação não descambar outra vez, vamos lá ver. Eu tenho muita confiança, como disse atrás, naquelas duas pessoas que convidei para lá e que aceitaram, que a direção posteriormente aceitou e que vão assumir. Para já são pessoas que têm conhecimento. Um, eu nem sabia e que me disse: Opá, eu dei sete anos aulas ali no ISDO. Oh Victor vê lá tu o que é que eu sei. Sei que tu és licenciado em recursos humanos e mais não sei. O Paulo é professor doutor também. Perante os próprios alunos, quer queiramos quer não, tem que haver o Dr., para haver um certo respeito. Não é que me faltassem ao respeito, eu é que acho que não tenho nem conhecimentos nem nada para estar a ocupar. Foi um cargo, um caso de emergência durante um ano. E depois fomos apanhados pela pandemia e não fizemos nada. Todos os projetos que tínhamos, tínhamos variadíssimos projetos em carteira para desenvolver, tivemos que fechar, Abrimos a sede dos reformados esta semana, a semana passada. Nós tínhamos ali uma componente social, porque temos muitas senhoras a colaborarem e todos os dias está um casal de serviço ao bar. Há dois bares, há um onde estão uns cadeirões e a televisão e tudo mais. E há outro que é para os homens, mais jogos de cartas, de dominó e onde h´ uma cozinhazinha onde se fazem umas bifanas, fazem-se uns pastéis, fazem-se umas petingas fritas, uns carapaus fritos.. Chegámos a detetar que quatro pessoas, a única refeição quente que comiam era ali, por volta das três da tarde. E então nós até decidimos cobrar um preço simbólico, porque víamos que as pessoas de facto eram necessitadas. Dois já morreram durante esta pandemia, agora ainda lá não fui desde que aquilo abriu. Tenho que lá ir amanhã, porque de facto há, como disse, à tarde a reunião da universidade e eu quero estar presente. E a minha vida resume-se a isto.
P: Então mas o que é que o motivou a ter tanta participação? Tanta dedicação, tantas horas de trabalho voluntário, o que é que o motivou?
Sebastião Mota : O que me motivou? Concretamente não sei dizer, acho que as atividades. Antes do 25 de Abril, dar o corpo, como se costuma dizer. Eu desempenhei tarefas no Império que ninguém agora dos mais novos imagina. Desde a coletividade lá em baixo, eu ainda fui da direção da Coletividade lá em baixo, na coletividade antiga. E havia um homem, um homem que era industrial, industrial não, tinha uma loja de móveis e também faziam alguns móveis, que me dizia, era o [anonimizado]: Oh Mota, e quando a gente tinha que descer com o cântaro, porque tinha uma piazinha para lavar os copos - era um cântaro de barro para amparar a água de lavar os cálices e os copos, esgoto não havia. As cervejas bebiam-se pela garrafa e as gasosas dos pirolitos. Vínhamos com um cântaro de barro grande, os dois, debruçados para vir despejar à casa de banho. Desde isso, foi tudo, agora está tudo.. está mais moderno por uns lados, está pior pelos outros.
P: Mas só para terminar esta questão da motivação, era o desafio das atividades....
Sebastião Mota: Era, era e o amor e o amor. Sem o amor à causa, não se vai lá. E eu tinha muito amor ao Império. Aliás, eu tenho um defeito, por isso é que eu procuro não me ligar a mais coisas. Onde eu me ligo tenho que ir. Eu meti-me em coisas no Império quando era Presidente... Meteu-se-me uma vez na cabeça, lembra-se do conjunto Victor Gomes e os gatos negros? Fizeram um filme. Mas acabam de fazer um filme, o filme passa aqui a Marinha, passado um mês estavam a atuar no Império. Consegui o contato do agente deles. Foi um balúrdio que eles nos levaram, mas nós ganhámos muito dinheiro, tinha que ser portas abertas. Uma vez os Trovante, a seguir ao 25 de Abril, tivemos que montar uma bancada, uma bancada falsa, porque não conseguíamos suportar tanta gente. E pronto eram essas coisas. Eu tinha gosto também de inovar. E gostava de inovar, não sei se também se era das profissões. Porque eu tenho peças em casa, qualquer dia já me passou pela cabeça dar para o museu do vidro, mas ninguém me conhece e deixo lá estar para casa para os meus netos. Eu dava-me gozo o inovar, isso dava-me gozo. Então quando alguém me dizia: Mota, tens de fazer isto - para mim era uma ordem. Eu fazia. Nunca procurei aldrabar em nada e a opinião que as pessoas têm de mim, cada qual tem a sua, como é óbvio. Nós não podemos impor nada a nosso respeito. Mas penso que cumpri no tempo que cá andei, e cá ando, porque não estou para me ir embora já. Penso que cumpri bem com o meu dever. É evidente, há aquela história do sindicalismo que cria muito animosidade. Eu sou do tempo da madisca da carta aberta e disso tudo que esse Mário Soares e esse Gonelha fizeram antes de vir a UGT. E o meu nome chegou a ser alvitrado para representante dos Vidreiros na CGTP. Quando isto aconteceu, foi na altura que eu me afastei do sindicato. Caiu tudo por terra e olhe, cá vou vivendo.
Sebastião Mota: Sebastião Augusto Conceição Mota.
P: A data de Nascimento?
Sebastião Mota: 20 de março de 1944.
P: E o local?
Sebastião Mota: Marinha grande. Engenho, Marinha grande.
P: Estudou aqui na Marinha Grande?
Sebastião Mota: Segundo grau só. Comecei a trabalhar aos 11 anos.
P: Começou a trabalhar no quê?
Sebastião Mota: No vidro, aprender a pintura do vidro. Posteriormente lapidação e muito posteriormente a pintura outra vez. Foi como terminei, foi com a pintura.
P: E os seus pais também trabalhavam na indústria vidreira?
Sebastião Mota: Sim, o meu pai era lapidário.
P: E a sua mãe?
Sebastião Mota: A minha mãe, por força das circunstâncias, o meu pai morreu tinha eu 5 anos, teve de se empregar na indústria vidreira, era roçadeira. Toda a minha família era ligada ao vidro, não havia outra forma.
P: A mulher também, casou-se?
Sebastião Mota: Sim, sim. Também trabalhou na indústria vidreira. Trabalhou comigo, trabalhava comigo nos lapidários.
P: E filhos?
Sebastião Mota: Dois, uma filha de 50 e um filho de 46.
P: E o que é que eles fazem?
Sebastião Mota: Ela é comercial numa multinacional austríaca que está aqui na Marinha grande, está na secção comercial. Ele é gerente de um bar.
P: Qual foi a escolaridade que eles fizeram?
Sebastião Mota: Ela, o 12º, e depois teve que, por dificuldades... Nós na altura, eu trabalhava mais a mãe na Ivima, chegávamos ao fim do mês, não recebíamos. E por força das circunstâncias, ela teve que ir trabalhar também coitadinha. E depois tirou inglês, alemão, espanhol. E daí ter conseguido o emprego que posteriormente, conseguiu. Mas foi à força dela.
P: E o filho também fez o 12º ano?
Sebastião Mota: Fez.
P: Viveu sempre aqui na Marinha Grande?
Sebastião Mota: Olhe, eu costumo dizer minha Senhora, nascido, criado e batizado, fui à guerra e vim, durmo no quarto onde nasci. Que esta é a verdade, verdadinha.
P: Foi à guerra colonial?
Sebastião Mota: Fui, à Guiné.
P: Tem alguma filiação partidária?
Sebastião Mota: Tenho, PCP. Eu era simpatizante antes, daí fazer parte das listas do sindicato Vidreiro antes do 25 de Abril, que foram vetadas pelo Presidente da Câmara. E quando se deu o 25 de Abril, entrei logo para o Sindicato como dirigente sindical e para o partido como é óbvio.
P: E religião, tem alguma religião?
Sebastião Mota: Tenho que ser católico porque sou batizado, mas não sou praticante, nunca fui.
P: Muito bem, então estava-me a dizer que participou nas listas do sindicato Vidreiro, ainda antes do 25 de Abril, teve alguma outra participação associativa antes disso?
Sebastião Mota: Sim, sim, tinha. Na minha coletividade de sempre, de que o meu pai foi fundador, o Império, o Sport Império Marinhense.
P: O que é que o seu pai contava desse período da Fundação?
Sebastião Mota: Não me lembro. Então ele morreu eu tinha 5 anos. Lembro-me de ir com ele à primeira sede do Império, que era junto ao parque do Engenho e da minha casa, mas tenho muito pouca ideia da minha infância com o meu pai.
P: E quando é que começou a participar no Império?
Sebastião Mota: Olhe, começámos a jogar, tínhamos uma equipazinha de pingue-pongue de juvenis. Naquela altura, não é só agora é que há crises diretivas, houve tamanha crise diretiva que fecharam a coletividade. E eu lembro-me perfeitamente de ter 15 anos e ir a um diretor e pedir a chave para abrir aquilo para irmos jogar Ping-pong. E já tínhamos uma televisão e à noite abríamos, ia eu abrir. Porque a minha avó vivia mesmo pegada à coletividade e eu ia abrir aquilo para as velhotas irem ver televisão. Foi aí que começou. Depois houve direções, eu ainda estive na direção antes de ir para a tropa, numa ou duas direções. Depois, quando vim da guerra, assumi logo, fui logo posto em Presidente. E depois vêm aqueles anos de 69 com as eleições do Arlindo Vicente. Era o Arlindo Vicente e era o Humberto Delgado. E depois veio o Congresso de Aveiro de 73, em que eu participei também, mas isso... As reuniões do MDP-CDE, na Marinha, eram feitas em duas coletividades, era no Operário e no Império, porque mais ninguém dava o peito às balas. E lá no meu lugar, no dito Engenho, havia um movimento de rapazes que eram contestatários ao regime, mais velhos do que eu, mas eu cheguei a acompanhá-los. E há uma altura que vão até uma freguesia do Concelho de Leiria, que era Amor, que é aqui ao lado da Marinha distribuir propaganda do MDP CDE à saída da Igreja de Amor. O Padre [anonimizado] telefonou à Pide e foi tudo preso. Eu não fui preso, eu era dos mais pequenitos, fugi lá pelo meio das terras. Mas houve dois que foram passar ainda uns meses valentes a Caxias, essencialmente a Caxias. E pronto, a partir daí o bichinho mordeu e dava gozo na altura nós cedermos o Império ao MDP-CDE, porque sabíamos que tínhamos a PIDE à perna, mas tínhamos que fazer um documento, assinado por todos os elementos da direção para o Governo civil para permitir, dizer que era da nossa inteira responsabilidade a cedência da coletividade. O nosso salão já era enormíssimo. Mas não se podiam invocar determinadas palavras. Eles davam-nos uma lista das palavras que não podiam ser ditas. Os oradores que iam ao palco não podiam usar aquilo.
P: Que tipo de palavras? Lembra de algumas?
Sebastião Mota: Não me lembro, aquilo já era muita areia para a minha camioneta. Sei que o Doutor Vareda, que era líder daqui, mais o Doutor Vasco da Gama Fernandes, que eram os líderes do MDP/CDE e o Doutor António José Guarda Ribeiro e um economista de Ourém [refere-se a Sérgio Ribeiro], esse ainda é vivo. Esse tinha uma fluência do discurso que era um espetáculo ouvi-lo. E a gente dizia: Olha, se você vão falar de fora deste âmbito, portanto, podem falar de tudo, mas estas palavras não podem ser invocadas. Pronto, eles eram advogados, só o Sérgio Ribeiro de Ourém é que era economista, e conseguiam dar curvas àquilo tudo. Mas mesmo assim o Império, ainda antes do 25 de Abril era perseguido pela PIDE. Agora vou me reportar para o sindicato.
P: Mas não quer explorar mais aqui a questão do Império?
Sebastião Mota: Sim, eu ia falar precisamente do Império, na cedência do Império ao sindicato, numa das greves que não é nada falada. O sindicato antes do 25 de Abril já lá tinha dois dirigentes filiados do Partido Comunista infiltrados. Um agora está muito mal no hospital, que era o [anonimizado] e era o [anonimizado]. E estavam a negociar um contrato em Lisboa e pediam 100 escudos de aumento por dia, per capita. E aquilo era.... como deve imaginar. O sindicato fazia plenários na sede do sindicato, que era no centro da Marinha, aquilo dava para cem, cento e poucas pessoas e vinha a polícia de choque, quem tivesse a biqueira dos sapatos fora do arrebate do sindicato, pimba. E não deixavam ali parar ninguém. Tomámos uma decisão, tomaram eles: Vamos é telefonar para o Presidente do Império – nunca mais me esquece quem era, era o [anonimizado] – se podemos fazer lá, ir daqui para Império. E foi. Minha Senhora, eu não estou a puxar nada a brasa à minha sardinha por ser do Império, é que era a única que abria a porta era o Império. Era o Império e o Operário. As outras, pronto. Aqui a Comeira não existia.
P: Essa greve foi em que ano?
Sebastião Mota: 74. 5 semanas antes do 25 de Abril. Então vamos para a sede do Império, começa-se a constar, pimba, pimba, contactos, não havia telemóveis, agora mobilizações, sabe melhor que eu, são fáceis. Começa-se a falar, a falar... Tivemos que abrir os portões laterais, não cabia tanta gente no Império. E os gajos da PIDE que estavam lá infiltrados começaram a temer as consequências e chamaram reforços. Chamaram reforços, mas isso não obstou que se fosse avante com uma proposta.... Há um indivíduo que ainda está vivo [anonimizado]. Sobe a uma escada de alumínio que estava encostada a uma das paredes, porque andavam a ornamentar o salão para os bailes de Carnaval, e grita: Vamos para greve, amanhã ninguém pega no trabalho às 8h – Não foi a mesa, mas eu penso que aquilo já estava ensaiado – Amanhã, às 8 da manhã, ninguém pega ao trabalho. Votação por aclamação. Saímos do Império, uns em alta correria, outros não sabiam, no lugar de irem para a Marinha iam para o lado da Vieira, porque a confusão cá fora estava instalada pela polícia de choque. O resultado que se esperava, no outro dia nas fábricas ninguém pegou o trabalho. Onde eu trabalhava, na Crisal, houve um ou dois que fizeram a tentativa de ligar os engenhos lapidários, porque aquilo eram engenhos, motores individuais. Parou tudo, fomos às Mulheres da roça, parou-se o forno, pararam as fábricas todas, começaram a mandar emissários. Da parte da tarde, o calcanhar de Aquiles era o setor da garrafaria, que é este que está aí ainda hoje próspero, e de que maneira, mas eram três da tarde, estava tudo completamente paralisado, tudo. E a polícia de choque vem de Lisboa, vem o capitão [anonimizado] para aqui dirigir isso, nunca mais me esqueço. A partir daí foi recolheres obrigatórios, perseguições, pancadaria. E na madrugada de sexta para sábado, já de madrugada, a polícia de choque vai-se embora. Soubemos que tinha havido um movimento dos capitães das Caldas para Lisboa. A polícia de choque foi daqui da Marinha atrás deles. Porque no dia anterior, até determinada hora do dia, nós conseguíamos mandar telegramas de apoio para a Corporação da Indústria para Lisboa, a apoiar a Comissão negociadora sindical. Cotizávamo-nos nas fábricas, mandávamos os garotos com textos escritos. O gajo da estação dos Correios da Marinha alertou as autoridades. Pronto é tudo cortado e no sábado de manhã eram para aí 10 da manhã recebemos a notícia que tínhamos levado um aumento de 60 escudos per capita para toda a gente exceto, repare nisto, exceto, para as crianças de 12 anos e 13, que levaram 50%, 30 escudos. A partir dos 14 anos, já éramos homens adultos. Toda a gente levou 60 escudos. Isto é um introito um bocado longo para a tal participação do Império. Se não fosse o Império, isto não acontecia. Não havia hipótese de reunir as pessoas. E foi a partir daí, do Império. Depois veio o 25 de Abril e pronto, foi tudo muito....
P: Mas diga-me uma coisa, neste processo, quer na reabertura do Império, quer na cedência do Império para o sindicato, na organização da greve, qual é que foi a participação das Mulheres?
Sebastião Mota: As mulheres a nível da direção nessa altura era zero, não havia mulher nenhuma. Agora, a nível de organização de fábrica, elas tinham muita força. Na organização de fábrica não havia as células como há agora. Antigamente, podia haver meia dúzia de mulheres mais ligadas ao PCP, mas em termos de organização não havia, aquilo andava um bocado desgarrado. Mas notou-se, nesta luta que nos levou a esse aumento, quem teve, pelo menos na fábrica onde eu trabalhava, na Crisal, a preponderância, quem foi ao forno mandar parar os homens do forno foram de facto as mulheres, que subiram as escadarias: Ninguém trabalha, estamos em greve - e pronto,
eram aqueles gritos. Ali a preponderância das mulheres foi muito importante.
P: Elas também receberam um aumento de 60 escudos?
Sebastião Mota: Tudo igual, minha querida per capita.
P: Mas quanto é que elas ganhavam? Ganhavam o mesmo que os homens?
Sebastião Mota: Não, não, ganhavam muito menos e eu era para trazer a tabela número 12 do Ministério das Corporações, que eu tenho lá guardada religiosamente. Tem isso tudo definido, elas ganhavam muito menos. Depois, com o andar do tempo é que nas profissões de pintura, por exemplo.
Sebastião Mota: Por exemplo, eu trabalhava junto a quatro senhoras. Não havia quadro de idades nas categorias nem havia nada e as mulheres naturalmente eram todas deixadas para trás. Porque os homens é que, no conceito dos industriais, os homens é que eram produtivos. Mas havia e há, cada vez há mais, profissões em que as mulheres ainda produzem mais que os homens, como é óbvio. E partir daí, voltando ao Império. O Império foi... lutei e tenho lutado. Eu parece-me, parece-me não, de certeza absoluta, que terminei faz amanhã 15 dias, a minha colaboração como dirigente do Império. Porque eu fui agora nos últimos anos, muitos anos, Presidente da Assembleia Geral. Muitos problemas, à beira de encerrar, à beira disto, à beira daquilo, felizmente resolveu-se a semana passada, com a eleição de uma nova direção. E eu estou cansado porque já venci quatro cancros, uma operação ao Coração. Vou fazer 78 anos e há noite já estou bem é no meu cantinho, a ler, a ouvir música, e não a andar em confusões. Mas amanhã ainda tenho uma reunião porque o Presidente, lá está, quer pedir-me uma opinião acerca de um berbicacho que temos e eu vou ver se colaboro com ele. Colaboro sempre, agora estar efetivamente ali, porque também sou o Presidente da Assembleia Geral dos Reformados, da ASURPI aqui da Marinha, e também estava no Conselho Pedagógico da Universidade Sénior, mas pedi escusa. Mas tive o cuidado de indicar dois nomes que foram aprovados e que são duas excelentes pessoas, com licenciaturas, e que não me souberam dizer que não. Porque eu passei muito. Além do Império, foi o sindicato e os reformados.
P: Então, e entrou no sindicato em que ano?
Sebastião Mota: Em 74. Mas antes já tínhamos reuniões e clandestinas.
Joana Dias Pereira: Como é que era? Quando é que começou a participar nessas reuniões?
Sebastião Mota_ Foi logo a seguir a eu vir da Guerra. Não, foi depois, foi para aí em 68. Talvez em 68. Eu lembro-me perfeitamente das eleições de 69, da campanha. Depois tenho mais nítido é o Congresso de Aveiro, de andar a correr na célebre Avenida Lourenço Peixinho, isso é que não me esqueço.
P: Em que condição é que participou no Congresso de Aveiro?
Sebastião Mota: Assistente, não fui delegado, não fui nada. Fomos cinco amigos que fomos daqui de carro, tivemos de fugir para a Costa Nova e tivemos de dormir na Costa Nova, dentro do carro. As estradas estavam todas bloqueadas. Foi muito, olhe deu enquanto deu, enquanto eu pude. Depois com a história das doenças, é que foram dois na bexiga e extração total da próstata e agora, passado quase quatro anos, há dois anos atrás, foi-me detetado um novo tumor. Tive que ir fazer 35 sessões de radioterapia. A radioterapia manda uma pessoa abaixo. Até aqui ao cérebro/computador, vai buscar... Por acaso hoje está a funcionar bem.
P: Então diga-me lá, mas disse-me que tinha participado numa direção do sindicato ainda antes do 25 de Abril?
Sebastião Mota: Não, antes do 25 de Abril nunca participei. Participei em eleições. A lista foi proposta e o Presidente da Câmara, [anonimizado], cortou todos da Marinha por professarem ideias contrárias ao sentido de Estado, a bem da nação e uma coisa qualquer deste género. Quem não foi cortado foi o Presidente, talvez indigitado para presidente da direção esse [anonimizado], porque pertencia ao Concelho de Alcobaça e o Presidente da Câmara de Alcobaça não o cortou. Não, não, este homem é idóneo e é livre. Livres não éramos, não tínhamos nada de liberdade. Avança o plano B. Avança o plano B e o Presidente da Câmara estava a ir no mesmo sistema, cortar tudo. Neste espaço tempo de 15 dias, dá-se o 25 de Abril, avança ao plano A, do qual do qual eu fazia parte. E ainda lá estive 5 anos.
Na vida sindical passava-se semanas absolutas fora da Marinha. Não via os meus filhos, estava sempre em Lisboa. Em Lisboa negociávamos no Hotel Flórida, ali no Marquês de Pombal. Isto era cansativo, até que conseguimos o primeiro contrato coletivo de trabalho vertical em Portugal, foi o nosso, com técnicos de desenho, metalúrgicos, eletricistas, empregado de escritório, tudo. Passado um ano, não chegou a um ano, uma reivindicação da Covina. Só nomes pomposos a dar aos trabalhadores, era tudo técnicos, naquela empresa era tudo técnico. Aí a gente vai lá fazer um plenário e eu e o [anonimizado] passamo-nos dos carretos: Então vocês há meia dúzia de meses levaram 60 escudos de aumento per capita, um aumento para toda a gente, sem lutarem, e agora já querem sair do contrato coletivo de trabalho. Somos chamados a instâncias superiores. Demitimo-nos do sindicato. Eu não, eu nunca mais me esqueço disso. Eu quero ir ao Marinhense, ao Lisboa Marinha ver a bola e não quero que me chamem de traidor. Quero ir ao café e não quero que me chamem traidor. Eu sou natural da Marinha Grande, nasci lá, vivi lá, vocês estão aqui no quinto andar, sabem que o que aqui chega vem tudo deturpado. Eis o que é que eu disse.
[Reservado a pedido do entrevistado]
Aqueles candeeiros que eram feitos na Crisal em Alcobaça, vêm para aqui para a Marinha, para pintar, só 4 ou 5 pintores é que os pintávamos. Foi a única transformação que eu aceitei, foi mudar de facto da lapidação para a pintura e depois, quando a Ivima deixou de pagar salários, eu armei-me de armas e bagagens e fui trabalhar para casa sozinho. Tive a sorte de um nome esquecido da pintura aqui da Marinha, [anonimizado], que me disse: Não, tu vais para casa eu dou-te trabalho, que ele trabalhava em casa também. E foi assim a minha vida. Pronto, trabalhei, ganhava a minha vida, não era rico, mas também não estava como estou hoje. Porque hoje estou com 545 EUR na reforma, não tenho rigorosamente mais nada. Isto é a vida de um homem de 78 anos, que deu.... Mas estás bem com a tua consciência – dizem. Pois estou, então vai-te governar com a minha consciência que vez o resultado que tiras. E foi isso. No Império Intercalava, não estava constantemente na direção. Mesmo no sindicato. Cheguei a ser Presidente da Assembleia Geral do Império, enquanto estava no sindicato. Mas depois pronto, é a tal teoria, há que dar lugar aos novos. Mas os novos não aparecem e demos lugar aos novos no Império, aqui há dúzia e meia de anos, e tivemos muito maus resultados. Os novos deram cabo daquilo tudo. Ainda hoje se está a pagar a fatura do que eles se meteram.
P: Conte-me como foi a passagem do 25 de Abril no Império, nas coletividades?
Sebastião Mota: A passagem no Império aconteceu desta forma, eu tenho impressão que na altura eu era secretário. Sei que no dia 25 de Abril estava cá uma equipa do Grupo de Teatro de Campolide a montar a cena para uma peça de teatro que era Filopópus. No outro dia de manhã eu vou para a fábrica. Eu estava a trabalhar, mas tinha um rádio potente e com a autorização da administração com uma antena. Eu ouvia a BBC de Londres. Eu ia sempre às 7:30, mais cedo, porque eles emitiam às 7:30, à 1:30 e acho que era às 7:30 da tarde. Eu fui para a fábrica mais cedo e começo a ouvir aquilo, estava tudo em silêncio, os engenhos só se ligavam às 8. Há um golpe, há um golpe de Estado, começou-se a falar e pronto: Ninguém trabalha, ninguém pega ninguém…e eu pumba, para o Império, vou para o Império. Porque nessa manhã vinha de Lisboa uma camioneta com os nossos carpinteiros para montarem a cena, quando soube...Não houve espetáculo à noite, era no outro dia e teve que ser adiado, porque no outro dia toda a malta do grupo de Teatro de Campolide quis ir para Caxias, para a libertação dos presos políticos. E depois vieram, fizeram o espetáculo, aquilo foi uma euforia, não imagina, o Império, não cabia lá mais ninguém, aquilo era uma alegria incomensurável. E depois lembro-me muito bem de irmos a uma antiga pensão em São Pedro de Moel cear todos, com o grupo de teatro todo. Porque eles vinham cá muito, era o Joaquim Benite, o encenador. Eles vieram cá com o Filópopus, com o Dom Quixote outra peça. Porque nós tínhamos um grupo de teatro muito poderoso e muito famoso também na altura.
P: Então vamos lá detalhar as atividades do Império, quais é que foram as primeiras, quando reabriu?
Sebastião Mota: Ora bem, o Império, está localizado numa povoação muito sui generis, como já lhe disse que é o Engenho. Não é por acaso que se chama engenho, porque está lá implantado o parque florestal da Marinha Grande. O Parque pertence ao Ministério da Floresta. Eles andam a dizer que vão lá construir um museu da floresta, mas até ver nada. O Império, como já disse, vai fazer 100 anos, em 23. E no tempo do meu pai, e de outros amigos que o fundaram, a primeira sede do Império foi construída pelo sogro do meu pai, pelo primeiro sogro do meu pai. Porque o meu pai era casado, tinha um filho, o meu irmão, mas a esposa morreu queimada por uma faísca. Estava a fazer o almoço para ele, numa trovoada em Maio, fulminou logo. O meu irmão estava num berço ao lado, não lhe aconteceu nada. Mas o sogro do meu pai era um homem que tinha dinheiro e construiu, que não haja dúvida nenhuma que foi construída de raiz, ao lado da moradia dele, mesmo ao lado do parque do Engenho, um edifício de primeiro andar para ser a sede do Império, com o salão de baile, um corredor ao fundo com os gabinetes da direção, as casas de banho e uma escada em madeira para o bufete, porque a gente chamava o bufete antigamente. E é aí que funcionou o Império nos seus primeiros anos. As festas do Império do aniversário de São João eram feitas dentro do parque do Engenho, que mais ninguém aqui na Marinha tinha a capacidade daquilo. Já nesse tempo, os próprios serviços florestais tinham uns arcos em madeira, com luzinhas às cores. Isso eu lembro-me bem, de ver lá dentro das arrecadações, quando era pequenito e ia para lá brincar. A estrada do Engenho daqui do Largo do Luzeirão, por trás da Câmara, até à entrada da Mata, era tudo enfeitado com esses arcos. E as festas do Império passaram a ser feitas dentro do Parque do Engenho. E posteriormente cá fora, mesmo em frente à sede, porque aquilo são largos com árvores. Está lá uma fonte feita na altura do portão do engenho de 1850, com uma pedra enorme em granito.
E o Império já tinha ping-pong nessa altura. Há documentos e provas que mostram que nessa altura já tinha sido campeão distrital de ping-pong. Creio que em 1952 ou 1953 foi campeão do distrito Leiria. E depois tinham as tais contradanças, que era, eu tenho fotografias disso também na Casa do Império, também lá estão expostas, e teatro. Mirou-se sempre, sempre, sempre para a cultura. Na sede do Império, não havia espaço para ensaiar, mas tínhamos um amigo que tinha comprado uma fábrica que era da Philips. A primeira fábrica que a Philips, além da Holanda, montou na Europa foi aqui no engenho, que era a FAPAIX, que depois foi para Moscavide. Não sei se ainda existe em Moscavide se não. Aquilo tinha um salão, um barracão grande e era lá que o Império ia ensaiar as peças de teatro, muitas, muitas, muitas, peças de teatro. Aliás, há uma senhora que é secretária do La Féria agora no politeama, que a origem dela de teatro foi aqui no Império. Ela lá não faz teatro, é secretaria, faz parte da produção. Depois o Império teve Voleibol, Andebol, várias atividades. E começa-se a construir a sede atual, tudo ali pá pica, desde os garotos. Ali não havia diferença de idades, uns faziam umas tarefas, outros outras e foi-se construindo. Construiu-se um salão, não havia dinheiro para pôr janelas, pôs-se plátex a tapar para não haver corrente de ar.
P: Isso foi em que ano, a nova sede?
Sebastião Mota: Ora isto ronda 1960. Quando se começou a iniciar, eu devia ter uns 12 anos por aí assim, a partir de 1955. Começou-se a iniciar, foi em fases distintas, era só do dinheiro dos sócios e peditórios que se faziam. Entretanto, temos uma ajuda tremenda dos serviços florestais. Fomos falar lá com o engenheiro Amaral, que era um homem que superintendia toda esta desgraça e que desapareceu, que foi à mata e cedeu-nos todo o vigamento e todo o parquet, o que já era um luxo, aplicar parquet no chão. O Salão, eu acho que tem 16m por 35m, não 16m por 80m. O salão é enorme. Olhe sinceramente, nunca soube, nunca interiorizei quais são as medidas do Salão do Império. Foi-se construindo depois um palco, com a base em Madeira, mas à frente, a boca de cena, tudo em platex, tudo improvisado. Um bar ao fundo e tal, vivíamos assim. Fazíamos grandes festivais, até que aparece lá um rapaz como Presidente que teve ideias mais alargadas. É um proscrito, quase que é um proscrito, porque deixou as dívidas para os outros. Mas isso tudo se pagou. Mas a minha mantém-se. Se não fosse ele, o Império não tinha estas instalações, porque tem lá umas instalações... Temos dois bares, os bares têm o dobro deste salão. Temos um no primeiro andar e outro no rés chão. Depois temos o salão e ainda temos outro piso por cima, onde temos a sala de dança. Tínhamos grupos de ginástica, tínhamos as atividades, o teatro nunca morreu. Entretanto, as coisas foram naturalmente desaparecendo. As pessoas do Engenho foram também desaparecendo e o Império foi circundado por prédios de gente que vem de fora, que não é assim bairrista aqui como é a Comeira e outros lugares da Marinha. O Império está situado numa estrada que vai da Marinha para a Vieira, é um centro de passagem. A sede inicial era no centro do Engenho, junto ao parque Florestal. Agora não, agora está mais para Sul. E pronto, tem tido muitas dificuldades, mas o teatro ainda está vivo e é a única coisa que se pode dizer que neste momento está vivo no Império. Mais limitado, derivado da época que vivemos e pronto. Tirando isso, alugamos o salão para muitos eventos, muitos, muitos, muitos, que é o que nos mantém. Porque tínhamos um problema, é que gastávamos mais de 1000 EUR por mês numa funcionária que admitiram a contrato, com todos os encargos sociais, com tudo. Não sou contra a Senhora, o Império é que não lhe podia pagar. E os indivíduos que cometeram aquele erro, são dos tais que assumiram uma situação que não ponderaram bem. Conseguimos resolver o problema com ela, olhe, com a ajuda da pandemia. Aquilo fechou, ela foi para o fundo de desemprego. A gente propôs-lhe dar-lhe, enquanto ela andasse no fundo desemprego, o complemento de ordenado, para ter o ordenado completo e acho que já não se deve nada e a senhora vai para a reforma. Agora quem abre o Império são os próprios dirigentes, não todos os dias. Nós tínhamos tudo, seguros e caixa de previdência, tínhamos tudo, e isso custava-nos um balúrdio que a gente não tinha. O bar não tem movimento suficiente, porque o Império foi rodeado de bares, estão lá meia dúzia deles, e as pessoas dispersaram, uns para um lado outros para outro. Olhe, vamos, vão mantendo aquilo. O meu neto, por exemplo, anda lá, porque há uma rapariga que alugou-nos, já há uns anos, uma sala um bocadinho mais pequena que esta onde dá explicações. Essa está lá todos os dias. E alugamos aquilo imenso, a casamentos, batizados, festas...
P: O senhor Sebastião fez teatro?
Sebastião Mota: Só tive jeito para uma coisa, para ser ponto. Não tive jeito para mais nada. Eu fiz uma vez uma peça qualquer. Lembro-me perfeitamente de um colega que saiu a chorar de cena - a própria cena fazia chorar. Sai da cena e nos bastidores vimo-nos aflitos para o calar, para o consolar, para parar de soluçar, ele soluçava, soluçava. Mas de resto não tive jeito nenhum. O Império teve uma coisa muito boa também, que foi a revista à portuguesa, com as piadas locais, como é óbvio, escrita por autores lá do Engenho, que era o Arnaldo Cruz, que era barbeiro, o Padre Manuel e o Fernando Luz. E foi isso de facto que manteve o Império.
P: Havia muita gente ali do Engenho a participar no teatro?
Sebastião Mota: Muita, muita. E nas marchas! E na ginástica! O Império todos os anos ia à Sportinguiada, convidado pelo Sporting, às vezes tinham de ir dois autocarros, porque um não chegava. Mas eu veio-me agora à memória aquilo que eu lhe queria contar de antes do 25 de Abril. O Império tinha uma iniciativa, que era a Caravana da Amizade. A Caravana da Amizade, isto antes teve outro nome, mas a pide marrou. Porque a gente fazia uns prospetos a anunciar e era normalmente no dia 10 de Junho. Nós íamos para a mata, para a fonte das canas de bicicleta. Cento e tal bicicletas, com umas carrinhas de apoio com as pessoas mais de idade e com os morfes. Não havia discursos políticos, não havia nada, era só uma questão de camaradagem. Lá está, não podíamos empregar a palavra porque camaradagem era proibido. E chegámos a ser apoquentados por causa da Caravana da Amizade. E fizemos anos, anos, anos seguidos. Entretanto, outras coletividades começaram a fazer, a Ordem e o Casal Galego. Isto não há bairrismo nenhum aqui. Para mim são todos iguais, mas o que foi o facto é que foi o Império que deu pontapé de saída com muitos anos de antecedência. E isso enraizou-se na população do Engenho e toda a gente queria ir de bicicleta para a Fonte das Canas. Íamos por estradas da mata, estradas secundárias. Íamos conviver, levávamos os farnéis. Havia os mais cultos que diziam algumas coisas para a coisa também não ser em vão, mas não se podia também abrir muito, porque a gente infelizmente naquela altura não sabíamos quem é que andava no meio da gente, sabe? Porque tive isso no sindicalismo, tive isso no associativismo, tive isso na fábrica – bufos a controlarem. E depois, a partir das eleições de 1969, acentuou-se mais a perseguição. Mas muitas pessoas iam inocentemente. Eu também comecei a ir inocentemente, mas vi: Não, isto tem uma finalidade, é convivermos e elucidarmo-nos uns aos outros para procurarmos trocar impressões sobre o que estava bem, o que estava mal, não só no clube, como no lugar. E isso despertou o interesse à PIDE também.
P: Acha que essas iniciativas foram importantes para a consciencialização política?
Sebastião Mota: Foram, sem dúvida, foram, foram. Foram, porque embora praticássemos jogos tradicionais para matar o tempo, ia-se à praia, dava-se banho, vinha-se, almoçava-se e depois as pessoas mais de idade falavam sobre o clube e metiam umas farpazinhas. Porque as pessoas também tinham muito medo, como é óbvio, tinham de acautelar. Porque a PIDE aqui na Marinha... não era tudo perfeito também. Também havia ali muito, então nos locais de trabalhos. Infelizmente, aconteceu muito. É assim que me lembro grosso modo da atividade antiga do Império. Depois houve aquelas modalidades desportivas passageiras, o box, aquilo não se chamava box, era outra modalidade. Disputaram aí campeonatos nacionais, mas passado dois anos morreu tudo. Eram coisas sem continuidade, depois vinha outra direção, com outro iluminado e lembrava-se de: Olha, vamos fazer isto. Tivemos uma boa equipa de andebol, não tínhamos era estrutura para seguir. Foi tudo para o Sporting Clube Marinhense que já tinha pavilhão. Nós tínhamos que treinar na rua, à chuva e ao frio. Chegávamos a ir jogar à Maceira, em Leiria, e claro o que é que nos acontecia. Tínhamos de pedir para nos irem lá pôr, nós nem bicicletas tínhamos. A maioria de nós nem bicicletas tinha e íamos lá, na altura tivemos que vir a pé porque o homem que lá nos foi por com uma carrinha esqueceu-se de nos ir buscar. Tivemos que vir a pé, cheios de fome. Tivemos uma boa equipa de voleibol. Daí foi um para o Benfica, foi Internacional do Benfica e ainda cá está, é o Moisés Nobre. Tínhamos Atletismo. Eu não tomei apontamentos nenhuns e agora isto é que está a vir-me à memória. O Império tinha uma grande prova anual de atletismo que era chamada volta aos Sete. Tínhamos uma equipa com rapazes e raparigas, alguns trinta a competir, mas depois as pessoas vêm com novas ideias, uns cansam-se, outros desistem. E depois, como sabe, as questiúnculas de bairro também são mais que muitas. Por vezes, um indivíduo sacrifica-se, trabalha, trabalha, trabalha e ainda é criticado e mandado abaixo.
Ficheiro de áudio
MVI_0667.m4a
Transcrição
P: No 25 de Abril o Império não esteve envolvido em nenhum daqueles movimentos de auto-organização, para o saneamento ou...?
Sebastião Mota: Teve, havia as comissões de moradores. Que eu me lembre, depois do 25 de Abril, era na noite do 25 de Abril, o Império chegou a participar, porque a Câmara desafiava as coletividades, num cortejo rumo à praça para nos juntarmos à meia-noite. E eu lembro-me que o Império levava cortejos a pé que era um espetáculo e com música. Juntavam-se meia dúzia, porque lá no nosso lado houve sempre o hábito de conjuntos, música de baile, nns a tocar trompete, outros a tocar saxofone e a gente vinha a marchar por ali acima. E foi lindo enquanto durou.
P: Foi criada alguma comissão de moradores lá no Engenho?
Sebastião Mota: Foi, foi. Sempre houve comissão de moradores.
P: E o que é que fizeram lá o Engenho?
Sebastião Mota: Fizeram as coisas essenciais na altura, auxiliavam a Câmara e a junta nalgumas tarefas, mesmo as pessoas a trabalharem. Não podia ser durante a semana, mas trabalhava-se ao sábado e ao domingo.
P: O Sr. Sebastião participou?
Sebastião Mota: Não, porque eu nessa altura estava praticamente fora da terra, tal como lhe disse, estava no sindicato. E lá vou eu outra vez para a parte do sindicato. Antes do 25 de Abril, havia cinco - Lisboa, Porto, Marinha Grande, Aveiro e Figueira da Foz. Fundimos tudo no sindicato dos Trabalhadores da Indústria vidreira, que ainda existe hoje. Eu por acaso até era o tesoureiro do sindicato, por isso é que estou rico. Comprámos dois apartamentos na rua da Firmeza, no Porto, e mandamos tirar as paredes de dentro para ficar com uma sala boa de reuniões. Porque a sede do sindicato Vidreiro do Porto era num vão de escada na rua da Santa Catarina. Estava na rua mais famosa, mas não tinha condições nenhumas. Comprámos as atuais instalações na calçada da Estrela, em Lisboa (entretanto já compraram outro) e comprámos esta sede aqui na Marinha. A delegação da Figueira da Foz deixou de interessar e ainda tínhamos a de Oliveira de Azeméis. Em Oliveira de Azeméis criaram-nos problemas de toda ordem, de nos quererem matar. Eram populações não tinham nada a ver com o vidro, da indústria de chapelaria, essencialmente mobilizados pelo [anonimizado], que era o dono do Centro Vidreiro Norte Portugal. E passámos bem, andámos a fugir à frente de tiros. E há um episódio que nunca mais me esqueço. Íamos daqui de madrugada, de táxi, para fazer um plenário no Auditório da escola Industrial de Oliveira de Azeméis. Tínhamos autorização do diretor, do Padre, que tinha dito: Não Senhor, isto está cedido. Chegámos lá e havia gente à nossa espera, numa bomba de gasolina antes de Oliveira de Azeméis. Eles perguntaram e nós respondemos: Nós vamos de táxi. Mas nós estamos a responder que vamos táxi para sermos atacados ou quê? A gente andava assim. Parámos e vêm dois que nós conhecemos: Fugi já para o Porto, fugi já para o Porto, vocês não podem voltar atrás, fugi para o Porto. Então vamos fugir para o Porto porquê? Eles deram cabo do piano todo. Deram cabo do piano... – pensámos que fosse no ginásio da escola, onde ia ser a reunião. Estão, eles deram cabo, que paguem. Mas o piano era o nome, era a alcunha, de um delegado sindical nosso. Deram-lhe com uma corrente na cara, que lhe deu cabo da cara toda. Já estava para o hospital. E a gente ignorava que ele tinha a alcunha de Piano. Olha, deram cabo do piano que paguem, e não conseguimos fazer o plenário. Depois decidimos: Fechamos a sede de Oliveira de Azeméis. Quando vocês precisam de reunir,, Oliveira de Azeméis vai reunir ao Porto. Temos condições, metem-se num táxi e vão ao Porto. O nosso sindicato era poderoso na altura. Nós tínhamos uma caixa de previdência própria. Era a Caixa de Previdência do Pessoal da Indústria Vidreira. Os trabalhadores descontavam +1% por mês para ter direito a medicamentos e tudo mais. E o que é que, antes do 25 de Abril, nesses anos antes, o que é que essa gente fazia ao dinheiro? Compravam imóveis na Avenida de Roma. Eu cheguei a andar, eu com técnicos, a ver os bens que o Sindicato tinha. Mas a Caixa do pessoal da Indústria Vidreira só funcionava com o aval do sindicato compreende? Mas que é isto? Meia Avenida de Roma, prédios degradados, para que é que a gente quer isto? Entretanto, houve alguém que se encarregou de ficar com aquilo tudo. Foi o presidente da caixa de Previdência daqui da Marinha Grande, na altura, que era o [anonimizado], açambarcaram tudo da Caixa Vidreira para a Caixa Nacional de Pensões. Ficámos a zero. Nós tínhamos património e ficámos sem nada, tanto que em Lisboa estamos muito bem instalados também.
P: Quais é que eram as suas responsabilidades no sindicato?
Sebastião Mota: Era tesoureiro. Fui sempre tesoureiro. Era tesoureiro, mas tenho que dizer que tinha um economista e um chefe de serviços atrás da Secretária que me punham a papinha toda na frente e me explicavam tudo. E eu assinava como é óbvio, quando não tinha capacidade para, como é que se chamavam, os balancetes analíticos e aquelas coisas toda. Eu não tinha capacidade para isso, mas tinha confiança nas pessoas que trabalhavam comigo. O nosso economista e técnico de contratação era o Amândio Teixeira Cardoso. O nosso advogado aqui na Marinha era o doutor Guarda Ribeiro, outro homem de excelência e muito sério. E era assim que nós trabalhávamos.
P: E depois intervinha em termos de mobilização?
Sebastião Mota: Sim, sim, ia a plenárias às empresas. Por isso é que eu dizia, minha Senhora, nós tínhamos sedes em Lisboa e no Porto, tínhamos diretores a tempo inteiro em Lisboa e no Porto, mas para apagar fogos tinham que ir os bombeiros aqui da Marinha.
P: Quais foram os fogos que teve que apagar?
Sebastião Mota: Olhe, uma vez na Covina, estávamos lá em Santa Iria da Azoia, lá na coletividade local a fazer um plenário, e lá aquela rapaziada do MRPP tenta invadir o plenário, e ainda nos mandaram pedras. Outra vez, foi na Voz do Operário. Nós estávamos atacados pela esquerda, pela direita, pela extrema esquerda, não havia ninguém que não chutasse na gente, mas a gente chegava para isso tudo. Na escadaria da Voz do Operário, há um gajo que vem para mim e que me diz, eu não sei o que é que ele me disse. Mando-lhe um sopapo, só o vi dar a cambalhota. Isto tinha que ser assim. E depois, procedimento incorreto. Querem que nós sejamos Jesus Cristo. Leva numa face oferece a outra. E eu não prestava para essas coisas. Por isso é que olha: Já tens 5 anos disto, já aprendeste o suficiente, vai lá para o teu Engenho trabalhar, trabalhar e não era brincadeira, das 8 da manhã às 8 da noite, que éramos obrigados. Estou a mentir. Isso foi antes do 25 de Abril, trabalhar-se até às 8 da noite. Fazíamos 11 horas por dia, tínhamos 50 minutos para almoçar. Que era das 8 ao meio-dia e meia hora. E da uma meia às 5. Parávamos para tomar uma buchazinha, um quarto de hora, e depois até às 8.
P: Diga-me uma coisa, havia algum tipo de solidariedade informal nas fábricas, por exemplo, grupos de doentes. Tenho ouvido em algumas regiões do país?
Sebastião Mota: Havia, havia, antes do 25 de Abril. Havia uma coisa que se usava aqui muito na Marinha, que era as subscrições. As subscrições a favor de....
P: Como é que funcionava?
Sebastião Mota: Era andar a pedir com uma lista, o nome. Quanto é que dás? 25 tostões, tal, tal, tal e depois entregar à pessoa. Olha, o resultado é isto. Quando havia alguém que precisava, nós tínhamos conhecimento, porque naquela altura nem havia oportunismo. As pessoas nem sabiam ser oportunistas. Eram pessoas sérias que tinham a confiança da Comunidade e pronto trabalhava-se assim. Agora, infelizmente... E tínhamos também, como eu disse há pouco, a Caixa Sindical de Previdência que pagava-nos os medicamentos na íntegra.
P: E quando estavam doentes, pagava o ordenado?
Sebastião Mota: Não, não.
P: E havia ajuda entre os colegas nas fábricas?
Sebastião Mota: Era só entre os colegas, a empresa não pagava rigorosamente nada.
P: E essa ajuda entre os colegas era só estas subscrições ocasionais ou tinham uma coisa mais formal?
Sebastião Mota: Não era só estas subscrições. E não era só para aí, até para os presos políticos. Eu participei em dezenas e dezenas de peditórios. Tinha que ser, não se nega. Havia uma tática, havia um homem que nós tínhamos muita confiança, havia vários, mas um era o Manuel Baridó,
o sítio preferido dele, para nos encontrarmos com ele, para lhe levar os 100 ou 200 mil reis, era no café dos ricos, na Marinha, no café cristal. Era onde parava o Presidente da Câmara e essa canalha toda da pide. E aí eu: Ó Manel estás-me a mandar aí ter contigo ao café? – a horas diferentes, não íamos todos juntos. Estás-me a mandar ir ter contigo ao café Cristal? Não te rales, ali é que funciona bem, estamos protegidos. E são histórias.
P: E Imprensa clandestina antes do 25 de Abril?
Sebastião Mota: Havia o Avante só. Eu recebia, chegava-me a chegar às mãos dentro de uma cana, uma cana assim, enroladinho lá dentro, parecia o testemunho daquela prova de atletismo, passar o testemunho. Isso era o que me acontecia. Eu na minha secção, na altura já éramos 75 lapidários, fiz-me assinante da República, era o número 21. Levava-a para casa, pagava 25 tostões e eu não tinha muito dinheiro. Não tinha muito dinheiro, não tinha nenhum dinheiro, todo o dinheiro do ordenado tinha que o dar à minha mãe. Lia-o de fio a pavio e no outro dia levava-o para a fábrica. Toda a gente lia a República. Foi um serviço que eu fiz. Gente com mais poder económico que eu não fazia isso de certeza absoluta. Não faziam, nunca fizeram, nunca tive conhecimento. Mas lá está, como costumo dizer, nessa altura dava gozo. Eu não sei se o termo será o indicado, mas eu penso que dava gozo um gajo lutar, ter com quem lutar. O que é que se faz agora? Chamam-se nomes aos políticos, bate-se nos polícias, os polícias nem batem nas pessoas. Antigamente era o contrário. O 28 de Outubro por acaso este ano foi comemorado, foi criado aqui um grupo de que eu faço parte também, o Grupo Antifascista Frente 18 de Janeiro.
P: Isso foi em que ano?
Sebastião Mota: Isto foi em 73. Que eles vêm aqui com a intenção de prender a juventude, os jovens mais ativos. Ali, conhece a Marinha? Está a ver onde está a estátua do vidreiro (está agora aí uma polémica por causa disso, parece que a vão mudar para o lado), em frente há um edifício, havia ai um banco, um grande café, que era o Panorama, ainda ali está uma casa de modas, que é o Sonho da Moda? Começámos a arrancar, só custou a arrancar o primeiro paralelo, daqueles quadrados. Ai, eles deram, mas você pensa que eles não foram bem aviados para Leiria? Ai foram, foram. É evidente que prenderam um ou dois bodes expiatórios, os mais ativos. No outro dia é julgado um aqui na Marinha. Bloqueamos logo a Marinha toda, ei meu Deus. E quando me vêm dizer, olha que Fulano, e vieram-me dizer a mim. E eu não tinha responsabilidades políticas nenhumas, não era controlado, bom era controlado no mínimo, fazia aquilo que me orientavam, mas diretamente do Partido Comunista não, era sempre por interposta pessoa. Vieram-me dizer que fulano foi visto atrás do Tribunal a falar com o Pinto Galante. O Pinto Galante era o diretor da PIDE de Leiria. Isso para mim foi uma faca no coração. Depois constou-se. Depois vínhamos de uma reunião da intersindical com o Presidente dos Metalúrgicos ao meu lado, chegámos às Caldas parámos, quando vínhamos à hora do jantar parávamos num snackbarzinho para comer um bifinho lá na frigideira, e começámos a encontrar pessoas da Marinha: Olha, mas a Marinha deslocou-se para aqui hoje, o que é que se passa? Era malta, gente do partido e do MDP/CDE, porque o [anonimizado], que ia no táxi comigo, que era Presidente dos metalúrgicos da Vieira, era o [anonimizado] da PIDE. E depois, confessou também: Olha, o [anonimizado] também dá informações. Isso já a gente sabe, porque o [anonimizado] era do sindicato e era da caixa de Previdência. Foi expulso de tudo. Mas ainda houve quem passado uns dois ou três anos, quem quisesse reavivar a Memória. Foi o [anonimizado], que era do PS. E eu disse-lhe: Olha doutor, não penses em fazer uma coisa dessas, é um erro político terrível. Queria dar o nome dele a um salão no Operário. E eu assim: Então dá o nome de um homem que traiu tudo? Ele tratava-me por senhor, ele era filho de um dono de um café aqui da Marinha. Oh Mota, eu estive a pensar melhor, você tem razão. Opá, esqueça, deixe estar isso no baú do esquecimento. Esqueça, não se meta nisso. Que a gente não sabia, não sabia o que é que saía. E a mim saíram-me algumas. Felizmente nunca fui preso, mas estive nessas tais reuniões preparatórias para a reunião da direção dos sindicatos antes do 25 de Abril. Eu cheguei a ter que fugir de motorizada, que eu chegava a Casa lá nos subúrbios do Engenho e via o carocha da PSP escondido, o carro da polícia. E não havia telemóveis para falar à mulher nem nada, era uma aflição. Eu ia para a Vieira com o [anonimizado], coitadito já morreu, cada qual na sua motorizada dormir a casa da sogra dele. Mas pronto, além disso eu estive preso depois do 25 de Abril. Numa reunião na Barbosa Almeida, em Avintes, quando o Presidente da região Militar do Porto era o [anonimizado], um facho. Entendem que a gente estava a fazer campanha subversiva, isto depois do 25 de Abril. E chama a gente, manda a gente, tropa, numa carrinha para o quartel-General do Porto. Os senhores ficam aqui em reunião permanente, estão em reunião permanente comigo. Estivemos lá dois dias e meio primeiro que fôssemos libertados. Esta não lembra a ninguém, esta, por isso é que festejas hoje o 25 de Novembro. Não me esqueço destas coisas todas. Isto tudo já estava a ser orquestrado aos poucos. E esta é a história da minha luta, já pareço o Raul Solnado [ri-se].
P: Diga-me, houve uma parte que não falámos, e podemos não falar, mas é a participação na guerra Colonial
Sebastião Mota: Sim, sim.
P: Houve uma pessoa que eu entrevistei aqui outro dia que disse que mesmo lá criou grupos de futebol, procurou de alguma forma promover algum relação.
Sebastião Mota: Sim, sim. Eu tenho fotografias e tenho a faixa de campeão da região leste de Bafata de futebol de Salão. Tenho a faixa de campeão. E está emoldurada, protegida com vidro. Tenho lá na cozinha independente onde como. O que é que a gente lá faz? Ainda faz hoje oito dias, fui daqui com quatro amigos à Lourinhã, a casa de um camarada que esteve comigo na Guiné. Produz bens agrícolas e vinho e tudo: Epá venham cá. E vai lá a uma praia, não sei se já conhece a praia da areia branca, pelo menos já ouviu falar. Ao lado há uma praia selvagem que é Paimogo. Aquilo dá do bom e do melhor, navalheiras e polvos e moreias e ele pôs lá um banquete para a gente. E eu disse, disse aos outros que estavam: O [anonimizado] passou três meses no Mato sem vir ao quartel. Eu passei os 22 meses no quartel, eu nunca saí porque eu era escriturário. Mas não tinha nada que ir para a Guiné eu. Eu tinha que ser livre da tropa por amparo de mãe. Como o meu pai faleceu, a minha mãe foi-lhe detetada a angina do peito, sofria muito com aquilo e estava proibida de trabalhar. E eles levam-me. Tiro a especialidade. Vou para o quartel-general para Tomar, estava muito bem no Conselho administrativo rodeado de gente excecional. O Presidente do Concelho de Administração era um coronel muito amigo do meu chefe de secção de pintura aqui na Marinha, que era o senhor [anonimizado]. Eu estava ali, era jogar ping-pong e futebol salão. Até que me vêm buscar de Castelo Branco e já não pude voltar. Despedi-me da minha mãe por telefone. E como imagina, um homem fica completamente esfrangalhado. Lá vou eu com o Capote para Castelo Branco. Cheguei a Castelo Branco não era nada disso que me tinham dito. O embarque foi passado um mês. Podia ir para casa 15 dias. Mas eu devia ser livre por amparo de mãe, mas mesmo assim na tropa eu fui roubado, fui raptado, porque eu e mais nove, fomos para o quartel-general. Eu não era o primeiro, mas era o segundo e começo a ir à frente do quinto, do Sexto e do Sétimo, que estavam atrás de mim na classificação.
E depois na Guiné é que eu percebi como é que se faziam as maroscas. Os primeiros sargentos eram os gajos que ganhavam mais dinheiro daquilo. Houve um gajo que eles mandaram embora, a troco sabe-se lá de quanto, e foram buscar-me a mim. E eu fui, estive lá. A única coisa que me resta é que nunca ninguém desconfiou de mim, nem na vida civil nem na vida militar, porque os relatórios secretos era eu que os fazia com o capitão. Os dois sozinhos num gabinete, como estamos os dois aqui. E o primeiro sargento nunca pôs o olho naquilo. Mas eu dizia-lhe assim: Oh General, quando eu cheguei a Castelo Branco e me apresentei você me perguntou, de onde é que tu és rapaz? Sou da Marinha Grande meu capitão. Opá, já só me faltava isto. Eu disse isso? Então não disse, não se lembra? Não, nós tínhamos muita intimidade, agora ele era General. Aliás, lá em Bafatá o nosso esquadrão tinha dentro do aquartelamento um ringue em cimento para jogar. Eu cheguei a jogar ténis com bolas da Dunlop, raquetes da Dunlop e redes da Dunlop. Deu-se o dia que eu jogava ping-pong e sabia a marca das coisas porque a maioria da rapaziada que lá estava não sabia nada daquilo e depois lá está a tal história, em terra de cego quem tem um olho é rei, brilha-se sempre, não é? Já se sabe, agora a raquete já sabe dar, embora o ténis de mesa seja muito diferente, mas há as noções. Eu gostava muito de andar pelas tabancas. Nunca provoquei ninguém, nunca chateei ninguém. Mas havia lá...eu fui mobilizado de Castelo Branco e 70% da unidade era gente das Beiras. Gente que o melhor que lhes aconteceu foi darem-lhes um colchão de luso-espuma na Guiné para dormir e terem garfo e faca e prato à frente para comer. Que aquilo era gente que vivia, coitados andavam lá nos campos, na pastorícia e pouco mais. E depois havia os outros os mais vivazes e, peço desculpa os mais xicos espertos, que eram os de Lisboa. Mas tenho grandes amigos. Havia lá um que estava de técnico de som na noite do 25 de Abril no Rádio Clube Português, o [anonimizado]. Esse gajo... adoramo-nos um ao outro. E morreu há pouco tempo um da Amadora. E é isto, você falou-me da tropa e os grandes amigos que eu tenho são da tropa. É que a gente vai lá, estamos ali dois anos a gravar aquilo no Coração. Como é óbvio, há lá outros que eu quase não os conheci. Eu tinha o meu núcleo de amigos, todos fazemos, é na escola, é em todo lado. Ai vínhamos cá abaixo, porque Bafatá já tinha três restaurantes, e vínhamos cá abaixo, quando tínhamos dinheiro para comer e tal. Eu ai ia tendo um problema, olhe foi um rapaz do Diário de Notícias que o teve, o [anonimizado], nunca mais me esqueço, já morreu. Era tipógrafo no Diário de Notícias. Quando a comida não agradava, a gente tinha que se manifestar. E eu sabia que tanto o praça, que tinha tanta verba para a alimentação diária como o General, o Governador General, era o Shultz na altura, depois já foi o Spinola. Tinham 24 escudos, o soldado tinha 24 escudos também. Porque é que os oficiais e sargentos têm messes e a gente ia.. eu aí meti a minha colherada por ser da Marinha, ser refilão, levava já um bocado da injeção da vida e há um sábado que nos servem arroz de caril com atum. A gente já não podia ver aquilo. Eu ainda estava na Secretaria. Eu normalmente ia sempre, tinha que fazer a ordem de serviço atrasada, mas guardavam-me a refeição. E chega lá um barulho e o capitão não estava. O que é que se passa? Epá, há um levantamento de rancho, vou já para lá. O Alferes, por acaso hoje é muito meu amigo, meu e dos outros, naquele dia, nunca mais me esqueço, que foi no dia 20 de maio de 1967, um sábado ao jantar. Ele puxa da walther: tau, tau, tau.
A malta gritava: Não presta! – a bater tachos, porque pegada ao nosso quartel havia o comando do agrupamento onde estava um coronel. O alferes [anonimizado] (angolano, preto, professor e um gajo com uma classe, da área do MPLA, do Agostinho Neto), começa a levantar a voz e começam-lhe as terrinas a cair nas trombas e na farda, ele era um homem de arroz. Tudo para as casernas sem comer. No outro dia de manhã, eram sete da manhã, era domingo. Domingo para quem estava no quartel, porque para quem andava no Mato não havia domingos. Uma dornier a esta hora? Dornier são aqueles aviões pequenos com três gajos, o piloto e três gajos de gabardine, isto é uma vergonha, óculos escuros e chapéu, em Bafatá que às 7 da manhã já fazem uns 30 e tal graus de calor. Pimba, Pimba, interrogatórios, interrogatórios e interrogatórios. Como é que começou? Chegaram a esse [anonimizado] não sei como. Foi para o Paiol da Pólvora preso e no outro dia para Bissau. Esteve preso em Bissau, mas depois não conseguiram encontrar provas. Mas ficaram lá e foram os dois de Lisboa. Foi o [anonimizado], que trabalhava numa loja de modas em Alcântara, e o [anonimizado]. A senhora não se admire de eu me lembrar dos nomes deles todos. Estão todos aqui. Era todos os dias dois anos ali com os mesmos nomes. Já morreram ambos. Ficaram lá.
Eu tenho um grande amigo, ali de Aveiro. Tenho lá dois, mas o [anonimizado] tem 80 anos e é professor doutor. Ele foi professor na universidade de Cambridge, de Lisboa, do Porto e de Aveiro e tem um gabinete de estudos da mineralogia da Ria de Aveiro. É ele que dá assistência, estuda a Ria de Aveiro. É evidente que está cheia de engenheiros. Agora eu assim: Então Lages, mas ainda trabalhas. Epá, trabalho. Mas ele ao pé de mim, parece meu irmão mais novo, com 80 anos. Um homem Atlético que fez sempre desporto, era bruto como um raio a jogar à bola, mas isso era elas por elas. E foi com esta gente que eu vivi, convivíamos muito. O futebol de salão então era a paixão que havia. E em Bafatá o Sporting Clube de Bafatá já tinha já tinha uma piscina, um cinema e um ringue. E o ringue quando chovia muito era outra piscina. Eram duas piscinas no Inverno, no tempo das chuvas, das monções. E nós fazíamos muito futebol de salão. Depois também joguei aqui nos veteranos aqui do Estrela do Mar, joguei aqui muita vez neste campo. Ainda joguei 35 anos à bola na Comeira.
P: E diga-me uma coisa, teve alguma responsabilidade na autarquia ou na Junta de Freguesia?
Sebastião Mota: Estive na autarquia. Fui deputado municipal. Mas depois era muito, eu não tinha tempo, queriam-me. Porque naturalmente sabe, quem está à frente de uma coisa, normalmente é empurrado para outra. Este gajo está-se a safar ali também é bom para acolá. E eu ainda estive em dois ou três mandatos na Assembleia Municipal. Depois, houve um certo divórcio. Sou militante do
Partido, não renego nem nunca renegarei, mas não sou praticante.
[Pede para desligar]
Sebastião Mota: Eu nunca mais tinha falado com o homem, quando o Jerónimo de Sousa veio à Marinha Grande. Esperei que ele saísse, desse uns beijinhos. Então estás bom Jerónimo? Então como é que estás? E o Pina, tens visto o Pina? Eu já estive em casa dele lá em Benavila. Olha, amanhã tenho um comício em Avis e vou estar com o Pina. Então olha, dá-lhe um abraço. Algumas pessoas daqui da Marinha vieram logo a correr. Não sei se estavam com receio de alguma coisa que eu estava a contar ao Jerónimo Sousa, mas eu estava a única e exclusivamente a falar de coisas pessoais entre nós os dois, da nossa vida que passamos. Efemeramente, foi efemeramente. Mas não, mais nada. A partir daí, pronto, eu segui o meu trilho. Vou colaborando onde posso. Para já estou só com os reformados. Era para ir amanhã com reformados a Santarém, mas não posso. Tenho de estar com a minha mulher no hospital, a minha casa parece Alcoitão, queixa-se um para cada lado, é um manicómio.
P: Então e nos reformados, quando é que começou a participar?
Sebastião Mota: Olhe, comecei a participar como aluno de informática. Para aí há, sei lá, uns 7 ou 8 anos. Ai tenho que me matricular outra vez que eu já me esqueci de tudo. Pratico pouco. E depois fui abordado em minha casa, três elementos da direção da altura que entendiam que eu devia ir para Presidente da ASURPI e eu disse: Eh pá, não, Presidente da ASURPI não, porque tenho trabalho aqui em casa, porque eu para trabalhei em casa vinte e tal anos e ainda havia que fazer e eu não posso estar a abandonar isto para ir para a ASURPI, tem que ir para uma pessoa disponível. Eles foram lá duas vezes. Em relação ao meu nome desiludam-se. Poderia eventualmente, disse, ser Presidente da Assembleia Geral. Olha, em boa hora que eu fui para lá, mas pus como condição: Quem escolhe os meus secretários sou eu, não quero ninguém imposto. Sabe como é que isto funciona. Eu escolho os meus dois secretários. Um hoje ainda é meu Secretário e o outro é Presidente da Direção, porque eu disse: Não, tu sais daqui vais para Presidente da Direção. Tem feito um bom trabalho. Fizemos um bom trabalho na altura, porque aquilo havia lá uns certos desaguisados. As pessoas não se entendiam. Eu costumo dizer, somos duas vezes crianças. Às vezes tomamos atitudes menos corretas, mas eu cheguei a pacificar situações de aperto de mão. Não há nada escrito, não quero nada escrito em atas de assembleias, está aqui um aperto de mão entre cavalheiros e está assumido. E assumiu-se e resolveu-se felizmente, aquilo está muito mais desanuviado do que estava na altura que eu para lá entrei. E continua pronto e há amanhã uma reunião, a primeira reunião entre o Conselho Pedagógico, os alunos e os professores. Prevê-se para Dezembro arrancar, se a situação não descambar outra vez, vamos lá ver. Eu tenho muita confiança, como disse atrás, naquelas duas pessoas que convidei para lá e que aceitaram, que a direção posteriormente aceitou e que vão assumir. Para já são pessoas que têm conhecimento. Um, eu nem sabia e que me disse: Opá, eu dei sete anos aulas ali no ISDO. Oh Victor vê lá tu o que é que eu sei. Sei que tu és licenciado em recursos humanos e mais não sei. O Paulo é professor doutor também. Perante os próprios alunos, quer queiramos quer não, tem que haver o Dr., para haver um certo respeito. Não é que me faltassem ao respeito, eu é que acho que não tenho nem conhecimentos nem nada para estar a ocupar. Foi um cargo, um caso de emergência durante um ano. E depois fomos apanhados pela pandemia e não fizemos nada. Todos os projetos que tínhamos, tínhamos variadíssimos projetos em carteira para desenvolver, tivemos que fechar, Abrimos a sede dos reformados esta semana, a semana passada. Nós tínhamos ali uma componente social, porque temos muitas senhoras a colaborarem e todos os dias está um casal de serviço ao bar. Há dois bares, há um onde estão uns cadeirões e a televisão e tudo mais. E há outro que é para os homens, mais jogos de cartas, de dominó e onde h´ uma cozinhazinha onde se fazem umas bifanas, fazem-se uns pastéis, fazem-se umas petingas fritas, uns carapaus fritos.. Chegámos a detetar que quatro pessoas, a única refeição quente que comiam era ali, por volta das três da tarde. E então nós até decidimos cobrar um preço simbólico, porque víamos que as pessoas de facto eram necessitadas. Dois já morreram durante esta pandemia, agora ainda lá não fui desde que aquilo abriu. Tenho que lá ir amanhã, porque de facto há, como disse, à tarde a reunião da universidade e eu quero estar presente. E a minha vida resume-se a isto.
P: Então mas o que é que o motivou a ter tanta participação? Tanta dedicação, tantas horas de trabalho voluntário, o que é que o motivou?
Sebastião Mota : O que me motivou? Concretamente não sei dizer, acho que as atividades. Antes do 25 de Abril, dar o corpo, como se costuma dizer. Eu desempenhei tarefas no Império que ninguém agora dos mais novos imagina. Desde a coletividade lá em baixo, eu ainda fui da direção da Coletividade lá em baixo, na coletividade antiga. E havia um homem, um homem que era industrial, industrial não, tinha uma loja de móveis e também faziam alguns móveis, que me dizia, era o [anonimizado]: Oh Mota, e quando a gente tinha que descer com o cântaro, porque tinha uma piazinha para lavar os copos - era um cântaro de barro para amparar a água de lavar os cálices e os copos, esgoto não havia. As cervejas bebiam-se pela garrafa e as gasosas dos pirolitos. Vínhamos com um cântaro de barro grande, os dois, debruçados para vir despejar à casa de banho. Desde isso, foi tudo, agora está tudo.. está mais moderno por uns lados, está pior pelos outros.
P: Mas só para terminar esta questão da motivação, era o desafio das atividades....
Sebastião Mota: Era, era e o amor e o amor. Sem o amor à causa, não se vai lá. E eu tinha muito amor ao Império. Aliás, eu tenho um defeito, por isso é que eu procuro não me ligar a mais coisas. Onde eu me ligo tenho que ir. Eu meti-me em coisas no Império quando era Presidente... Meteu-se-me uma vez na cabeça, lembra-se do conjunto Victor Gomes e os gatos negros? Fizeram um filme. Mas acabam de fazer um filme, o filme passa aqui a Marinha, passado um mês estavam a atuar no Império. Consegui o contato do agente deles. Foi um balúrdio que eles nos levaram, mas nós ganhámos muito dinheiro, tinha que ser portas abertas. Uma vez os Trovante, a seguir ao 25 de Abril, tivemos que montar uma bancada, uma bancada falsa, porque não conseguíamos suportar tanta gente. E pronto eram essas coisas. Eu tinha gosto também de inovar. E gostava de inovar, não sei se também se era das profissões. Porque eu tenho peças em casa, qualquer dia já me passou pela cabeça dar para o museu do vidro, mas ninguém me conhece e deixo lá estar para casa para os meus netos. Eu dava-me gozo o inovar, isso dava-me gozo. Então quando alguém me dizia: Mota, tens de fazer isto - para mim era uma ordem. Eu fazia. Nunca procurei aldrabar em nada e a opinião que as pessoas têm de mim, cada qual tem a sua, como é óbvio. Nós não podemos impor nada a nosso respeito. Mas penso que cumpri no tempo que cá andei, e cá ando, porque não estou para me ir embora já. Penso que cumpri bem com o meu dever. É evidente, há aquela história do sindicalismo que cria muito animosidade. Eu sou do tempo da madisca da carta aberta e disso tudo que esse Mário Soares e esse Gonelha fizeram antes de vir a UGT. E o meu nome chegou a ser alvitrado para representante dos Vidreiros na CGTP. Quando isto aconteceu, foi na altura que eu me afastei do sindicato. Caiu tudo por terra e olhe, cá vou vivendo.