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José de Jesus Nunes Simões

Nome do entrevistador/a

Joana Dias Pereira

Local

Sede do Rancho Folclórico e Etnográfico do Refúgio

Data

4 de junho de 2021

Nome do entrevistado/a

José de Jesus Nunes Simões

Data de nascimento

30 de outubro de 1940

Local de nascimento

Covilhã

Escolaridade

Frequentou o ensino primário na escola do Refúgio, que concluiu em 1952,. Concluiu o ensino secundário (12.º ano) em 2009

Associações em que participou

Associação Rancho Folclórico e Etnográfico do Refúgio
Grupo Recreativo Refugiense
Associação Comercial dos Concelhos da Covilhã

Cargos dirigentes

Foi membro da direção, inclusive presidente, do Grupo Recreativo Refugiense.

Religião

Católico praticante.

Sinopse da entrevista

Ao evocar as memórias de infância, descreve as práticas de reciprocidade nos trabalhos agrícolas, com a designação de "ir a merecer". Relata o contexto de fundação do Grupo Recreativo Refugiense, do qual nasceu a Associação Rancho Folclórico e Etnográfico do Refúgio. Testemunha o papel que o Grupo Recreativo desempenhou na comunidade, respondendo a necessidades básicas. No que respeita ao Rancho, lembra que as recolhas etnográficas, conta, iniciaram-se ainda na década de 1960. Descreve as atividades desenvolvidas no Grupo e todo o processo necessário para o reconhecimento do segundo pela Federação do Foclore. Descreve a atividade do Rancho, nomeadamente os intercâmbios nacionais e internacionais.

Palavras-chave

Testemunho

José Simões: Eu nasci na freguesia chamada de São Pedro, que depois foi extinta e integrada na União de Freguesias da Covilhã e Canhoso, que fica ali próximo da estação dos caminhos-de-ferro. Nasci em 1940 e vim com sete anos para o Refúgio. Aqui fiz a escolaridade básica, era o chamado primário, e entrei no mundo do trabalho com 11 anos. Fui trabalhar para uma mercearia da cidade. Entretanto, fui progredindo na carreira, mudei de entidade patronal para outra com melhores capacidade, uma loja maior. Depois fui para a tropa fazer o serviço militar e aos 20 anos fui incorporado no serviço militar, ainda não tinha começado a guerra colonial. Eu fui para a tropa em 22 de Janeiro de 1961 e a guerra em Angola começou no dia 15 de Março desse ano. Então eu sou mobilizado para Angola, fui dos primeiros militares a ir para a frente de batalha. Eu não tive lá nenhum tipo de problema, felizmente, vim de lá passado 27 meses, em 1963, com boa saúde, boa disposição, tal como tinha ido, sem traumas de qualquer espécie, nem físicos nem mentais.
E, na altura, em 1961, eu saí daqui do Refúgio, que já vivia aqui desde os sete anos, aqui bem próximo, numa quinta, porque os meus pais eram agricultores, eu nasci no meio da ruralidade. E então eu fui daqui, e estava já a notar-se o embrião para a criação de uma coletividade aqui na zona, que é o Grupo Recreativo Refugiense, que está ali em frente. Eu fui em julho, e em julho/agosto… Eu tenho tudo documentado, eu tenho em meu poder todas as cartas que escrevi, à minha namorada e aos meus pais, e todas aquelas que recebi deles. Tenho tudo em micas, por ordem da data, tenho tudo arquivado. Então eu recebo uma carta da que é hoje minha mulher, hoje e há muitos anos, mas na altura minha namorada, a dizer: olha, já temos um grupo no Refúgio, tu já és sócio, que eu pus-te como sócio. Então eu sou sócio fundador sem nunca ter feito nada por isso, porque entretanto eu estava a fazer o serviço militar.

P: Deixa-me só perguntar uma coisa, depois voltamos ao Refúgio. Ontem falei com um senhor que vinha também de uma zona rural e que me disse que achava que havia certas práticas de entre ajuda entre as pessoas do campo, que podem ter sido importantes para a origem do associativismo. Faziam a desfolhada em conjunto, ajudavam-se nas vinhas uns dos outros… Isso também acontecia aqui no Refúgio?

José Simões: Acontecia, chamava-se ir merecer. Ora eu vou merecer ali o António, merecer era a troca, ele já tinha ou estava para vir fazer um trabalho à minha propriedade e eu ia fazer à dele, era a troca de funções. Havia trabalhos, realmente, como a senhora referiu, a desfolhada, a malha do trigo, do centeio, era uma zona muito rica em trigo e absorvia de facto muita mão-de-obra. Assim como a monda, a monda do trigo, era executado por mulheres, depois havia a ceifa, também era muito desse género, também a merecer.

P: Como é que se organizavam?

José Simões: Aquilo era já tradição, já sabiam. O vizinho do lado já sabia que ia ser convidado, porque também precisava do trabalho do outro. Havia essa troca de trabalhos, que chamava-se, aqui da zona, merecer. Eu vou merecer o Manel, que o Manel já cá veio, vou merecer o Manel, porque ele há de vir aqui. Colaboravam nas malhas, nas ceifas, na monda, tirar as ervas daninhas do milho. O trigo era sachado...

P: As mulheres também faziam isso?

José Simões: As mulheres faziam o trabalho das sachas e das mondas, era só de mulheres. Também faziam essas trocas. Os homens não se metiam nisso, assim como as mulheres não iam ceifar, nem iam cavar. Era um trabalho mais pesado, era entregue a um homem.

P: E elas organizavam-se entre elas?

José Simões: A organização podia ser comum, podia ser o homem a dizer: olha preciso que lá vás ajudar a minha Rosa que ela depois vem cá e tal. Isso podia acontecer, não é que tivesse de ser mulher com mulher, não havia esse preconceito. A sacha era feita por mulheres, a monda era feita por mulheres. A ceifa e o cavar da terra era feita por homens. A malha era feita por homens, com um mangual. O mangual era um utensílio que procedia à debulha do milho ou do trigo. Era bater na palha e os cereais iam caindo. Portanto, a função do homem era malhar e depois vinha a mulher com os vassouros (chamados vassouros, que são umas vassouras de giesta) e varria a eira e juntava a semente. Depois vinha o homem, que fazia a limpeza da semente, com uma pá que limpava a semente e vinha o vento e levava a semente que era mais pesada para um lado e o vento levava os resíduos para o outro. Portanto, só faziam este trabalho quando havia um bocadinho de vento. Esperavam que houvesse vento para desenvolver este trabalho.

P: E quando iam a merecer, iam vários?

José Simões: Iam vários… dependia do trabalho e da extensão da exploração.

P: Como é que se escolhia quem ia? Era por relações de amizade?

José Simões: Era organizado por família, era o primo, era o tio, era o cunhado e os vizinhos mais próximos, que eram amigos.

P: E depois nesses trabalhos, como este que me descreveu, juntava-se bastante gente?

José Simões: Juntava-se bastante gente. Dependia do trabalho, se o trigo era muito. Dependia sempre do espaço.

P: E depois, faziam um convívio?

José Simões: Claro, o convívio era indispensável, à volta da mesa ou da adega, os homens, era indispensável.

P: Então acha que o associativismo pode vir daí?

José Simões: Não sei, isso não sei. Até porque o associativismo vem de tão longe não é, e a senhora tem prova disso, que não sei se é por aí.

P: Mas, por exemplo, especificamente aqui no Refúgio?

José Simões: Aqui no Refúgio, o desporto rei levava muitas pessoas a organizar-se. Portanto, isso era uma fonte de obrigação de reunião, o futebol: 11 para cada lado, era logo 22, mais os suplentes, mais não sei quê, havia logo ali um grupo de 30 ou 40 homens. A mulher, nem pensar, a mulher não jogava à bola.

P: Mas foi sua namorada que o inscreveu.

José Simões: Que me inscreveu, sim, mas jogar à bola não. Depois acabou por haver necessidade de informação. Tinha aparecido a televisão, em 57, as pessoas não tinham capacidade financeira para adquirir o televisor e era o Campé, que era o restaurante do sopas, era o Campé, era o único aqui da zona que tinha uma televisão. O homem que era o dono era assim um bocadinho bruto e metia-se nos copos e quando estavam lá a ver o futebol: tudo para a rua! Estavam a ver a televisão: tudo para a rua. Vou fechar a porta e tal e fechava. E as pessoas começaram a ter mais necessidade ainda de se reunirem à sua vontade, de uma casa onde tivessem o seu televisor e vissem a televisão o tempo que quisessem. Ele fechava à meia-noite. Também à meia-noite a televisão acabava, não era como hoje, e era só um canal. Portanto, isso foi uma das razões. Depois, a guerra do Ultramar também trouxe a necessidade da notícia, saber do acontecimento, do que estava lá a acontecer. É através da televisão que se sabia. Tudo isso foi conjugado para que esta coletividade nascesse.

P: Então, conte-me lá como é que foi: a sua namorada escreveu-lhe a dizer que já o tinha feito sócio...

José Simões: Que já havia o grupo, que já me tinha feito sócio, era já sócio, ela cá pagava a quota de um euro por semana, entretanto eu regressei. Eu fui criado num ambiente rural. O meu pai era um excelente executante de concertina. E eu regressei e toquei concertina. Eu desde que me conheço como pessoa humana que me lembro do meu pai à noite. Acabava o trabalho do campo, que era duro, e chegava e tocava a concertina e a minha mãe cantava e era uma alegria lá em casa. E eu sempre senti essa necessidade da união. Como já tinha nascido aqui um agrupamento, eu integrei-me aqui. Entretanto, veio o ano de 1966 e foi criada aqui uma comissão de festas para comemorar o quinto aniversário do Refúgio, do grupo... Fui convidado e fiz parte, fiz parte de uma comissão de jovens. Fomos para a mesa: o que é que faz? Foi da altura em que começaram a aparecer os conjuntos musicais porque até aí era a grafonola, era o gira-disco, começou a aparecer o conjunto musical, também da província. Ah e tal, vamos buscar conjunto e eu disse: também ficava bem aqui era um rancho folclórico. Eu tinha de facto esse bichinho do folclore. Ai, é difícil...Posso fazê-lo à minha maneira? Ai se fores capaz. Então criei este grupo de folclore, em 1966.

P: Como é que o criou? Com quem?

José Simões: Foi muito fácil, foi fácil. Falei com o meu pai, que era o terror da concertina, falei com um senhor que já tinha organizado umas marchinhas e tal e o homem disse logo que sim. A juventude aderiu toda. Tivemos de selecionar: tu não prestas, que danças mal. Hoje andamos às vezes atrás deles: andai cá que eu dou-vos uma coisinha… Era uma localidade aqui na zona histórica, hoje tem 13 ou 14 pessoas, na altura tinha quinhentas. Havia aqui muita matéria para selecionar. Portanto, foi fácil. Aquilo foi para integrar esses festejos, mas aquilo correu tão bem, que eu já vos falei que havia de continuar e então já fomos ver de um chamado ensaiador, já quase profissional, um homem de acordeão, já com uma capacidade e pronto, arrancámos. Eu conto aqui a história [ofereceu-me uma monografia].

P: A que bom, obrigadíssima. Muito obrigado.

José Simões: Vou-lhe oferecer. Então agora, em 2019, nós temos aqui na coletividade, no rancho, o presidente da Direção ligou-me agora, porque eles não fazem nada sem mim. Ligou-me agora, é o vice, o [...]. O vice-presidente é historiador, é professor e é historiador, tem várias obras e eu desafiei-o: Oh, professor, o senhor tem de fazer aí uma recolha, tem de fazer a história deste agrupamento. E ele disse: Oh, Sr. Simões, e já viu o trabalho que me dá? Então quem tem de fazer é o senhor, se foi o senhor que o criou, foi o senhor que esteve ao longo dos tempos ligado a ele. Eu gosto de escrever, gosto de escrever, eu tenho até outro livro editado, são as minhas memórias de guerra, que tenho vendido para todo o país, para todo mundo quase, que me pedem livros do meu tempo de guerra. Tem uma introdução do Nascimento, curtinha, ali uma introdução ao livro. Consegui que o prefácio fosse feito pelo meu comandante, que tem um valor histórico para mim, e depois conto a minha história da guerra, na primeira pessoa, sem ficção alguma, sempre o real. Lá está, foi aquilo que eu vivi e sofri e passei, os bons e os maus momentos, na guerra eram mais maus do que bons, mas também se passaram alguns bons. Então, está bem, professor, eu sou capaz de escrever e o senhor faz depois uma revisão? Faço. Pronto, e escrevi, então tem aqui a história. E então eu escrevi este livrinho com a história precisamente deste rancho folclórico.

P: E então depois começou a ser uma coisa mais profissional, não é?

José Simões: Profissional não chamarei, porque não há profissionalismo no folclore, mas passamos a ter mais cuidado. Começamos a fazer recolhas próprias das danças, cantigas, ia a muitos colóquios sobre folclore e etnografia. E, mais tarde, candidatámo-nos… muito difícil, uma candidatura muito difícil… a ser membros efetivos da federação do folclore português.

P: Isso foi quando?

José Simões: Isso foi em 1991, já.

José Simões: E essas recolhas começaram logo nos anos 60, ainda?

José Simões: Começaram logo, começaram em 66. Em 66 houve um arranque, depois os fatos que os elementos tinham usado, tinha sido tudo emprestado das várias coletividades, um tinha um fato, outro tinha outro e nós tivemos de devolver. Entretanto, em 1967, eu casei. Casei, fui viver para a cidade, fica um pouquinho… hoje é perto, na altura não havia automóveis como hoje. Da cidade aqui eram três quilómetros. Entretanto, eu venho para a cidade, o meu pai faleceu com 52 anos. Aquilo não durou muito, e parou, teve uma paragem. E então reorganizámo-nos em 1969, já com um traje próprio, com recolhas próprias, como sempre melhorando.

P: Como é que fizeram? Como é que angariaram dinheiro para comprar os trajes?

José Simões: Saímos várias equipas a fazer um peditório aqui às pessoas. Toda a gente dava, toda a gente queria o seu rancho folclórico – 20 escudos, 50 escudos, 10 escudos, tudo. Comprámos os tecidos, mandámos fazer, foi tudo gratuito, a confecção foi toda gratuita, portanto tivemos de adquirir os tecidos. O calçado tivemos de comprar.

P: E baseavam-se no quê, para desenhar os fatos?

José Simões: Eram baseados em fotografias da época. Eu tenho fotografias dos meus avós, dos meus bisavós, que serviram muito, eu e outras pessoas. E depois fizemos o apelo às pessoas que tivessem em casa roupas dos antepassados e, sei lá, das arcas, como eram. Era por aí…

P: Porque a ideia era fazerem um fato que fosse aqui da região?

José Simões: Da região e daquela época, de finais do século XIX e até aos anos 20, 30 do século XX.

P: Porque é que era esse período?

José Simões: Era o período em que começou a haver a consciência de que era preciso preservar. Até aí não havia grandes motivos para isso. E então foram criados organismos, mais tarde, na altura a FNAT, que é hoje INATEL, começou a preocupar-se um bocado com isso. Ainda no tempo do Salazar, talvez para desviar também atenções, está a ver? Criou várias coletividades até aqui na cidade. Essas coletividades tinham habitualmente o futebol para os homens e o folclore para as mulheres, e não só.

P: Mas era para desviar as atenções do quê?

José Simões: Desviar as atenções da contestação e trazer o povo contente.

P: Havia muita contestação aqui na Covilhã?

José Simões: Havia, aqui havia muita. Os lanifícios traziam muita contestação. Houve uma altura em que o primeiro de Maio só era reconhecido na Covilhã, só era celebrado na Covilhã. O resto do país, com medo das represálias... E mais tarde foi proibido também. Vinha por aí a PIDE, a GNR e tal, ia às fábricas ver quem estava a trabalhar. O patrão dizia: falta cá o Manel, o Jaquim e tal. Quem são eles? E tinham lá à porta e levavam-nos

P: E então a FNAT criou estes ranchos?

José Simões: Criou estas coletividades e apoiava o folclore e o futebol, eram as áreas....

P: E vocês tiveram apoio da Fnac?

José Simões: Não, não tivemos, na altura. Porque entretanto, parece que havia liberdade, mas não havia tanta como isso… Como na freguesia de São Martinho havia já uma coletividade, que era o Oriental de São Martinho, e então já havia essa coletividade inscrita, não podia haver uma segunda. E então tivemos de ir por outro lado e conseguiu-se. Conseguimos através do Governo Civil e não ficámos integrados na FNAT, ficamos nas colectividades de cultura e recreio.

P: Ou seja, conseguiram oficializar estatutos como uma coletividade de cultura e recreio?

José Simões: Sim, sim, era mais o Governo Civil que dava ordens que podiam abrir e funcionar. Os estatutos e tal, assinados pelo governador civil, e mais tarde houve então a inscrição nas colectividades de cultura e recreio.

P: E tinham sede?

José Simões: Tínhamos sede ali, quando viraram para aqui, a sede está lá, fechada praticamente. Muito grande, muito boa, mas aquilo é um corpo sem alma neste momento.

P: Do clube recreativo do qual faziam parte?

José Simões: No grupo de recreativo do qual fazíamos, mas fomos obrigados a sair, há nove anos só, estivemos ali ligados. Agora foi instituído um estatuto próprio, mas nessas coletividade hoje vai uma direção que gosta de folclore, depois vai outra que já não liga nada, então é posto de parte.

P: Então e nessa altura integravam o clube recreativo?

José Simões: Integrávamos com estatuto próprio, nós tínhamos os nossos dirigentes dentro do grupo.

P: Logo nessa altura, em 1966?

José Simões: Não, nessa altura não se pensava muito nisso aqui, era tudo a monte. Em 1985 é que se começou a fazer essa revisão.

P: Então até ao 25 de abril estavam junto do Clube?

José Simões: Até ao 25 de abril e não só, estivemos até 1985. Contudo, depois criou-se o estatuto próprio para o rancho, ainda tutelado pelo grupo recreativo. E depois, em 2012, é que nos constituímos em associação autónoma.

P: Então, durante esse período em que estavam lá, reuniam e desenvolviam a vossa atividade ali naquela sede?

José Simões: Desenvolvíamos a atividade lá, mas os ensaios normalmente eram feitos fora, aquilo tinha condições para isso, depois agora é que fizeram obras, mas era muito pequenino. Então ensaiávamos na escola, nas garagens dos vizinhos: ah, podem vir aqui para a minha garagem. E íamos lá. Olha, afinal, agora já tenho aqui que meter o carro, já comprei o carro e tal. E íamos procurar outro espaço, foi assim um bocadinho de malas às costas.

P: E também fazia parte da direção do clube?

José Simões: Fiz parte da direção do Refúgio como secretário da Direção durante vários anos e presidente da Direção.

P: Que outras atividades é que o grupo desenvolvia para além do folclore?

José Simões: Desenvolvíamos atletismo. O futebol era quase a brincar. Eu joguei futebol, mas o atletismo era uma coisa a sério, chegámos a estar nos campeonatos nacionais. Eu tenho um irmão que foi na altura oitavo, no Estádio José de Alvalade, nos campeonatos nacionais de atletismo, que pertencia aqui.

P: E isso era desportivo, e a nível cultural, era só o rancho?

José Simões: Só o folclore. Fez-se também teatro esporádico.

P: Organizavam-se em comissões?

José Simões: Era em comissões, que não eram difíceis. No aspeto do teatro, quem fazia os ensaios era o [...], o escritor, é daqui do Refúgio. E então ele é que estava ligado a essa parte, tinha muito jeito, fazia os ensaios, programava tudo o que era essa área de teatro, mas era episódica.

P: E era para fazer espetáculos aqui?

José Simões: Fazíamos aqui. Ele era um indivíduo muito esquerdista na altura, mesmo antes do 25 de abril. E na altura ele ensaiou uma peça que era um comboio. Então fizemos aquela peça, estreou-se aqui, aquilo correu muito bem, muito bonito. Como eu disse, havia muita juventude, estavam prontos para tudo. Muita gente a assistir. E veio uma coletividade de cultura e recreio que é o Campos Melo: epá, vocês têm agora uma peça de teatro. Não foi o Campos, foi o Rodrigo, o Giro do Rodrigo. Têm uma peça de teatro, gostávamos que fossem lá e tal. Está bem. Nós queríamos era ir. Está bem, vamos lá e tal. Então foram tratar dos papéis, era obrigatório na câmara. A Câmara Municipal tinha de dar ordem que ia decorrer aquele espetáculo tal. Quando lá chegámos, aquilo era uma peça proibida, antes do 25 de Abril era proibida. Fomos lá chamados: vocês, o que é que estão aqui a fazer e tal? Nós armados... o outro sabia, que era muito esquerdista, mesmo do Partido Comunista. Olhe, íamos tendo dissabores. Ficámos pela apresentação. Já tínhamos colados cartazes, O Comboio! P:E tal aí pela cidade, quando chega...[ri-se]

P: E tiveram mais problemas assim com a PIDE?

José Simões: Não, nunca tivemos, aquilo acabou por não ser problema. Disseram-nos: isso é proibido. Nós não sabíamos, longe disso, a nossa ideia, de que realmente fosse proibida.

P: E tinham biblioteca?

José Simões: Tinham biblioteca, com limites, com livrinhos que também ofereciam. Iam oferecendo livros e fazendo uma bibliotecazinha. Chegou a ser engraçada.

P: E havia muita gente a ler?

José Simões: Havia muita gente a ler e tinha outra particularidade, aquela coletividade servia para tomarem banho.

P: Muitas tinham isso, não é?

José Simões: Todas tinham, quase todas tinham e estas rurais… esta fazia parte de uma freguesia urbana, mas esta parte muito mais rural e não havia casas de banho. As pessoas ainda andavam com a malga, todos os dias de manhã, a levar os dejetos. E então era o banho, o banho que era semanal. Pagava-se ali uma quantia irrisória para o gás e para a água.

P: E tinham assim mais algum mecanismo de entre ajuda? Havia umas que tinham subsídio de funeral…

José Simões: Havia subsídio de funeral e o respeito que havia na altura pelos mortos. Quando a pessoa morria, não havia música, não havia... Logo que fosse sócio, a televisão é desligada, acabava a televisão. A bandeira era hasteada a meia haste e depois havia...
Houve assim umas coisas episódicas, que eu lembro que organizei lá, quando eu era presidente. Uma exposição de desenho do concelho, que teve uma adesão tremenda. Vimos difícil arranjar espaço para a exposição, andei de escola em escola a pedir, todas as crianças e os professores aderiram, os alunos fizeram muitos desenhos. Pronto, foi uma ligação às escolas, já nessa altura grande, e depois disso não tenho ideia de alguma atividade.

P: Então e depois do 25 de Abril, como é que foi?

José Simões: Depois do 25, até veio liberdades a mais, o rancho folclórico até parou, já tudo queria era discotecas e não sei quantos, mas depois recuperou-se novamente. Houve assim uns desmandos, umas euforias, mas enfim...

P: E quando é que começaram assim com este interesse em preservar esta memória, quando é que isso começou?

José Simões: Olhe, isto já vem de longe. Por minha iniciativa já íamos guardando umas pecinhas, já íamos arranjando… olha, fica aqui guardado numa lojinha, alugámos um espaço. Em 2000, adquirimos esta casa de renda. E começámos a montar aquilo que já tínhamos e fizemos um apelo às pessoas para que entregassem aquilo que lá tinham, que não deitassem fora, que nos dessem, nós reparávamos, se era caso disso, se não tivesse interesse, destruíamos nós. Começou a aparecer, em 2000.

P: E no rancho, tinham a preocupação de ir procurar músicas que fossem tradicionais?

José Simões: Sim, sim, tradicional. Até porque, a partir de 91, como membros efetivos da federação, não podemos pôr música nenhuma que não seja daqui da região. A música, a dança, a cantiga, o traje, o instrumento. É muito rigoroso, nós levámos o processo de integração para aí três anos. Vinham os técnicos e verificavam e chegavam ali e viam uma mulher que a meia devia ter este tamanho e estava assim, era rejeitado. É muito complicado. Eu costumava dizer que o processo de um grupo entrar como sócio efetivo da Federação do Folclore Português é mais difícil do que Portugal ter aderido à CEE. Muito, muito difícil. E mesmo agora, nós agora somos avaliados de dois em dois anos. Vem um grupo de avaliação técnica, cinco ou seis elementos, e nós temos de mostrar tudo: a dança, a cantiga, o traje, tudo, tudo ao pormenor, e depois somos classificados de zero a 10. Nós, na última avaliação, olhe em 2019, depois, em 2020, não houve, depois tinha de haver em 2021. Nós, numa escala de zero a 10, obtivemos 8,95. Muito bom, muito bom, mas temos que ter um cuidado extremo. Não pode haver unhas pintadas, não pode haver sobrancelhas tratadas, não pode haver vernizes, não pode haver pinturas. Nesse dia, as raparigas têm que tirar tudo.

P: E antes, não era tão rigoroso? Como é que vocês faziam a investigação para...

José Simões: Fazíamos, havia, as pessoas chamavam os incentivadores de carreira. Eles é que vinham. Olha, vem lá ensaiar o rancho e tal. Ah está bem, eu vou. Ele trazia as cantigas, que já tinha lá do repertório, que ele tinha recolhido ou não, não havia aquela preocupação tão grande. A partir de 1985 é que eu pus de parte esses ensaiadores, vi que aquilo não era nada. Comecei eu a fazer, a ler e a tentar informar-me bem o que era o folclore e a sua essência e tomei conta do caso. Os gajos não sabem nada, agora sou eu que tomo conta e comecei a aprofundar a informação que pus a prática no terreno.

P: E o que é que descobriu nessa investigação?

José Simões: Descobri que o folclore é uma arte, é também uma ciência e, como tal, ela não deve ser adulterada. Tem de ser o mais fiel possível às nossas raízes. Fiz muita recolha e pus elementos a recolher com as pessoas de 80 anos, 90 anos: olhe, o que é que cantava quando andava a bordar? O que é que cantava quando andava a sachar? E nós, com um gravador, íamos gravando. Olha, como é que se vestia? Olhe, ainda lá tenho uma saia da minha avó. Vá lá buscar: uma fotografia. Era feito desse modo. Era feito assim, ainda hoje se continua a fazer, agora menos. Agora já me vêm perguntar a mim, um ou outro...

P: Eu estava a ver ali naquele livro que tem ali, que é muito interessante, que tem ali músicas do trabalho...

José Simões: Esse foi o primeiro trabalho que nós fizemos, que o grupo fez, tem lá também um CD.

P: Pois é…

José Simões: O livro foi, é, um projeto nosso, do rancho, e do Grupo Recreativo, onde estávamos inseridos na altura, em 2004, e as recolhas eram daquilo que já tínhamos já feito. Depois, passou-se para a pauta musical, que é o trabalho conjunto, está também lá uma parte minha, mas foi coordenado pelo Doutor [...], que é um musicólogo, é mesmo formada em Musicologia Popular. E então, ele era muito nosso amigo e eu fui buscá-lo. Fui buscá-lo para o nosso lado e até agora está a trabalhar num projeto que estamos a desenvolver, está a trabalhar connosco.

P: Qual é esse projeto?

José Simões: Esse projeto é baseado naquela estrutura que foi agora criada de… deixa-me lá ver qual é que é o nome…É uma estrutura regional, vários conselhos se agruparam. Eles agora lançaram um programa, um projeto das coletividades. Nós somos líderes, aquilo tem de ter um líder e depois esse líder tem de arranjar associações dos outros concelhos. Neste caso, são cinco: Covilhã, Guarda, Fundão, Sabugal e Belmonte, estão agrupados os cinco. Comunidades Intermunicipais, é isso. E então vêm propor, é um projeto, é uma candidatura. Vão aparecer e nós estamos a trabalhar nesse sentido. Já escolhemos o tema, reunimos com as coletividades todas e todos apresentaram nomes para o projeto, por acaso foi o meu que foi escolhido. E chamo-lhe Unidos por um fio.
Este fio condutor que nos une e ao mesmo tempo é o fio de lã, que engloba todos estes municípios. Agora, cada grupo, nós, o nosso grupo de folclore, que vai funcionar só com uma cantata, um cantarzinho de música e canto, não mete dança, para facilitar, porque são menos elementos, a logística é outra. E é menos gente a comer, porque o projeto inclui a alimentação, a verba que vão dar, no caso de sermos vencedores, temos que saber distribuir muito bem e quanto menos comerem menos temos de pagar ao restaurante.
Temos um grupo de concertinas, que representa a Guarda. Um grupo de Bombos, que representa o Fundão e Sabugal, é um grupo etnográfico. De Belmonte é um grupo de cantares populares e do Sabugal é também um grupo de folclore, que vai com a tocata. Agora estamos a fazer essa candidatura com muito cuidado e queríamos que ela fosse aprovada. E nós estamos a liderar este processo e então fomos buscar o nosso vice-presidente, que é historiador, o Doutor Jorge Daniel, que é musicólogo. E estamos a trabalhar em conjunto para que essa candidatura possa ter muita força. Tem cinco espetáculos, um em cada concelho, é a obrigatoriedade. Nós já escolhemos o calvário, a capela do calvário.

P: Diga-me uma coisa, estava-me a falar aqui desta cooperação entre associações, isso existe desde quando, ou seja, os ranchos folclóricos já se reuniam antes?

José Simões: Os festivais folclóricos fazemos todos os anos. Nacionais ou internacionais. Nós tínhamos programado para 2020 o Internacional, o Grupo de Espanha e de Portugal. Tínhamos um grupo de Santarém, tínhamos um do Norte, de Gondomar, eram cinco ou seis grupos. Fazemos anualmente.

P: Desde quando é que se começou a fazer isso?

José Simões: Desde 1985.

P: E antes do 25 de Abril, já havia essa interação entre grupos?

José Simões: Havia, mas não estava tão enraizada. Havia, mas muito menos, muito menos. Os festivais do folclore, aliás, só apareceram depois do 25 de Abril. Porque são incentivados pela Federação do Folclore Português e a federação nasceu em 1977. Porque até lá também a associação livre não era admitida, não é?

P: E então nasceu em 77 e começou a organizar essa altura...

José Simões: Em 1977 a Federação do Folclore Português foi criada e começou a haver essa evolução no bom sentido, tanto pela qualidade dos grupos, como também na organização desses eventos.

P: Qual é que foi o primeiro em que vocês participaram?

José Simões: Foi um organizado aqui, no Refúgio. Eu lembro-me que fui à Câmara, em 1985, ao vereador da cultura e digo-lhe eu: oh senhor vereador, nós queremos organizar um festival de folclore. Epa, vocês são doidos, então vocês têm a capacidade? Quantos grupos? Cinco, seis grupos. Vocês não se metam nisso, já viu qual é a capacidade? Deixa isso connosco, deixa isso comigo. E diz ele: então, mas o que é que pretende de nós? Poder dar a notícia, não peço mais nada. Só quero que me monte lá um palco. Não pedem mais nada? Não! Se quiser depois dar mais algo... E organizámos muito bem. Depois, olhe, apareceu-nos alimentação, apareceu-nos tudo. A coisa correu tão bem, em 1985. A partir daí, nunca mais parámos.

P: De ir a outros sítios e de trazer outros cá?

José Simões: Vamos, também. No fundo, é retribuir a vinda, é o ir a merecer.

P: E esse intercâmbio é importante?

José Simões: É, importante, muito importante. É importante e mantém os elementos do grupo focados nesse projeto, que também gostam de sair, gostam de ir a Lisboa, ao Porto, a Paris, como já fomos duas vezes, à Ilha da Madeira, tudo isso. Pronto, se calhar nunca tinham ido lá…

P: E quando vão por exemplo a Paris, são recebidos pelas comunidades portuguesas?

José Simões: Sim, somos recebidos em casa de portugueses. Dormimos em casa dos portugueses.

P: Que também têm ranchos lá?

José Simões: Alguns têm.

P: E nesses festivais internacionais, quem é que participa?

José Simões: Participam grupos que nós convidamos desse resultado, também em permuta. Nós temos ido mais para os nacionais, por uma questão económica, porque fora do país custa mais dinheiro. Mas já tivemos aqui grupos de Badajoz, de Múrcia, fomos a Múrcia. Também já tivemos grupos de Toledo, Badajoz, como eu disse, e agora vamos ter… está contratado no próximo festival que houver, o grupo aqui da região da Extremadura, uma localidadezinha da Extremadura espanhola.

P: Então e nesses festivais fora, juntam-se grupos de várias partes da Europa?

José Simões: Sim, olhe nós, por exemplo, participamos há três anos num festival em Maia, Porto, onde estavam grupos de sete ou oito países. Pois, de Portugal estávamos dois, estava o Refúgio e o organizador. Depois havia do Peru, da Colômbia, de Espanha, da Venezuela… eram oito grupos ao todo, seis países, com Portugal sete.

P: Eu já estive a estudar também as associações nas ex-colónias portuguesas e vi que no passado também havia associações de folclore lá, portugueses, Casa da Madeira. Vocês nunca tiveram intercâmbio com os países das ex-colónias?

José Simões: Não, sabe, nós temos muitos convites, da Polónia, da Roménia… Mas não temos a capacidade económica para nos deslocar. Se tivesse um convite das nossas ex-colónias, também não íamos, com certeza. Eu nunca me apercebi, mas deve ter havido.

P: E assim das comunidades portuguesas que há pelo mundo inteiro.

José Simões: Isso há. Do Brasil, já tivemos aqui um grupo do Brasil.

P: Mas de portugueses que estão no Brasil?

José Simões: Portugueses que estão no Brasil, orientados por uma senhora brasileira. A diretora era uma senhora brasileira. Veio o grupo, o representante deles artístico é o [...]. Morreu há dois anos, veio aqui com eles, por duas vezes…

P: E essa ligação, vocês para além de atuarem uns com os outros, o que é que fazem mais, discutem estas questões do folclore?

José Simões: Habitualmente não há tempo para isso. É chegar lá, trajar, jantar… Os festivais são sábado à noite, habitualmente. As pessoas aqui trabalham até ao meio-dia, uma hora, em alguns casos, temos de esperar. Vamos de autocarro para o Alentejo ou não sei quantos, chegamos lá quase em cima da hora. Há uma sessão solene, sempre agendada com os grupos todos, com o presidente da Câmara, ou alguém que o representa, o presidente da Junta, os grupos todos, representação dos vários grupos. Uma sessão solene. Depois vamos ao jantar e vamos para o palco. E sairmos do palco, toca a tirar o fatinho, vestimos os nossos, meter no autocarro. E chegar aqui às quatro, cinco da manhã.

P: Então diga-me uma coisa: isto do associativismo, porque é que dedicou tanto tempo da sua vida?

José Simões: Por amor ao folclore, especialmente. Embora o associativismo também me diga muito. Eu depois criei aqui o Grupo de Cantar, ligado à Igreja, criei aqui um grupo de teatro, que fizemos quatro anos com a mesma peça em cena, percorremos quase o país todo. Com 60 elementos, eram 60 elementos, o grupo de teatro. O musical.

P: Como é que se chamava?

José Simões: O Nazareno, era baseado na vida de Cristo. Foi baseado, não sei se conhece, numa obra do Frei Hermano da Câmara. Era um fadista de um bairro de Lisboa que enveredou pela vida cristã. Foi para um convento, mas a voz não a deixou cá fora, como é lógico. Então ele tem uma carreira artística muito grande. E criou uma peça ligada à vida de Cristo, que é O Nazareno, uma peça musical. Nós adaptámo-la para o teatro, com instrumentos próprios, acordeão, órgão, viola, tudo organizado por mim. Fiz a encenação, encenei a peça e começámos a ser chamados para muitas outras do país. Nós, o último espetáculo que fizemos, terminámos, porque depois, entretanto, o rapaz do piano era professor, foi daqui para fora. Os professores andam sempre com a mala às costas. Foi parado e tal, pronto ficámos por aí. Fizemos o último espetáculo em Fátima, no anfiteatro Paulo Sexto, com 3500 pessoas a assistir, no Dia Internacional da Juventude. Foi criado por mim, isto é a prova daquilo que eu tenho dedicado à bandeira do associativismo também. E então dá-me muito gosto. Fui aqui também secretário da Direção da Associação Comercial dos Concelhos da Covilhã, Belmonte e Penamacor, durante três mandatos.

P: Qual é a atividade que desenvolvia?

José Simões: Ligados ao comércio, todo o comércio e indústria. Pagavam as suas quotas e depois fazíamos vários eventos, com alguma grandeza, na universidade da cidade da Covilhã, para apresentar um cortejo etnográfico. Coisas várias dessas, o cortejo do trabalho, exposições, ainda existe a associação, hoje com o nome de Associação, na altura Grémio, do comércio. Agora até me vão contratar para fazer um filme para a RTP. Sou personagem num filme que vai passar na RTP no último trimestre deste ano, A Traição do Padre Martinho.

P: Que personagem é que vai fazer?

José Simões: Tio Francisco. Já fiz, já está filmado. O protagonista principal é o Diogo Martins, um autor especialmente de novelas. O Ricardo Carriço, a Eva Barros, o Manuel Marques, que trabalha muito com o Herman, o Rui Mendes, o consagradíssimo Rui Mendes. E depois, havia no meio do elenco todo dois atores não profissionais. Então fizeram um casting, mas não disseram para que era. Puseram-me a ler e depois telefonaram: o senhor está contratado para fazer, vou entrar em contato consigo para acertar valor. Eu julgava que aquilo era de borla. Para acertar valores e combinar, precisamos de si, pelo menos três sessões. Depois ligaram: olhe, já falou o não sei quantos consigo? Já. Era para acertar valores. Olhe, 125 euros por cada sessão, mais alimentação, está bem? Eu até achei muito dinheiro. Olha, então vamos lá ver, 125 × 3, não é? Exatamente. Se for preciso mais alguma? Está bem!

P: E então, foi o teatro, foi os cantares. Quando é que isso foi? Quando é que começou?

José Simões: Isto foi na época de 80. Os cantares foi um bocadinho anterior, foi na década de 70, talvez. Depois criei o grupo de teatro na década 80 e tal. Foi só aquela peça.
P: E os cantares era como, era um coro?

José Simões: Cantares era um coro, vestidinhos com um papillon os homens, as mulheres uma echarpe.

P: E o que é que cantavam?

José Simões: Eram repertórios populares, mas não rígido aqui à região. Cantiga popular, fosse de Lisboa ou do não sei quantos, cantávamos tudo.

P: E onde é que atuavam?

José Simões: Olhe, em vários locais, nunca saímos aqui da zona. E eu lembro-me de um espetáculo que participámos para a Rádio Renascença. Veio aqui fazer um espetáculo à Covilhã, fomos contactados, contratados não, contratados era se ganhássemos dinheiro. E lá fomos fazê-lo, ao ar livre e aqui assim na região, várias pessoas: ah, vocês têm um grupo de cantares, vão lá… Vamos, então não vamos?

P: Então foi o folclore, foram os cantares, foi o teatro e foi isso. Não fez parte das coletividades da Covilhã, quando estava lá a trabalhar, foi sempre aqui no Refúgio?

José Simões: Sempre aqui no Refúgio. Não, na Covilhã só aquela associação comercial, já virada para um patamar mais elevado.

P: Então, e entre todas estas experiências, qual foi aquela que mais o marcou?

José Simões: O que marcou mais foi o grupo de folclore. Mas gostei muito daquela do teatro, o teatro musical, porque foi preciso escolher muita voz, selecionar muita voz. A voz de Cristo, de Maria, dos anjos, do dono do Canal, do Doiro, havia muitas vozes que era preciso selecionar, bem cantadas, tinham de ser bem selecionadas. Isso dava algum trabalho.

P: E diga-me uma coisa, a Covilhã é uma zona muito fabril, toda gente praticamente que eu entrevistei está ligada à indústria de lanifícios…

José Simões: Eu por exemplo nunca estive.

P: Mas aqui o refúgio também?

José Simões: O Refúgio também teve aqui uma fábrica, aquele poema que eu fiz…
Refúgio, local com muita história, vivências e memórias, Terra de trabalhadores, operários e doutores, escritores, poetas, pastores, agricultores, foste refúgio de hebreus, tecestes ....(?)
Fardaste os soldados dos quartéis, produziste finos tecidos, vestiste nobres e mendigos. Foste terra de realeza, de povo e de nobreza. Recebeste El Rei de Portugal, D. Carlos de boa memória, enriqueceste a tua história, transformaste o trigo em farinha, acolheste a Rainha monarca do teu país, Amélia de seu nome, em teu palacete dormiu e o povo a aplaudiu, foste, és terra de tradições, de festas e romarias. Acolheste a festa brava, touros e toureiros numa praça com história construída pelo fogo, pela tristeza do povo. Os tempos transformaram-te, desse resta a história, mas continuas a ter gente com garras e valentia para construir o teu futuro de cada dia.
Cá está, ligada à indústria. O Rei Dom Carlos visitou a indústria em 1891, depois de inaugurar os caminhos-de-ferro da Beira Baixa e dormiu aqui. O nome do Refúgio… Há várias ideias. Ao concreto, acho que ninguém sabe. Parece que a mais lógica, que tenha a ver com o D. Sancho II, o Povoador. Ele tentou povoar esta zona, no caso inóspita, pouco da obra, de montes e tal. Então, todos aqueles que andavam fora da lei ficavam integrados da sociedade, se chegar aqui refúgio. Chegavam aqui, eram fora de lei. Eu quero ser cidadão livre. Eu quero me integrar aqui, pronto. Quero aqui ficar. Essa é uma daquelas que é mais consentânea. Também tem muito a ver com os hebreus, no tempo da Inquisição, parece que aqui também era um bocado o refúgio deles. Mas há muitas versões, não sei qual é a correta…

P: Então, agora, e só para terminar, diga-me, queria saber o que é que acha que será o futuro do associativismo?

José Simões: Olhe, eu já vi isto quase a desaparecer. Depois parece que vejo outra vez a pegar no fio, e que a coisa terá futuro. Enfim, estou convencido que sim. Estou convencido que sim. É verdade que talvez precise de uma reciclagem, porque hoje já ninguém vem à associação para bailar, para dançar. Os bailaricos é na discoteca. Já ninguém vem cá para tomar banho. Já ninguém vem ver um jogo de futebol, tem em causa tudo. Tem 100, 200 canais, sentado no sofá, lá estão em contacto com o mundo. Terá de haver outros motivos que possam atrair as pessoas, isso vai muito da imaginação dos dirigentes. Os dirigentes têm de ter mais sensibilidade do que antigamente. Antigamente qualquer um dava. Porque aquilo era abrir a porta e as pessoas entravam, era pôr o disco a tocar e as pessoas dançavam, era ligar a televisão e a sala estava cheia. Hoje não, mas até tenho esperança.

P: Aqui o vosso rancho está perfeitamente modernizado, até faz candidaturas.

José Simões: Sim exatamente. Agora, nós somos uma associação um bocadinho sui generis, porque não tem aqui uma casa aberta. A senhora vai a qualquer associação e vê os bilhares, as cartas, vamos ajudar, vem outro beber um copo de vinho, um café e tal, é tudo o que é necessário. Nós não temos. É uma associação um bocadinho diferente. Cá dentro estão as 50 pessoas do rancho, os 100 e tal associados que temos e uma capacidade... tivemos de nos munir de dirigentes com alguma ação: o Doutor Vítor Tomás Ferreira, que já foi presidente de junta, que está ligado à Universidade, é um professor, que é um historiador, um professor. Está a ver, tivemos que procurar pessoas, que, não tendo a ver propriamente com o folclore, têm outra capacidade para poder atrair, desenvolver este projeto. Porque depois, bem, este projeto também não é qualquer pessoa que saiba… Portanto, as associações têm necessidade também de ter um corpo dirigente capaz de saber encarar o dia de hoje e de amanhã e ter capacidade para criar condições atraentes para os jovens e para os menos jovens. Se houver essa capacidade, acho que as pessoas continuam a ter necessidade de se reunir.

P: Também acho que sim. Agora só para uma questão estatística, que eu tenho perguntado a todos os dirigentes: professa alguma religião? É católico praticante?

José Simões: Praticante, sim, pode considerar. Não vou todos os dias à missa, mas pode-se considerar que sou católico praticante.

P: E é filiado em algum partido político?

José Simões: Nunca fui filiado. Ou melhor, fui filiado num partido político durante uns tempos, e desisti. A minha filosofia política enquadra-se muito na social-democracia.

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