"As expostas criadas de servir tuteladas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa", por Joana Paulino

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Título

"As expostas criadas de servir tuteladas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa", por Joana Paulino

Autor

Joana Vieira Paulino (IHC / IN2PAST, NOVA FCSH)

Resumo

Até 1870, o abandono infantil constituía uma prática legal na cidade de Lisboa, à semelhança de outras partes do Reino e da Europa católica, refletindo-se numa crescente exposição de menores. As crianças eram abandonadas em rodas, cilindros de madeira ocos, que giravam sobre um eixo, colocados na janela de um edifício e com uma única abertura, permitindo o anonimato. O menor era posto na roda e o expositor tocava uma campainha, avisando a rodeira da chegada do novo tutelado a qual, no interior do edifício, recolhia a criança e lhe fornecia os primeiros cuidados de saúde. Na capital portuguesa, a tutela da criação dos expostos cabia à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), mediante financiamento concelhio.

Refira-se o caso da exposta Joaquina, cujo percurso conseguimos acompanhar durante 17 anos nos registos da SCML. Embora tenha tido apenas uma ama na criação de leite (ponto 1), a qual transitou para a criação de seco (ponto 2), a partir de então o seu percurso é pautado por uma grande mobilidade. Crê-se que já serviria como criada desde tenra idade, dado ter servido em várias casas de freguesias ricas da capital e nelas ter permanecido por períodos reduzidos. Contudo, questiona-se se esta grande mobilidade, característica das expostas criadas de servir, poderia inviabilizar a sua integração familiar.

Durante o século XIX, a roda de Lisboa foi a que um maior número de crianças recebeu anualmente em Portugal, não só nascidas na capital, como também de outros concelhos. Em 1869, atingiu-se o pico máximo, tendo aí sido deixados 2 901 menores. Este abandono crescente, a par da elevada mortalidade dos expostos, levou a debates que alcançaram um maior dinamismo em meados de Oitocentos. O que estava em causa não era a existência de instituições de assistência aos expostos, mas sim o modelo de exposição anónima vigente assente na roda. Assim se justifica que as rodas tenham sido encerradas um pouco por todo o Reino e, em Lisboa, em 1870, sendo a admissão anónima substituída por um modelo controlado, justificado e ponderado; policiando-se os espaços em torno das instituições; e, generalizando-se a concessão de subsídios de lactação.

Uma vez que após 1870 os abandonos passaram a ter de ser justificados, sabemos que 30% destes eram motivados pelo facto das mães, maioritariamente solteiras, residirem em casa alheia, o que nos remete para o serviço de criadagem. Caso mantivessem os seus filhos teriam de deixar de trabalhar, não tendo meios financeiros para se sustentar. Refira-se o caso de Julião, cujos pais eram criados de servir. A mãe era oriunda de Arganil, tendo vindo para Lisboa para exercer essa profissão. Não podendo manter o filho, nascido em 1885, acabou por pedir a sua admissão, a qual foi autorizada para que a mãe pudesse continuar a ser criada.[1]

Paralelamente, um dos destinos mais comuns para as expostas em idade laboral era o serviço de criadagem, sobretudo, quando nos referimos às vivências da capital. Era um objetivo da SCML que desenvolvessem uma educação orientada para um futuro enquanto criadas de servir (mas também caixeiras, modistas de chapéus e de fatos ou, ainda, donas de casa), devendo ser colocadas em casas honestas. Todavia, analisados os Róis de Confessados da freguesia da Encarnação entre 1850 e 1910, verificamos aí constarem muitas expostas, que declaram esta profissão e que não identificamos nos registos da SCML. Outras Casas da Roda ou Hospícios mobilizariam as suas expostas para servirem como criadas em casas da capital. De facto, de acordo com Rachel Fuchs (2005), na Europa, muitas raparigas eram integradas em serviços domésticos pela segurança de viverem numa casa, com uma família, ainda que não fossem consideradas como parte integrante desta. A SCML não teria tuteladas suficientes para suprir a procura por este serviço.
[1] Papeletas de matrícula, cx. 10, nº 17, Exposições, Entrada dos expostos, Criação dos Expostos, AHSCML.

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