"Antigamente qualquer coisinha tinha uma empregada:"

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Título

"Antigamente qualquer coisinha tinha uma empregada:"

Entrevistado

Benedita Vau (Nome Fictício)- Trabalhadora Doméstica

Resumo

Benedita Vau (nome fictício) nasceu no ano de 1942, de uma família de 6 irmãos. Foi servir aos 10 anos para uma terra próxima de L., numa casa de sapateiros, onde já estava um irmão como “criado de lavoura”. Aos 14 anos de idade, passa a servir em casa de professores, ainda no concelho de Seia. Saiu dessa casa passado algum tempo. Uma das principais razões foi o facto de nunca ter sido paga pelo seu trabalho. Aos 19 anos, no ano de 1961, chegou de comboio a Lisboa para servir numa casa situada na Av. 5 de Outubro, por interferência da irmã, já em Lisboa a servir. O patrão é engenheiro, a mulher não trabalha, e têm um filho. No prédio, todas as famílias tinham “criada de servir”. Aos domingos, juntavam-se num grupo para ir assistir à missa, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima. A filha dos seus patrões foi sua madrinha de casamento e deixou o serviço interno após o casamento. Nos dias que correm, trabalha “a dias” para a madrinha, com quem se fez mulher adulta.

Data de nascimento

1942

Data de recolha do testemunho

7 de junho e 10 de outubro de 2007

Local de realização da entrevista

Lisboa

Recurso

Transcrição de entrevista por gravação em áudio

Autor da recolha

Inês Brasão

História de vida

(As primeiras palavras saem comovidas e presas)

Benedita Vau: Nasci em janeiro de 1942. Foi em L. Quer dizer, sou do concelho de…, distrito da Guarda, na Serra da Estrela.

P: Como era a sua família?

Benedita Vau: A minha família, quer dizer, pobres…tudo trabalhava…o meu pai andou no carvão, mas na serra, no carvão, e a minha mãe ajudava. Havia também uma fazenda, quer dizer, eles tomavam conta da fazenda, eram caseiros. Tínhamos assim uma casinha, mas era dos senhores. Era onde tínhamos vacas e galinhas, quer dizer, tínhamos assim um bocadinho de tudo.

P: Lembra-se da sua casa?

Benedita Vau: Bem, aquilo não era bem uma casa…era o que se pode dizer umas calheiras. Era assim que se dizia. Só havia uma divisão para a gente estar e para o comer dos animais. Era o feno, a cana, a erva que se colhia para eles comerem quando vinha a geada e não tinham que comer. Depois eu saí…estive até aos 10 anos com a minha mãe e saí de casa muito nova. Nós éramos 6, 6 irmãos que agora só temos 4. E fui servir para uma terra que era próxima da minha. A pé ainda demorávamos muito tempo, quase três horas. Os senhores eram sapateiros.

P: Como se chamava esse lugar?

Benedita Vau: Esse lugar era S. Lá estava um irmão meu com esses senhores e eu fui para o pé dele onde trabalhava também. Nós lá fazíamos de tudo, mas não pagavam, vou já dizer.

P: E ficavam lá a dormir ou iam para casa?

Benedita Vau: Não, não, estava mesmo lá cativa. O meu irmão guardava as cabras e ovelhas. O meu irmão guardava isso e eu estava do lado dos senhores.

P: Foi para lá por serem conhecidos dos seus pais?

Benedita Vau: Quer dizer, aí foi o meu irmão que estava e ele perguntou se eu queria ir, e eu fui. Quer dizer, com muitos em casa, não há assim muito que comer, e a gente desaba cada um para cada lado. Antigamente era assim: quem era rico, ficava. Quem era assim pobrezinho, íamos embora.

P: Fez a escola?

Benedita Vau: Fiz, mas não fiz. Andei lá, e depois fui-me embora. Andei na 1ª classe. Mas depois, quando fui ter com o meu irmão…dessas senhoras fui para outras. Deixei o meu irmão e fui para outra que me dava poucochinho, mas pagavam-me. Essa senhora era professora.

P: Nessa altura, como era o seu dia de trabalho?

Benedita Vau: Limpava a casa… Na casa com o meu irmão, tinha um quartinho para mim. Levantava-me às sete e meia e a senhora levantava-se também. Ela tinha um casalinho e eu levava a menina à escola. Ainda ficava assim um bocadinho distante e eu ia pô-la à escola. Depois da escola, limpava a casita. A senhora ensinava-me e eu ia limpando. Ia levar o comer onde andava o meu irmão. A seguir tratávamos os dois da horta com alfaces e cenouras e assim…

P: E cozinhava?

Benedita Vau: Não, não. Na cozinha, não. Ajudava a descascar as batatas, mas era a senhora que cozinhava.

P: Tem boas recordações?

Benedita Vau: Quer dizer, eu até gostava dos senhores, principalmente da senhora, que era muito boa senhora. Ela era sobrinha de um padre e era mesmo muito boa pessoa. Ele é que não. Ela era uma santa e às vezes até sonho com ela. Bem, mas depois saí dessa casa e fui para casa daquela professora. Aí já era mais velha, tinha 14, 15 anos. Aí já cozinhava e ajudava. Aí com os meus 14 anos fui então para casa dessa professora que vivia com um cunhado. E estávamos então lá em S., mas fins-de-semana e férias íamos passar para outro sítio e levavam-me. Estive lá muito tempo. Aprendi a ler, mas não aprendi a escrever. Só sei assinar o meu nome.

P: Essa senhora ajudou?

Benedita Vau: Não, não, é que ela lia muitos jornais e eu aprendi com ela a ler no jornal. Ela também era muito religiosa. Obrigava-nos todos os dias a rezar o terço. Leio tudo, mas escrever, não. Na escola só andei na 1ª classe porque eu não gostava muito de andar na escola e então fugia. A minha mãe pagava as multas. Naquela altura pagava-se multas por não ir e a professora mandava recados porque eu aprendia muito bem - porque é que não ia para a escola? Depois eu disse-lhe que não ia, e não fui.

P: Isso também a ajudou a sair mais cedo? Era costume na terra que as raparigas fossem para servir?

Benedita Vau: Sim, tudo trabalhava. Em geral, havia muita gente que saiu para servir de lá das nossas terras. A única que foi até à 4ª classe foi uma irmã mais nova.

P: E como era com as refeições?

Benedita Vau: Comíamos na cozinha, nunca comíamos com os patrões. Mas o que eles comiam comíamos nós. Primeiro servia à mesa, e só depois ia comer.

P: Essa casa era de pessoas com algumas possibilidades?

Benedita Vau: Não, naquela onde fui para a segunda vez era de uma família que podia mais. Os senhores primeiros, não.

P: Tinha tempo para si?

Benedita Vau: Sim, podia fazer coisinhas para mim. Ao domingo deixavam-me sair com as colegas. Podíamos ir passear. Se alguma lá quisesse ir a casa, também lá podiam ir porque elas davam-me autorização. Mas tinham de ser pessoas com quem elas vissem que nós podíamos andar, porque às vezes a gente arranjava companhias que elas diziam que a gente não…que era assim…enfim…

P: Como descansava?

Benedita Vau: Era ao domingo. A gente podia estar sentada se quisesse ficar em casa e podíamos sair. Em questão de descanso não me queixo muito.

P: Tinha os seus objetos?

Benedita Vau: Sim, tinha as minhas coisinhas. Tinha a minha roupa para vestir, mas tinha de andar fardada. As fardas era a senhora que comprava. As minhas só podia vestir ao domingo.

P: Como é que foi tornar-se uma mulherzinha?

Benedita Vau: Quer dizer, na questão do período, eu não sabia de nada. Ainda estava cá em cima quando isso aconteceu, mas a senhora fez-me umas toalhinhas e deu-me.

P: Como é que olhava para aquela pessoa?

Benedita Vau: Eu sentia-me bem com a senhora. Fui-me mais embora porque eu estava ali e não recebia nada. Ela comprava-me uma roupita e não valia a pena. O meu irmão também me disse que eu estava ali e não lucrava nada e então fui para aquela senhora.

P: E tinha saudades de casa?

Benedita Vau: Tinha… tinha saudades da minha mãe… às vezes ia e depois, quando estava na outra, já não ia tantas vezes à serra porque o meu irmão também já não ia tantas vezes, e assim fui passando.

P: Nesta segunda casa, havia muitas regras?

Benedita Vau: Eu…(grande hesitação)… como é que eu vou explicar? Havia lá um rapazinho que andava atrás de mim, mas, nessa altura a senhora soube e não me deixava sair.

P: Não aceitava isso bem…

Benedita Vau: Era nova e não queria que eu lhe falasse. Não queriam que eu o namorasse. Como eu não sabia nada da vida eu perguntava-lhes porquê? E ela dizia que ele era mais velho do que eu, mas eu não deixei o rapaz. Continuei a encontrar-me com ele às escondidas, mas namorei. Ela depois percebeu. Eles queriam fazer como se fossem meus pais. Mas eu queria namorar embora depois também nos tivéssemos zangado.

P: Então namorar é que era mesmo proibido?

Benedita Vau: Namorar não me deixava, mas eu continuei a namorar. Mas depois também nos zangámos. Acabou tudo e…acabou, pronto.

P: Em alguns momentos davam-lhe presentes, talvez para compensar não ter salário?

Benedita Vau: Olhe, menina, a senhora tinha em Coimbra uma afilhada que a gente ia lá muita vez. E a afilhada era casada, tinha um menino e essa dava-me coisinhas dela, roupa que fosse boa, sapatos…quer dizer, coisas novas, mas não era sempre.

P: E para o seu enxoval?

Benedita Vau: Às vezes eu comprava peças de lençol, porque antigamente não havia assim nada feito, a gente é que comprava e comecei a fazer assim o meu enxoval. A senhora também fez umas rendinhas e deu-mas, e também me comprava assim umas toalhinhas…e oferecia…

P: No Natal?

Benedita Vau: Não, porque antigamente o Natal não era assim como agora. Eu nunca soube o que era o Natal; o Natal, embora fizessem qualquer coisa, não faziam trocas de presentes…não, nem em casa, nada disso. Só quando vi para cá, vim para cá com 19 anos e mesmo a senhora não era assim de fazer uma noite de Natal, como agora se faz. Com a minha mãe, já se fazia o Natal que era fritar, comprar massa, esticar e fazer massa com açúcar e canela. Lembra-me assim do Natal. Só assim, mais nada!

P: Disse-me que era da zona da Guarda…já ouviu falar na Obra de Previdência e Formação de Criadas? Eles tinham lá uma sede e eram ligados à Igreja Católica e era uma obra de um padre que era ali da região da Guarda. Nunca ouviu falar nesta instituição, nem tentaram falar consigo?

Benedita Vau: Não, nunca ouvi nada.

P: Nem quando chegou a Lisboa?

Benedita Vau: Não, não. Nada.

P: Veio para Lisboa como?

Benedita Vau: Vim através de uma amiga lá da terra e fiquei sempre na mesma casa. Dos 14 aos 19 estive sempre lá acima, nessa terra, em S. Estive na mesma terra, mas com pessoas diferentes.

P: Nesse tempo fazia todo o tipo de trabalho?

Benedita Vau: Não, não, não…

P: Era a única que lá estava a servir?

Benedita Vau: Era, só era eu. Só quando ia para Coimbra é que a senhora já tinha uma empregada e aí já nos juntávamos, já saíamos as duas à noite, porque ela conhecia aquilo e depois levava-me. Quando, ao contrário, a senhora ia lá a S., ela também levava a empregada e a gente também saía.

P: Esta senhora não tinha filhos?

Benedita Vau: Não, aquela onde eu estava não. Mas a que vinha de Coimbra tinha um filho.

P: Nunca teve de cuidar das crianças, como uma ama?

Benedita Vau: Não, não…nunca tive nada disso.

P: Quanto é que ganhava, lembra-se?

Benedita Vau: Ah, muito poucochinho…eu já nem sei dizer, mas era assim…quinze euros, ai..quinze escudos!....Nada…eram quinze escudos.

P: E esse dinheiro dava para quê?

Benedita Vau: Olhe, dava para muita coisa, menina. Pois… a gente tinha o comer, tínhamos dormida, tínhamos tudo. Ora, só se a gente precisava de comprar alguma coisita. Se a gente não precisava de comprar no mês, sempre juntava o dinheiro.

P: E em comparação com outras profissões? Não tinham gastos?

Benedita Vau: Nós não tínhamos. Se durante a semana a gente andava com a tal farda da casa, só se a gente quisesse uma roupita nova. Roupa interior e assim é que a gente comprava. Mas antigamente a gente comprava as cuecas baratíssimas. Soutiens e tudo.

P: Havia já cinemas ou teatros?

Benedita Vau: Não, lá não havia nada disso. Lá, por exemplo, quando era pelo Carnaval, eles faziam as coisas na rua. Dançava-se, cantava-se e assim. Mas isso lá cinemas, não. Não podíamos ter extravagâncias.


P: E como é que as pessoas iam de um lado ao outro? De comboio?

Benedita Vau: Não havia transportes nenhuns desses. Por exemplo, se a gente quisesse – eu não vinha, mas quem quisesse vir – às feiras, ia de camioneta. Esse senhor sapateiro que fazia uma festa anual, em Arganil, e eu ia com eles. Porque a senhora também ia, era a feira anual durante três dias. A gente ficava lá, eu ia com a senhora, levávamos os meninos e eu também ia. Íamos então com o patrão, com os patrões, e íamos para a feira anual a Arganil.

P: E ia com a sua farda?

Benedita Vau: Não, não… isso já levava uma sainha minha ou um vestidito. Isso aí já não ia fardada.

P: Então só em casa? Pode-me dizer como é que era? Tem alguma fotografia?

Benedita Vau: (risos) Ai, não tenho. De farda tenho, mas não sei onde é que a tenho. Mas tenho, isso guardei.

P: Como era?

Benedita Vau: Olhe, nesta altura em que tirei a fotografia estava de bata, tenho a impressão que era azul-escura com o aventalinho branco e a golinha branca.

P: As pessoas eram exigentes com a higiene, o serviço da casa, da mesa? Como é que aprendeu?

Benedita Vau: Ah.. à mesa ensinaram-me muito bem a servir. Olhe, servia do lado direito… ou do lado esquerdo, agora já não sei (risos), mas sei que era só daquele lado, tirar os copos do coiso, tirar os pratos, isso eu sabia fazer muito bem, até porque ainda sei fazer. Se tiver cá gente, ainda faço.

P: Continua a respeitar essas regras

Benedita Vau: Exatamente. Mas era assim. Estavam sempre a ver como devia ser. Às vezes tocavam a campainha para a gente ir ver o que era.

P: Havia troca de palavras quando essas pessoas estavam, ou o seu papel era mais de estar em silêncio?

Benedita Vau: Não, estava na cozinha à espera que chamassem e ajudava assim na sala (alguma resistência em falar, diminuição do tom de voz).

P: Não participava nessas reuniões?

Benedita Vau: Não, quer dizer, se estivéssemos ao pé dos patrões, não. Sentava-me sempre na cozinha e quando elas depois chamavam…


P: Agora vamos fazer uma viagem até Lisboa. Gostava que, dentro do possível, me descrevesse como é que foi essa chegada a Lisboa.

Benedita Vau: Tinha 19 anos quando vim para Lisboa. Olhe, menina, eu, da terra, tinha e tenho uma irmã ali em Sacavém. Estava casada e quando vim, em vez de ir logo para casa da senhora onde vinha para servir, vim para casa da minha irmã. Vim de comboio. Fiquei em Sacavém. Dormi lá essa noite. Já era noite e o meu cunhado foi-me buscar ao comboio. Cheguei de noite e fiquei lá. Ao outro dia, ele veio pôr-me a Lisboa, porque eu não conhecia nada e ele veio pôr-me à direção que eu trazia que era aqui na Av. G., numa vivenda, que era a mãe da senhora para donde eu vinha. Ia ter ali com essa senhora. Apresentei-me ali (e o que é que lhe perguntaram? O que é que queriam saber de si, já vinha com uma referência?) Já vinha de lá o que eu sabia fazer... e assim não pediam informações disto e daquilo. Ela perguntou se eu gostei de ter vindo e eu disse que não conhecia ninguém. Que não sabia se ia gostar… eu uma vez fui ter ao Fundão – já que a menina está a perguntar. Foram-me pôr lá e eu vim novamente com o meu pai (voz assertiva). Não quis lá ficar. Queriam que eu fosse para aí, que tinha lá uma tia minha. Eu ia para ao pé da minha tia e eu não gostei nada daquilo e disse que não queria lá ficar, e chorei, e vim-me embora. O meu pai trouxe-me outra vez. Por isso se eu agora não gostasse eu teria que me ir embora. Ficar aqui, estar contrariada, e para mais que não conhecia…isto aqui era coiso e eu não conhecia nada…e eu disse-lhe que se gostasse de ficar, ficava; se não gostasse, que ia para o pé da minha irmã e que depois ia para a terra outra vez. Então veio a filha da senhora e fui para a 5 de outubro. Fui para a 5 de outubro. E ali estive desde os 19 até que me casei, aos 24 anos.

P: Como é que viu Lisboa? Como é que olhava para Lisboa?

Benedita Vau: Olhe, menina, Lisboa não era nada daquilo que é hoje. Não havia tantos carros. Não havia… assim… nada, quer dizer, era diferente, pronto.

P: Estávamos no ano de…

Benedita Vau: Bom, eu tinha 19, em que ano estávamos?

(Faço contas e chego ao ano de 1961)

P: Como era o prédio para onde foi trabalhar?

Benedita Vau: Era num segundo andar…

P: E como era a família?

Benedita Vau: Olhe, a família era…a senhora. Ele era engenheiro. Ela não fazia nada e tinha uma filha. Não me lembro bem que idade é que tinha a menina, mas …quando vim para esta casa ia casar uma rapariga que lá estava. Eu ainda estive um mês e tal com ela. E como também era lá de cima, a rapariguinha disse-me logo as coisas da casa, como eles eram…como ele era…

P: E posso saber o que é que ela lhe disse?

Benedita Vau: Ela disse que a senhora era assim um bocadinho…embirrante. Ele, não tanto, mas que não era de muitas palavras, o senhor. E que tínhamos que estar sempre com atenção porque de manhã ele levantava-se cedo e queria o pequeno-almoço na sala. Mas, como estive com ela esse mês…aprendi a fazer as coisas como devia. Estivemos esse mês e eu aprendi. As camisas eram passadas todos os dias: eram muito bem engomadinhas. Eram brancas; parecia que tinham goma e eu tive de começar logo por aí, com ela, a aprender a engomar as camisas. Eles não davam nada a engomar. Tínhamos que nós escovar tudo muito bem escovadinho, passar um pano com Benzovac para tirar as nódoas…também fazíamos esse serviço. …Depois a rapariga casou e eu fiquei com o encargo todo, não tinha mais ninguém.

P: E para além da roupa muito bem engomada, havia mais regras?

Benedita Vau: Aí já me levantava mais tarde. Às 8 horas. O almoço era servido ao meio-dia. Ele vinha e tinha que estar pronto. O jantar era às sete, sete e meia. Também nunca jantavam mais tarde. Ao domingo é que era diferente. Íamos todos os domingos almoçar a casa da mãe do senhor. Ora, ao domingo eles levantavam-se às quatro da tarde… era…, mas repare, a gente lavava a roupa à mão. Lá em S., ia para a ribeira lavar. Aqui não. A única coisa que havia de electrodoméstico era o frigorífico. Que já lá para cima também havia. E lá ia para a ribeira: ia muito cedo, descalça, lavava, estendia a roupa a corar e tal, e depois ia comer, e depois ia outra vez e punha a roupa a enxugar. Isso é lá em cima. Aqui, ao domingo, punha a roupa à noite na saponária e, como eles se levantavam tarde, fazia uma saponária à roupa, punha-a no tanque e ao domingo de manhã, primeiro ia à missa, à Igreja de Fátima, e depois da missa tomava o café, e então lavava a roupa.

P: Ia à missa porque queria ou alguém lhe dizia para ir?

Benedita Vau: Não, eu também gostava. Eu gostava de ir à missa.

P: Mas ia sozinha ou com as senhoras da casa?

Benedita Vau: Não, não, as senhoras nunca foram à missa. A gente é que ia à missa, nós é que íamos sempre.

P: Ia com quem?

Benedita Vau: Sim, aqui a rapariga que estava na mãe do senhor, ela mais ou menos à hora dizia “Desce, que a gente vai.” Eu descia e íamos as três, porque o prédio era grande. Tinha quatro pessoas. Quer dizer, o prédio era de esquina. E então juntávamo-nos todas as quatro e íamos à missa. Era uma paródia.

P: Era uma paródia?

Benedita Vau: Ai era, menina. Falávamos dos rapazitos e…olhe, fartávamo-nos de coiso. Saíamos da missa e tínhamos que ir logo para casa. Porque eles sabiam a hora a que acabava a missa.

P: Como era o quarto da sua casa?

Benedita Vau: Eu tinha o meu quarto, mesmo dentro de casa eu tinha o meu quarto e casinha de banho. Este prédio era na 5 de outubro. Tinha uma casinha de banho para mim e o meu quartinho. A cama era um divã. Quer dizer, era um divã, mas não era de puxar. Tinha um roupeirozinho que era onde a senhora tinha a roupa dela, e da menina. Era grande, era de parede. Tinha uma janelinha pequena. Tomava bem ar. Mas dava tudo para as traseiras.

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P: Que objectos é que tinha trazido consigo? Ou valores?

Benedita Vau: Não, não tinha nada de valor. Só tinha trazido a minha roupita e mais nada. Coisas de valor não tinha. Quer dizer, o meu enxovalito que fiz lá em cima ficou na minha mãe. Mas não trouxe nada. Não tinha nada.

P: E aqui não ganhava nada?

Benedita Vau: Aqui já vim ganhar 500$00.

P: E isso era bom?

Benedita Vau: Era, era menina. Porque eu aí juntava também dinheiro. Eu não era estragada. Aí, como já havia cinema, às vezes íamos ao cinema. Entre nós todas era barato. Quer dizer, barato?! Quer dizer, pouca gente ganhava e era barato porque a gente juntava dinheiro. Já comprava, não sei se a menina sabe, estas mulheres à porta para venderem coisas…roupa, lençóis, isto ou aquilo. Era às portas que mostravam aquelas coisas dentro de umas alcofas grandes e perguntavam se a gente queria ou não queria. Mas não era pela porta, era do lado da porta de serviço que às vezes a porteira não as deixava passar. A gente gostava de ver. Elas tinham que subir de elevador porque não tinham as escadas. E então a gente gostava de ver.

Benedita Vau: Às vezes juntávamo-nos ali na varanda, que aquilo tem uma varanda rodada para os quatro inquilinos e a gente via… Às vezes estávamos ali até à meia-noite. Às vezes lá vinha a senhora dizer: Oh meninas!...JÀ é hora de ir para casa… (como quem chama)

P: Como é que se juntavam?

Benedita Vau: Olhe, tinha uma marquisezinha. A marquise dava para a varanda que era a todo o comprimento do prédio. E então todas elas tinham empregadas, que antigamente toda a coisinha tinha uma empregada.

P: Mesmo pessoas com poucas possibilidades?

Benedita Vau: Exatamente, porque também pagavam pouco e toda a gente tinha…E então a mais velha que lá estava era uma que dava do lado contrário da nossa 5 de outubro. Mas era muito boa rapariga, aconselhava-nos bem – era a mais velha, mas aconselhava-nos bem.

P: Então conseguiam estar ali até à meia-noite?

Benedita Vau: Conseguíamos estar ali até à meia-noite. Mas às vezes não podia porque vinha gente de fora… lá os senhores tinham gente e tinha que estar à espera para servir chá, ou isto, ou aquilo. Quando os patrões tinham gente, eu não podia ir. Dava uma escapadela, mas era poucochinho…, mas quando não tínhamos assim que fazer, que os senhores estavam a ver televisão, a gente estava a conversar. Estávamos ali todas. Tinha uma amiga (corrige para colega) que era alentejana; que até foi a madrinha da minha filha mais velha, que era também empregada; chamava-se D.. A gente ficámos sempre amigas… quer dizer, ainda hoje somos amigas. Elas telefonam-me, eu telefono-lhes. Vivíamos ali, quer dizer, parecia que éramos uma família. Estávamos como se fosse uma família. Mas todas ficámos sempre a ser amigas.



P: E eram internas? (silêncio) Dormiam lá?

Benedita Vau: Sim, era tudo lá. Não, a gente não ia nenhuma sair da casa da senhora.

P: Porque é que disse há pouco que “Qualquer coisinha tinha uma pessoa para a ajudar”? Deu-me a entender que não eram só as pessoas mais ricas que tinham uma pessoa dentro de casa. A senhora acha que era mesmo assim?

Benedita Vau: Eu acho que sim… sim, por exemplo, onde estava essa minha amiga, a D., que eram já uns senhores de muita idade. O senhor podia ter sido alguma coisa em novo, mas depois também já não era assim de muitas posses para pagar a uma empregada. É isso. Por isso é que havia muita gente, quer dizer, muitas criaditas! E a gente quando se juntava, olhe!....

P: Porque é que diz que eram criaditas?

Benedita Vau: Porque éramos piquenas, porque não tínhamos ninguém que nos defendesse, a não sermos umas às outras e, às vezes, bem, eu tive muita sorte por onde andei. Todos eles se interessaram muito por mim. Até esta aqui de Lisboa. Ajudou-me muito e a filha foi ser minha madrinha de casamento.

P: E hoje ainda se dão bem?

Benedita Vau: Damos, damos. Até com a mãe. E a filha mora lá na casa da mãe. A mãe foi para Sesimbra. Ainda lá fiquei a trabalhar durante um ano depois de casada, que ela não arranjou logo, mas depois veio uma rapariguinha lá de Manteigas. Eu fiquei ainda de manhã, e saía à tarde.

P: E vinham todas ali da Beira…

Benedita Vau: Alentejanas havia poucas. O resto era tudo lá de cima, até havia uma de Vinhais.







(As primeiras palavras saem comovidas e presas)

Benedita Vau: Nasci em janeiro de 1942. Foi em L. Quer dizer, sou do concelho de…, distrito da Guarda, na Serra da Estrela.

P: Como era a sua família?

Benedita Vau: A minha família, quer dizer, pobres…tudo trabalhava…o meu pai andou no carvão, mas na serra, no carvão, e a minha mãe ajudava. Havia também uma fazenda, quer dizer, eles tomavam conta da fazenda, eram caseiros. Tínhamos assim uma casinha, mas era dos senhores. Era onde tínhamos vacas e galinhas, quer dizer, tínhamos assim um bocadinho de tudo.

P: Lembra-se da sua casa?

Benedita Vau: Bem, aquilo não era bem uma casa…era o que se pode dizer umas calheiras. Era assim que se dizia. Só havia uma divisão para a gente estar e para o comer dos animais. Era o feno, a cana, a erva que se colhia para eles comerem quando vinha a geada e não tinham que comer. Depois eu saí…estive até aos 10 anos com a minha mãe e saí de casa muito nova. Nós éramos 6, 6 irmãos que agora só temos 4. E fui servir para uma terra que era próxima da minha. A pé ainda demorávamos muito tempo, quase três horas. Os senhores eram sapateiros.

P: Como se chamava esse lugar?

Benedita Vau: Esse lugar era S. Lá estava um irmão meu com esses senhores e eu fui para o pé dele onde trabalhava também. Nós lá fazíamos de tudo, mas não pagavam, vou já dizer.

P: E ficavam lá a dormir ou iam para casa?

Benedita Vau: Não, não, estava mesmo lá cativa. O meu irmão guardava as cabras e ovelhas. O meu irmão guardava isso e eu estava do lado dos senhores.

P: Foi para lá por serem conhecidos dos seus pais?

Benedita Vau: Quer dizer, aí foi o meu irmão que estava e ele perguntou se eu queria ir, e eu fui. Quer dizer, com muitos em casa, não há assim muito que comer, e a gente desaba cada um para cada lado. Antigamente era assim: quem era rico, ficava. Quem era assim pobrezinho, íamos embora.

P: Fez a escola?

Benedita Vau: Fiz, mas não fiz. Andei lá, e depois fui-me embora. Andei na 1ª classe. Mas depois, quando fui ter com o meu irmão…dessas senhoras fui para outras. Deixei o meu irmão e fui para outra que me dava poucochinho, mas pagavam-me. Essa senhora era professora.

P: Nessa altura, como era o seu dia de trabalho?

Benedita Vau: Limpava a casa… Na casa com o meu irmão, tinha um quartinho para mim. Levantava-me às sete e meia e a senhora levantava-se também. Ela tinha um casalinho e eu levava a menina à escola. Ainda ficava assim um bocadinho distante e eu ia pô-la à escola. Depois da escola, limpava a casita. A senhora ensinava-me e eu ia limpando. Ia levar o comer onde andava o meu irmão. A seguir tratávamos os dois da horta com alfaces e cenouras e assim…

P: E cozinhava?

Benedita Vau: Não, não. Na cozinha, não. Ajudava a descascar as batatas, mas era a senhora que cozinhava.

P: Tem boas recordações?

Benedita Vau: Quer dizer, eu até gostava dos senhores, principalmente da senhora, que era muito boa senhora. Ela era sobrinha de um padre e era mesmo muito boa pessoa. Ele é que não. Ela era uma santa e às vezes até sonho com ela. Bem, mas depois saí dessa casa e fui para casa daquela professora. Aí já era mais velha, tinha 14, 15 anos. Aí já cozinhava e ajudava. Aí com os meus 14 anos fui então para casa dessa professora que vivia com um cunhado. E estávamos então lá em S., mas fins-de-semana e férias íamos passar para outro sítio e levavam-me. Estive lá muito tempo. Aprendi a ler, mas não aprendi a escrever. Só sei assinar o meu nome.

P: Essa senhora ajudou?

Benedita Vau: Não, não, é que ela lia muitos jornais e eu aprendi com ela a ler no jornal. Ela também era muito religiosa. Obrigava-nos todos os dias a rezar o terço. Leio tudo, mas escrever, não. Na escola só andei na 1ª classe porque eu não gostava muito de andar na escola e então fugia. A minha mãe pagava as multas. Naquela altura pagava-se multas por não ir e a professora mandava recados porque eu aprendia muito bem - porque é que não ia para a escola? Depois eu disse-lhe que não ia, e não fui.

P: Isso também a ajudou a sair mais cedo? Era costume na terra que as raparigas fossem para servir?

Benedita Vau: Sim, tudo trabalhava. Em geral, havia muita gente que saiu para servir de lá das nossas terras. A única que foi até à 4ª classe foi uma irmã mais nova.

P: E como era com as refeições?

Benedita Vau: Comíamos na cozinha, nunca comíamos com os patrões. Mas o que eles comiam comíamos nós. Primeiro servia à mesa, e só depois ia comer.

P: Essa casa era de pessoas com algumas possibilidades?

Benedita Vau: Não, naquela onde fui para a segunda vez era de uma família que podia mais. Os senhores primeiros, não.

P: Tinha tempo para si?

Benedita Vau: Sim, podia fazer coisinhas para mim. Ao domingo deixavam-me sair com as colegas. Podíamos ir passear. Se alguma lá quisesse ir a casa, também lá podiam ir porque elas davam-me autorização. Mas tinham de ser pessoas com quem elas vissem que nós podíamos andar, porque às vezes a gente arranjava companhias que elas diziam que a gente não…que era assim…enfim…

P: Como descansava?

Benedita Vau: Era ao domingo. A gente podia estar sentada se quisesse ficar em casa e podíamos sair. Em questão de descanso não me queixo muito.

P: Tinha os seus objetos?

Benedita Vau: Sim, tinha as minhas coisinhas. Tinha a minha roupa para vestir, mas tinha de andar fardada. As fardas era a senhora que comprava. As minhas só podia vestir ao domingo.

P: Como é que foi tornar-se uma mulherzinha?

Benedita Vau: Quer dizer, na questão do período, eu não sabia de nada. Ainda estava cá em cima quando isso aconteceu, mas a senhora fez-me umas toalhinhas e deu-me.

P: Como é que olhava para aquela pessoa?

Benedita Vau: Eu sentia-me bem com a senhora. Fui-me mais embora porque eu estava ali e não recebia nada. Ela comprava-me uma roupita e não valia a pena. O meu irmão também me disse que eu estava ali e não lucrava nada e então fui para aquela senhora.

P: E tinha saudades de casa?

Benedita Vau: Tinha… tinha saudades da minha mãe… às vezes ia e depois, quando estava na outra, já não ia tantas vezes à serra porque o meu irmão também já não ia tantas vezes, e assim fui passando.

P: Nesta segunda casa, havia muitas regras?

Benedita Vau: Eu…(grande hesitação)… como é que eu vou explicar? Havia lá um rapazinho que andava atrás de mim, mas, nessa altura a senhora soube e não me deixava sair.

P: Não aceitava isso bem…

Benedita Vau: Era nova e não queria que eu lhe falasse. Não queriam que eu o namorasse. Como eu não sabia nada da vida eu perguntava-lhes porquê? E ela dizia que ele era mais velho do que eu, mas eu não deixei o rapaz. Continuei a encontrar-me com ele às escondidas, mas namorei. Ela depois percebeu. Eles queriam fazer como se fossem meus pais. Mas eu queria namorar embora depois também nos tivéssemos zangado.

P: Então namorar é que era mesmo proibido?

Benedita Vau: Namorar não me deixava, mas eu continuei a namorar. Mas depois também nos zangámos. Acabou tudo e…acabou, pronto.

P: Em alguns momentos davam-lhe presentes, talvez para compensar não ter salário?

Benedita Vau: Olhe, menina, a senhora tinha em Coimbra uma afilhada que a gente ia lá muita vez. E a afilhada era casada, tinha um menino e essa dava-me coisinhas dela, roupa que fosse boa, sapatos…quer dizer, coisas novas, mas não era sempre.

P: E para o seu enxoval?

Benedita Vau: Às vezes eu comprava peças de lençol, porque antigamente não havia assim nada feito, a gente é que comprava e comecei a fazer assim o meu enxoval. A senhora também fez umas rendinhas e deu-mas, e também me comprava assim umas toalhinhas…e oferecia…

P: No Natal?

Benedita Vau: Não, porque antigamente o Natal não era assim como agora. Eu nunca soube o que era o Natal; o Natal, embora fizessem qualquer coisa, não faziam trocas de presentes…não, nem em casa, nada disso. Só quando vi para cá, vim para cá com 19 anos e mesmo a senhora não era assim de fazer uma noite de Natal, como agora se faz. Com a minha mãe, já se fazia o Natal que era fritar, comprar massa, esticar e fazer massa com açúcar e canela. Lembra-me assim do Natal. Só assim, mais nada!

P: Disse-me que era da zona da Guarda…já ouviu falar na Obra de Previdência e Formação de Criadas? Eles tinham lá uma sede e eram ligados à Igreja Católica e era uma obra de um padre que era ali da região da Guarda. Nunca ouviu falar nesta instituição, nem tentaram falar consigo?

Benedita Vau: Não, nunca ouvi nada.

P: Nem quando chegou a Lisboa?

Benedita Vau: Não, não. Nada.

P: Veio para Lisboa como?

Benedita Vau: Vim através de uma amiga lá da terra e fiquei sempre na mesma casa. Dos 14 aos 19 estive sempre lá acima, nessa terra, em S. Estive na mesma terra, mas com pessoas diferentes.

P: Nesse tempo fazia todo o tipo de trabalho?

Benedita Vau: Não, não, não…

P: Era a única que lá estava a servir?

Benedita Vau: Era, só era eu. Só quando ia para Coimbra é que a senhora já tinha uma empregada e aí já nos juntávamos, já saíamos as duas à noite, porque ela conhecia aquilo e depois levava-me. Quando, ao contrário, a senhora ia lá a S., ela também levava a empregada e a gente também saía.

P: Esta senhora não tinha filhos?

Benedita Vau: Não, aquela onde eu estava não. Mas a que vinha de Coimbra tinha um filho.

P: Nunca teve de cuidar das crianças, como uma ama?

Benedita Vau: Não, não…nunca tive nada disso.

P: Quanto é que ganhava, lembra-se?

Benedita Vau: Ah, muito poucochinho…eu já nem sei dizer, mas era assim…quinze euros, ai..quinze escudos!....Nada…eram quinze escudos.

P: E esse dinheiro dava para quê?

Benedita Vau: Olhe, dava para muita coisa, menina. Pois… a gente tinha o comer, tínhamos dormida, tínhamos tudo. Ora, só se a gente precisava de comprar alguma coisita. Se a gente não precisava de comprar no mês, sempre juntava o dinheiro.

P: E em comparação com outras profissões? Não tinham gastos?

Benedita Vau: Nós não tínhamos. Se durante a semana a gente andava com a tal farda da casa, só se a gente quisesse uma roupita nova. Roupa interior e assim é que a gente comprava. Mas antigamente a gente comprava as cuecas baratíssimas. Soutiens e tudo.

P: Havia já cinemas ou teatros?

Benedita Vau: Não, lá não havia nada disso. Lá, por exemplo, quando era pelo Carnaval, eles faziam as coisas na rua. Dançava-se, cantava-se e assim. Mas isso lá cinemas, não. Não podíamos ter extravagâncias.


P: E como é que as pessoas iam de um lado ao outro? De comboio?

Benedita Vau: Não havia transportes nenhuns desses. Por exemplo, se a gente quisesse – eu não vinha, mas quem quisesse vir – às feiras, ia de camioneta. Esse senhor sapateiro que fazia uma festa anual, em Arganil, e eu ia com eles. Porque a senhora também ia, era a feira anual durante três dias. A gente ficava lá, eu ia com a senhora, levávamos os meninos e eu também ia. Íamos então com o patrão, com os patrões, e íamos para a feira anual a Arganil.

P: E ia com a sua farda?

Benedita Vau: Não, não… isso já levava uma sainha minha ou um vestidito. Isso aí já não ia fardada.

P: Então só em casa? Pode-me dizer como é que era? Tem alguma fotografia?

Benedita Vau: (risos) Ai, não tenho. De farda tenho, mas não sei onde é que a tenho. Mas tenho, isso guardei.

P: Como era?

Benedita Vau: Olhe, nesta altura em que tirei a fotografia estava de bata, tenho a impressão que era azul-escura com o aventalinho branco e a golinha branca.

P: As pessoas eram exigentes com a higiene, o serviço da casa, da mesa? Como é que aprendeu?

Benedita Vau: Ah.. à mesa ensinaram-me muito bem a servir. Olhe, servia do lado direito… ou do lado esquerdo, agora já não sei (risos), mas sei que era só daquele lado, tirar os copos do coiso, tirar os pratos, isso eu sabia fazer muito bem, até porque ainda sei fazer. Se tiver cá gente, ainda faço.

P: Continua a respeitar essas regras

Benedita Vau: Exatamente. Mas era assim. Estavam sempre a ver como devia ser. Às vezes tocavam a campainha para a gente ir ver o que era.

P: Havia troca de palavras quando essas pessoas estavam, ou o seu papel era mais de estar em silêncio?

Benedita Vau: Não, estava na cozinha à espera que chamassem e ajudava assim na sala (alguma resistência em falar, diminuição do tom de voz).

P: Não participava nessas reuniões?

Benedita Vau: Não, quer dizer, se estivéssemos ao pé dos patrões, não. Sentava-me sempre na cozinha e quando elas depois chamavam…


P: Agora vamos fazer uma viagem até Lisboa. Gostava que, dentro do possível, me descrevesse como é que foi essa chegada a Lisboa.

Benedita Vau: Tinha 19 anos quando vim para Lisboa. Olhe, menina, eu, da terra, tinha e tenho uma irmã ali em Sacavém. Estava casada e quando vim, em vez de ir logo para casa da senhora onde vinha para servir, vim para casa da minha irmã. Vim de comboio. Fiquei em Sacavém. Dormi lá essa noite. Já era noite e o meu cunhado foi-me buscar ao comboio. Cheguei de noite e fiquei lá. Ao outro dia, ele veio pôr-me a Lisboa, porque eu não conhecia nada e ele veio pôr-me à direção que eu trazia que era aqui na Av. G., numa vivenda, que era a mãe da senhora para donde eu vinha. Ia ter ali com essa senhora. Apresentei-me ali (e o que é que lhe perguntaram? O que é que queriam saber de si, já vinha com uma referência?) Já vinha de lá o que eu sabia fazer... e assim não pediam informações disto e daquilo. Ela perguntou se eu gostei de ter vindo e eu disse que não conhecia ninguém. Que não sabia se ia gostar… eu uma vez fui ter ao Fundão – já que a menina está a perguntar. Foram-me pôr lá e eu vim novamente com o meu pai (voz assertiva). Não quis lá ficar. Queriam que eu fosse para aí, que tinha lá uma tia minha. Eu ia para ao pé da minha tia e eu não gostei nada daquilo e disse que não queria lá ficar, e chorei, e vim-me embora. O meu pai trouxe-me outra vez. Por isso se eu agora não gostasse eu teria que me ir embora. Ficar aqui, estar contrariada, e para mais que não conhecia…isto aqui era coiso e eu não conhecia nada…e eu disse-lhe que se gostasse de ficar, ficava; se não gostasse, que ia para o pé da minha irmã e que depois ia para a terra outra vez. Então veio a filha da senhora e fui para a 5 de outubro. Fui para a 5 de outubro. E ali estive desde os 19 até que me casei, aos 24 anos.

P: Como é que viu Lisboa? Como é que olhava para Lisboa?

Benedita Vau: Olhe, menina, Lisboa não era nada daquilo que é hoje. Não havia tantos carros. Não havia… assim… nada, quer dizer, era diferente, pronto.

P: Estávamos no ano de…

Benedita Vau: Bom, eu tinha 19, em que ano estávamos?

(Faço contas e chego ao ano de 1961)

P: Como era o prédio para onde foi trabalhar?

Benedita Vau: Era num segundo andar…

P: E como era a família?

Benedita Vau: Olhe, a família era…a senhora. Ele era engenheiro. Ela não fazia nada e tinha uma filha. Não me lembro bem que idade é que tinha a menina, mas …quando vim para esta casa ia casar uma rapariga que lá estava. Eu ainda estive um mês e tal com ela. E como também era lá de cima, a rapariguinha disse-me logo as coisas da casa, como eles eram…como ele era…

P: E posso saber o que é que ela lhe disse?

Benedita Vau: Ela disse que a senhora era assim um bocadinho…embirrante. Ele, não tanto, mas que não era de muitas palavras, o senhor. E que tínhamos que estar sempre com atenção porque de manhã ele levantava-se cedo e queria o pequeno-almoço na sala. Mas, como estive com ela esse mês…aprendi a fazer as coisas como devia. Estivemos esse mês e eu aprendi. As camisas eram passadas todos os dias: eram muito bem engomadinhas. Eram brancas; parecia que tinham goma e eu tive de começar logo por aí, com ela, a aprender a engomar as camisas. Eles não davam nada a engomar. Tínhamos que nós escovar tudo muito bem escovadinho, passar um pano com Benzovac para tirar as nódoas…também fazíamos esse serviço. …Depois a rapariga casou e eu fiquei com o encargo todo, não tinha mais ninguém.

P: E para além da roupa muito bem engomada, havia mais regras?

Benedita Vau: Aí já me levantava mais tarde. Às 8 horas. O almoço era servido ao meio-dia. Ele vinha e tinha que estar pronto. O jantar era às sete, sete e meia. Também nunca jantavam mais tarde. Ao domingo é que era diferente. Íamos todos os domingos almoçar a casa da mãe do senhor. Ora, ao domingo eles levantavam-se às quatro da tarde… era…, mas repare, a gente lavava a roupa à mão. Lá em S., ia para a ribeira lavar. Aqui não. A única coisa que havia de electrodoméstico era o frigorífico. Que já lá para cima também havia. E lá ia para a ribeira: ia muito cedo, descalça, lavava, estendia a roupa a corar e tal, e depois ia comer, e depois ia outra vez e punha a roupa a enxugar. Isso é lá em cima. Aqui, ao domingo, punha a roupa à noite na saponária e, como eles se levantavam tarde, fazia uma saponária à roupa, punha-a no tanque e ao domingo de manhã, primeiro ia à missa, à Igreja de Fátima, e depois da missa tomava o café, e então lavava a roupa.

P: Ia à missa porque queria ou alguém lhe dizia para ir?

Benedita Vau: Não, eu também gostava. Eu gostava de ir à missa.

P: Mas ia sozinha ou com as senhoras da casa?

Benedita Vau: Não, não, as senhoras nunca foram à missa. A gente é que ia à missa, nós é que íamos sempre.

P: Ia com quem?

Benedita Vau: Sim, aqui a rapariga que estava na mãe do senhor, ela mais ou menos à hora dizia “Desce, que a gente vai.” Eu descia e íamos as três, porque o prédio era grande. Tinha quatro pessoas. Quer dizer, o prédio era de esquina. E então juntávamo-nos todas as quatro e íamos à missa. Era uma paródia.

P: Era uma paródia?

Benedita Vau: Ai era, menina. Falávamos dos rapazitos e…olhe, fartávamo-nos de coiso. Saíamos da missa e tínhamos que ir logo para casa. Porque eles sabiam a hora a que acabava a missa.

P: Como era o quarto da sua casa?

Benedita Vau: Eu tinha o meu quarto, mesmo dentro de casa eu tinha o meu quarto e casinha de banho. Este prédio era na 5 de outubro. Tinha uma casinha de banho para mim e o meu quartinho. A cama era um divã. Quer dizer, era um divã, mas não era de puxar. Tinha um roupeirozinho que era onde a senhora tinha a roupa dela, e da menina. Era grande, era de parede. Tinha uma janelinha pequena. Tomava bem ar. Mas dava tudo para as traseiras.

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P: Que objectos é que tinha trazido consigo? Ou valores?

Benedita Vau: Não, não tinha nada de valor. Só tinha trazido a minha roupita e mais nada. Coisas de valor não tinha. Quer dizer, o meu enxovalito que fiz lá em cima ficou na minha mãe. Mas não trouxe nada. Não tinha nada.

P: E aqui não ganhava nada?

Benedita Vau: Aqui já vim ganhar 500$00.

P: E isso era bom?

Benedita Vau: Era, era menina. Porque eu aí juntava também dinheiro. Eu não era estragada. Aí, como já havia cinema, às vezes íamos ao cinema. Entre nós todas era barato. Quer dizer, barato?! Quer dizer, pouca gente ganhava e era barato porque a gente juntava dinheiro. Já comprava, não sei se a menina sabe, estas mulheres à porta para venderem coisas…roupa, lençóis, isto ou aquilo. Era às portas que mostravam aquelas coisas dentro de umas alcofas grandes e perguntavam se a gente queria ou não queria. Mas não era pela porta, era do lado da porta de serviço que às vezes a porteira não as deixava passar. A gente gostava de ver. Elas tinham que subir de elevador porque não tinham as escadas. E então a gente gostava de ver.

Benedita Vau: Às vezes juntávamo-nos ali na varanda, que aquilo tem uma varanda rodada para os quatro inquilinos e a gente via… Às vezes estávamos ali até à meia-noite. Às vezes lá vinha a senhora dizer: Oh meninas!...JÀ é hora de ir para casa… (como quem chama)

P: Como é que se juntavam?

Benedita Vau: Olhe, tinha uma marquisezinha. A marquise dava para a varanda que era a todo o comprimento do prédio. E então todas elas tinham empregadas, que antigamente toda a coisinha tinha uma empregada.

P: Mesmo pessoas com poucas possibilidades?

Benedita Vau: Exatamente, porque também pagavam pouco e toda a gente tinha…E então a mais velha que lá estava era uma que dava do lado contrário da nossa 5 de outubro. Mas era muito boa rapariga, aconselhava-nos bem – era a mais velha, mas aconselhava-nos bem.

P: Então conseguiam estar ali até à meia-noite?

Benedita Vau: Conseguíamos estar ali até à meia-noite. Mas às vezes não podia porque vinha gente de fora… lá os senhores tinham gente e tinha que estar à espera para servir chá, ou isto, ou aquilo. Quando os patrões tinham gente, eu não podia ir. Dava uma escapadela, mas era poucochinho…, mas quando não tínhamos assim que fazer, que os senhores estavam a ver televisão, a gente estava a conversar. Estávamos ali todas. Tinha uma amiga (corrige para colega) que era alentejana; que até foi a madrinha da minha filha mais velha, que era também empregada; chamava-se D.. A gente ficámos sempre amigas… quer dizer, ainda hoje somos amigas. Elas telefonam-me, eu telefono-lhes. Vivíamos ali, quer dizer, parecia que éramos uma família. Estávamos como se fosse uma família. Mas todas ficámos sempre a ser amigas.



P: E eram internas? (silêncio) Dormiam lá?

Benedita Vau: Sim, era tudo lá. Não, a gente não ia nenhuma sair da casa da senhora.

P: Porque é que disse há pouco que “Qualquer coisinha tinha uma pessoa para a ajudar”? Deu-me a entender que não eram só as pessoas mais ricas que tinham uma pessoa dentro de casa. A senhora acha que era mesmo assim?

Benedita Vau: Eu acho que sim… sim, por exemplo, onde estava essa minha amiga, a D., que eram já uns senhores de muita idade. O senhor podia ter sido alguma coisa em novo, mas depois também já não era assim de muitas posses para pagar a uma empregada. É isso. Por isso é que havia muita gente, quer dizer, muitas criaditas! E a gente quando se juntava, olhe!....

P: Porque é que diz que eram criaditas?

Benedita Vau: Porque éramos piquenas, porque não tínhamos ninguém que nos defendesse, a não sermos umas às outras e, às vezes, bem, eu tive muita sorte por onde andei. Todos eles se interessaram muito por mim. Até esta aqui de Lisboa. Ajudou-me muito e a filha foi ser minha madrinha de casamento.

P: E hoje ainda se dão bem?

Benedita Vau: Damos, damos. Até com a mãe. E a filha mora lá na casa da mãe. A mãe foi para Sesimbra. Ainda lá fiquei a trabalhar durante um ano depois de casada, que ela não arranjou logo, mas depois veio uma rapariguinha lá de Manteigas. Eu fiquei ainda de manhã, e saía à tarde.

P: E vinham todas ali da Beira…

Benedita Vau: Alentejanas havia poucas. O resto era tudo lá de cima, até havia uma de Vinhais.





(As primeiras palavras saem comovidas e presas)

Benedita Vau: Nasci em janeiro de 1942. Foi em L. Quer dizer, sou do concelho de…, distrito da Guarda, na Serra da Estrela.

P: Como era a sua família?

Benedita Vau: A minha família, quer dizer, pobres…tudo trabalhava…o meu pai andou no carvão, mas na serra, no carvão, e a minha mãe ajudava. Havia também uma fazenda, quer dizer, eles tomavam conta da fazenda, eram caseiros. Tínhamos assim uma casinha, mas era dos senhores. Era onde tínhamos vacas e galinhas, quer dizer, tínhamos assim um bocadinho de tudo.

P: Lembra-se da sua casa?

Benedita Vau: Bem, aquilo não era bem uma casa…era o que se pode dizer umas calheiras. Era assim que se dizia. Só havia uma divisão para a gente estar e para o comer dos animais. Era o feno, a cana, a erva que se colhia para eles comerem quando vinha a geada e não tinham que comer. Depois eu saí…estive até aos 10 anos com a minha mãe e saí de casa muito nova. Nós éramos 6, 6 irmãos que agora só temos 4. E fui servir para uma terra que era próxima da minha. A pé ainda demorávamos muito tempo, quase três horas. Os senhores eram sapateiros.

P: Como se chamava esse lugar?

Benedita Vau: Esse lugar era S. Lá estava um irmão meu com esses senhores e eu fui para o pé dele onde trabalhava também. Nós lá fazíamos de tudo, mas não pagavam, vou já dizer.

P: E ficavam lá a dormir ou iam para casa?

Benedita Vau: Não, não, estava mesmo lá cativa. O meu irmão guardava as cabras e ovelhas. O meu irmão guardava isso e eu estava do lado dos senhores.

P: Foi para lá por serem conhecidos dos seus pais?

Benedita Vau: Quer dizer, aí foi o meu irmão que estava e ele perguntou se eu queria ir, e eu fui. Quer dizer, com muitos em casa, não há assim muito que comer, e a gente desaba cada um para cada lado. Antigamente era assim: quem era rico, ficava. Quem era assim pobrezinho, íamos embora.

P: Fez a escola?

Benedita Vau: Fiz, mas não fiz. Andei lá, e depois fui-me embora. Andei na 1ª classe. Mas depois, quando fui ter com o meu irmão…dessas senhoras fui para outras. Deixei o meu irmão e fui para outra que me dava poucochinho, mas pagavam-me. Essa senhora era professora.

P: Nessa altura, como era o seu dia de trabalho?

Benedita Vau: Limpava a casa… Na casa com o meu irmão, tinha um quartinho para mim. Levantava-me às sete e meia e a senhora levantava-se também. Ela tinha um casalinho e eu levava a menina à escola. Ainda ficava assim um bocadinho distante e eu ia pô-la à escola. Depois da escola, limpava a casita. A senhora ensinava-me e eu ia limpando. Ia levar o comer onde andava o meu irmão. A seguir tratávamos os dois da horta com alfaces e cenouras e assim…

P: E cozinhava?

Benedita Vau: Não, não. Na cozinha, não. Ajudava a descascar as batatas, mas era a senhora que cozinhava.

P: Tem boas recordações?

Benedita Vau: Quer dizer, eu até gostava dos senhores, principalmente da senhora, que era muito boa senhora. Ela era sobrinha de um padre e era mesmo muito boa pessoa. Ele é que não. Ela era uma santa e às vezes até sonho com ela. Bem, mas depois saí dessa casa e fui para casa daquela professora. Aí já era mais velha, tinha 14, 15 anos. Aí já cozinhava e ajudava. Aí com os meus 14 anos fui então para casa dessa professora que vivia com um cunhado. E estávamos então lá em S., mas fins-de-semana e férias íamos passar para outro sítio e levavam-me. Estive lá muito tempo. Aprendi a ler, mas não aprendi a escrever. Só sei assinar o meu nome.

P: Essa senhora ajudou?

Benedita Vau: Não, não, é que ela lia muitos jornais e eu aprendi com ela a ler no jornal. Ela também era muito religiosa. Obrigava-nos todos os dias a rezar o terço. Leio tudo, mas escrever, não. Na escola só andei na 1ª classe porque eu não gostava muito de andar na escola e então fugia. A minha mãe pagava as multas. Naquela altura pagava-se multas por não ir e a professora mandava recados porque eu aprendia muito bem - porque é que não ia para a escola? Depois eu disse-lhe que não ia, e não fui.

P: Isso também a ajudou a sair mais cedo? Era costume na terra que as raparigas fossem para servir?

Benedita Vau: Sim, tudo trabalhava. Em geral, havia muita gente que saiu para servir de lá das nossas terras. A única que foi até à 4ª classe foi uma irmã mais nova.

P: E como era com as refeições?

Benedita Vau: Comíamos na cozinha, nunca comíamos com os patrões. Mas o que eles comiam comíamos nós. Primeiro servia à mesa, e só depois ia comer.

P: Essa casa era de pessoas com algumas possibilidades?

Benedita Vau: Não, naquela onde fui para a segunda vez era de uma família que podia mais. Os senhores primeiros, não.

P: Tinha tempo para si?

Benedita Vau: Sim, podia fazer coisinhas para mim. Ao domingo deixavam-me sair com as colegas. Podíamos ir passear. Se alguma lá quisesse ir a casa, também lá podiam ir porque elas davam-me autorização. Mas tinham de ser pessoas com quem elas vissem que nós podíamos andar, porque às vezes a gente arranjava companhias que elas diziam que a gente não…que era assim…enfim…

P: Como descansava?

Benedita Vau: Era ao domingo. A gente podia estar sentada se quisesse ficar em casa e podíamos sair. Em questão de descanso não me queixo muito.

P: Tinha os seus objetos?

Benedita Vau: Sim, tinha as minhas coisinhas. Tinha a minha roupa para vestir, mas tinha de andar fardada. As fardas era a senhora que comprava. As minhas só podia vestir ao domingo.

P: Como é que foi tornar-se uma mulherzinha?

Benedita Vau: Quer dizer, na questão do período, eu não sabia de nada. Ainda estava cá em cima quando isso aconteceu, mas a senhora fez-me umas toalhinhas e deu-me.

P: Como é que olhava para aquela pessoa?

Benedita Vau: Eu sentia-me bem com a senhora. Fui-me mais embora porque eu estava ali e não recebia nada. Ela comprava-me uma roupita e não valia a pena. O meu irmão também me disse que eu estava ali e não lucrava nada e então fui para aquela senhora.

P: E tinha saudades de casa?

Benedita Vau: Tinha… tinha saudades da minha mãe… às vezes ia e depois, quando estava na outra, já não ia tantas vezes à serra porque o meu irmão também já não ia tantas vezes, e assim fui passando.

P: Nesta segunda casa, havia muitas regras?

Benedita Vau: Eu…(grande hesitação)… como é que eu vou explicar? Havia lá um rapazinho que andava atrás de mim, mas, nessa altura a senhora soube e não me deixava sair.

P: Não aceitava isso bem…

Benedita Vau: Era nova e não queria que eu lhe falasse. Não queriam que eu o namorasse. Como eu não sabia nada da vida eu perguntava-lhes porquê? E ela dizia que ele era mais velho do que eu, mas eu não deixei o rapaz. Continuei a encontrar-me com ele às escondidas, mas namorei. Ela depois percebeu. Eles queriam fazer como se fossem meus pais. Mas eu queria namorar embora depois também nos tivéssemos zangado.

P: Então namorar é que era mesmo proibido?

Benedita Vau: Namorar não me deixava, mas eu continuei a namorar. Mas depois também nos zangámos. Acabou tudo e…acabou, pronto.

P: Em alguns momentos davam-lhe presentes, talvez para compensar não ter salário?

Benedita Vau: Olhe, menina, a senhora tinha em Coimbra uma afilhada que a gente ia lá muita vez. E a afilhada era casada, tinha um menino e essa dava-me coisinhas dela, roupa que fosse boa, sapatos…quer dizer, coisas novas, mas não era sempre.

P: E para o seu enxoval?

Benedita Vau: Às vezes eu comprava peças de lençol, porque antigamente não havia assim nada feito, a gente é que comprava e comecei a fazer assim o meu enxoval. A senhora também fez umas rendinhas e deu-mas, e também me comprava assim umas toalhinhas…e oferecia…

P: No Natal?

Benedita Vau: Não, porque antigamente o Natal não era assim como agora. Eu nunca soube o que era o Natal; o Natal, embora fizessem qualquer coisa, não faziam trocas de presentes…não, nem em casa, nada disso. Só quando vi para cá, vim para cá com 19 anos e mesmo a senhora não era assim de fazer uma noite de Natal, como agora se faz. Com a minha mãe, já se fazia o Natal que era fritar, comprar massa, esticar e fazer massa com açúcar e canela. Lembra-me assim do Natal. Só assim, mais nada!

P: Disse-me que era da zona da Guarda…já ouviu falar na Obra de Previdência e Formação de Criadas? Eles tinham lá uma sede e eram ligados à Igreja Católica e era uma obra de um padre que era ali da região da Guarda. Nunca ouviu falar nesta instituição, nem tentaram falar consigo?

Benedita Vau: Não, nunca ouvi nada.

P: Nem quando chegou a Lisboa?

Benedita Vau: Não, não. Nada.

P: Veio para Lisboa como?

Benedita Vau: Vim através de uma amiga lá da terra e fiquei sempre na mesma casa. Dos 14 aos 19 estive sempre lá acima, nessa terra, em S. Estive na mesma terra, mas com pessoas diferentes.

P: Nesse tempo fazia todo o tipo de trabalho?

Benedita Vau: Não, não, não…

P: Era a única que lá estava a servir?

Benedita Vau: Era, só era eu. Só quando ia para Coimbra é que a senhora já tinha uma empregada e aí já nos juntávamos, já saíamos as duas à noite, porque ela conhecia aquilo e depois levava-me. Quando, ao contrário, a senhora ia lá a S., ela também levava a empregada e a gente também saía.

P: Esta senhora não tinha filhos?

Benedita Vau: Não, aquela onde eu estava não. Mas a que vinha de Coimbra tinha um filho.

P: Nunca teve de cuidar das crianças, como uma ama?

Benedita Vau: Não, não…nunca tive nada disso.

P: Quanto é que ganhava, lembra-se?

Benedita Vau: Ah, muito poucochinho…eu já nem sei dizer, mas era assim…quinze euros, ai..quinze escudos!....Nada…eram quinze escudos.

P: E esse dinheiro dava para quê?

Benedita Vau: Olhe, dava para muita coisa, menina. Pois… a gente tinha o comer, tínhamos dormida, tínhamos tudo. Ora, só se a gente precisava de comprar alguma coisita. Se a gente não precisava de comprar no mês, sempre juntava o dinheiro.

P: E em comparação com outras profissões? Não tinham gastos?

Benedita Vau: Nós não tínhamos. Se durante a semana a gente andava com a tal farda da casa, só se a gente quisesse uma roupita nova. Roupa interior e assim é que a gente comprava. Mas antigamente a gente comprava as cuecas baratíssimas. Soutiens e tudo.

P: Havia já cinemas ou teatros?

Benedita Vau: Não, lá não havia nada disso. Lá, por exemplo, quando era pelo Carnaval, eles faziam as coisas na rua. Dançava-se, cantava-se e assim. Mas isso lá cinemas, não. Não podíamos ter extravagâncias.


P: E como é que as pessoas iam de um lado ao outro? De comboio?

Benedita Vau: Não havia transportes nenhuns desses. Por exemplo, se a gente quisesse – eu não vinha, mas quem quisesse vir – às feiras, ia de camioneta. Esse senhor sapateiro que fazia uma festa anual, em Arganil, e eu ia com eles. Porque a senhora também ia, era a feira anual durante três dias. A gente ficava lá, eu ia com a senhora, levávamos os meninos e eu também ia. Íamos então com o patrão, com os patrões, e íamos para a feira anual a Arganil.

P: E ia com a sua farda?

Benedita Vau: Não, não… isso já levava uma sainha minha ou um vestidito. Isso aí já não ia fardada.

P: Então só em casa? Pode-me dizer como é que era? Tem alguma fotografia?

Benedita Vau: (risos) Ai, não tenho. De farda tenho, mas não sei onde é que a tenho. Mas tenho, isso guardei.

P: Como era?

Benedita Vau: Olhe, nesta altura em que tirei a fotografia estava de bata, tenho a impressão que era azul-escura com o aventalinho branco e a golinha branca.

P: As pessoas eram exigentes com a higiene, o serviço da casa, da mesa? Como é que aprendeu?

Benedita Vau: Ah.. à mesa ensinaram-me muito bem a servir. Olhe, servia do lado direito… ou do lado esquerdo, agora já não sei (risos), mas sei que era só daquele lado, tirar os copos do coiso, tirar os pratos, isso eu sabia fazer muito bem, até porque ainda sei fazer. Se tiver cá gente, ainda faço.

P: Continua a respeitar essas regras

Benedita Vau: Exatamente. Mas era assim. Estavam sempre a ver como devia ser. Às vezes tocavam a campainha para a gente ir ver o que era.

P: Havia troca de palavras quando essas pessoas estavam, ou o seu papel era mais de estar em silêncio?

Benedita Vau: Não, estava na cozinha à espera que chamassem e ajudava assim na sala (alguma resistência em falar, diminuição do tom de voz).

P: Não participava nessas reuniões?

Benedita Vau: Não, quer dizer, se estivéssemos ao pé dos patrões, não. Sentava-me sempre na cozinha e quando elas depois chamavam…


P: Agora vamos fazer uma viagem até Lisboa. Gostava que, dentro do possível, me descrevesse como é que foi essa chegada a Lisboa.

Benedita Vau: Tinha 19 anos quando vim para Lisboa. Olhe, menina, eu, da terra, tinha e tenho uma irmã ali em Sacavém. Estava casada e quando vim, em vez de ir logo para casa da senhora onde vinha para servir, vim para casa da minha irmã. Vim de comboio. Fiquei em Sacavém. Dormi lá essa noite. Já era noite e o meu cunhado foi-me buscar ao comboio. Cheguei de noite e fiquei lá. Ao outro dia, ele veio pôr-me a Lisboa, porque eu não conhecia nada e ele veio pôr-me à direção que eu trazia que era aqui na Av. G., numa vivenda, que era a mãe da senhora para donde eu vinha. Ia ter ali com essa senhora. Apresentei-me ali (e o que é que lhe perguntaram? O que é que queriam saber de si, já vinha com uma referência?) Já vinha de lá o que eu sabia fazer... e assim não pediam informações disto e daquilo. Ela perguntou se eu gostei de ter vindo e eu disse que não conhecia ninguém. Que não sabia se ia gostar… eu uma vez fui ter ao Fundão – já que a menina está a perguntar. Foram-me pôr lá e eu vim novamente com o meu pai (voz assertiva). Não quis lá ficar. Queriam que eu fosse para aí, que tinha lá uma tia minha. Eu ia para ao pé da minha tia e eu não gostei nada daquilo e disse que não queria lá ficar, e chorei, e vim-me embora. O meu pai trouxe-me outra vez. Por isso se eu agora não gostasse eu teria que me ir embora. Ficar aqui, estar contrariada, e para mais que não conhecia…isto aqui era coiso e eu não conhecia nada…e eu disse-lhe que se gostasse de ficar, ficava; se não gostasse, que ia para o pé da minha irmã e que depois ia para a terra outra vez. Então veio a filha da senhora e fui para a 5 de outubro. Fui para a 5 de outubro. E ali estive desde os 19 até que me casei, aos 24 anos.

P: Como é que viu Lisboa? Como é que olhava para Lisboa?

Benedita Vau: Olhe, menina, Lisboa não era nada daquilo que é hoje. Não havia tantos carros. Não havia… assim… nada, quer dizer, era diferente, pronto.

P: Estávamos no ano de…

Benedita Vau: Bom, eu tinha 19, em que ano estávamos?

(Faço contas e chego ao ano de 1961)

P: Como era o prédio para onde foi trabalhar?

Benedita Vau: Era num segundo andar…

P: E como era a família?

Benedita Vau: Olhe, a família era…a senhora. Ele era engenheiro. Ela não fazia nada e tinha uma filha. Não me lembro bem que idade é que tinha a menina, mas …quando vim para esta casa ia casar uma rapariga que lá estava. Eu ainda estive um mês e tal com ela. E como também era lá de cima, a rapariguinha disse-me logo as coisas da casa, como eles eram…como ele era…

P: E posso saber o que é que ela lhe disse?

Benedita Vau: Ela disse que a senhora era assim um bocadinho…embirrante. Ele, não tanto, mas que não era de muitas palavras, o senhor. E que tínhamos que estar sempre com atenção porque de manhã ele levantava-se cedo e queria o pequeno-almoço na sala. Mas, como estive com ela esse mês…aprendi a fazer as coisas como devia. Estivemos esse mês e eu aprendi. As camisas eram passadas todos os dias: eram muito bem engomadinhas. Eram brancas; parecia que tinham goma e eu tive de começar logo por aí, com ela, a aprender a engomar as camisas. Eles não davam nada a engomar. Tínhamos que nós escovar tudo muito bem escovadinho, passar um pano com Benzovac para tirar as nódoas…também fazíamos esse serviço. …Depois a rapariga casou e eu fiquei com o encargo todo, não tinha mais ninguém.

P: E para além da roupa muito bem engomada, havia mais regras?

Benedita Vau: Aí já me levantava mais tarde. Às 8 horas. O almoço era servido ao meio-dia. Ele vinha e tinha que estar pronto. O jantar era às sete, sete e meia. Também nunca jantavam mais tarde. Ao domingo é que era diferente. Íamos todos os domingos almoçar a casa da mãe do senhor. Ora, ao domingo eles levantavam-se às quatro da tarde… era…, mas repare, a gente lavava a roupa à mão. Lá em S., ia para a ribeira lavar. Aqui não. A única coisa que havia de electrodoméstico era o frigorífico. Que já lá para cima também havia. E lá ia para a ribeira: ia muito cedo, descalça, lavava, estendia a roupa a corar e tal, e depois ia comer, e depois ia outra vez e punha a roupa a enxugar. Isso é lá em cima. Aqui, ao domingo, punha a roupa à noite na saponária e, como eles se levantavam tarde, fazia uma saponária à roupa, punha-a no tanque e ao domingo de manhã, primeiro ia à missa, à Igreja de Fátima, e depois da missa tomava o café, e então lavava a roupa.

P: Ia à missa porque queria ou alguém lhe dizia para ir?

Benedita Vau: Não, eu também gostava. Eu gostava de ir à missa.

P: Mas ia sozinha ou com as senhoras da casa?

Benedita Vau: Não, não, as senhoras nunca foram à missa. A gente é que ia à missa, nós é que íamos sempre.

P: Ia com quem?

Benedita Vau: Sim, aqui a rapariga que estava na mãe do senhor, ela mais ou menos à hora dizia “Desce, que a gente vai.” Eu descia e íamos as três, porque o prédio era grande. Tinha quatro pessoas. Quer dizer, o prédio era de esquina. E então juntávamo-nos todas as quatro e íamos à missa. Era uma paródia.

P: Era uma paródia?

Benedita Vau: Ai era, menina. Falávamos dos rapazitos e…olhe, fartávamo-nos de coiso. Saíamos da missa e tínhamos que ir logo para casa. Porque eles sabiam a hora a que acabava a missa.

P: Como era o quarto da sua casa?

Benedita Vau: Eu tinha o meu quarto, mesmo dentro de casa eu tinha o meu quarto e casinha de banho. Este prédio era na 5 de outubro. Tinha uma casinha de banho para mim e o meu quartinho. A cama era um divã. Quer dizer, era um divã, mas não era de puxar. Tinha um roupeirozinho que era onde a senhora tinha a roupa dela, e da menina. Era grande, era de parede. Tinha uma janelinha pequena. Tomava bem ar. Mas dava tudo para as traseiras.

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P: Que objectos é que tinha trazido consigo? Ou valores?

Benedita Vau: Não, não tinha nada de valor. Só tinha trazido a minha roupita e mais nada. Coisas de valor não tinha. Quer dizer, o meu enxovalito que fiz lá em cima ficou na minha mãe. Mas não trouxe nada. Não tinha nada.

P: E aqui não ganhava nada?

Benedita Vau: Aqui já vim ganhar 500$00.

P: E isso era bom?

Benedita Vau: Era, era menina. Porque eu aí juntava também dinheiro. Eu não era estragada. Aí, como já havia cinema, às vezes íamos ao cinema. Entre nós todas era barato. Quer dizer, barato?! Quer dizer, pouca gente ganhava e era barato porque a gente juntava dinheiro. Já comprava, não sei se a menina sabe, estas mulheres à porta para venderem coisas…roupa, lençóis, isto ou aquilo. Era às portas que mostravam aquelas coisas dentro de umas alcofas grandes e perguntavam se a gente queria ou não queria. Mas não era pela porta, era do lado da porta de serviço que às vezes a porteira não as deixava passar. A gente gostava de ver. Elas tinham que subir de elevador porque não tinham as escadas. E então a gente gostava de ver.

Benedita Vau: Às vezes juntávamo-nos ali na varanda, que aquilo tem uma varanda rodada para os quatro inquilinos e a gente via… Às vezes estávamos ali até à meia-noite. Às vezes lá vinha a senhora dizer: Oh meninas!...JÀ é hora de ir para casa… (como quem chama)

P: Como é que se juntavam?

Benedita Vau: Olhe, tinha uma marquisezinha. A marquise dava para a varanda que era a todo o comprimento do prédio. E então todas elas tinham empregadas, que antigamente toda a coisinha tinha uma empregada.

P: Mesmo pessoas com poucas possibilidades?

Benedita Vau: Exatamente, porque também pagavam pouco e toda a gente tinha…E então a mais velha que lá estava era uma que dava do lado contrário da nossa 5 de outubro. Mas era muito boa rapariga, aconselhava-nos bem – era a mais velha, mas aconselhava-nos bem.

P: Então conseguiam estar ali até à meia-noite?

Benedita Vau: Conseguíamos estar ali até à meia-noite. Mas às vezes não podia porque vinha gente de fora… lá os senhores tinham gente e tinha que estar à espera para servir chá, ou isto, ou aquilo. Quando os patrões tinham gente, eu não podia ir. Dava uma escapadela, mas era poucochinho…, mas quando não tínhamos assim que fazer, que os senhores estavam a ver televisão, a gente estava a conversar. Estávamos ali todas. Tinha uma amiga (corrige para colega) que era alentejana; que até foi a madrinha da minha filha mais velha, que era também empregada; chamava-se D.. A gente ficámos sempre amigas… quer dizer, ainda hoje somos amigas. Elas telefonam-me, eu telefono-lhes. Vivíamos ali, quer dizer, parecia que éramos uma família. Estávamos como se fosse uma família. Mas todas ficámos sempre a ser amigas.



P: E eram internas? (silêncio) Dormiam lá?

Benedita Vau: Sim, era tudo lá. Não, a gente não ia nenhuma sair da casa da senhora.

P: Porque é que disse há pouco que “Qualquer coisinha tinha uma pessoa para a ajudar”? Deu-me a entender que não eram só as pessoas mais ricas que tinham uma pessoa dentro de casa. A senhora acha que era mesmo assim?

Benedita Vau: Eu acho que sim… sim, por exemplo, onde estava essa minha amiga, a D., que eram já uns senhores de muita idade. O senhor podia ter sido alguma coisa em novo, mas depois também já não era assim de muitas posses para pagar a uma empregada. É isso. Por isso é que havia muita gente, quer dizer, muitas criaditas! E a gente quando se juntava, olhe!....

P: Porque é que diz que eram criaditas?

Benedita Vau: Porque éramos piquenas, porque não tínhamos ninguém que nos defendesse, a não sermos umas às outras e, às vezes, bem, eu tive muita sorte por onde andei. Todos eles se interessaram muito por mim. Até esta aqui de Lisboa. Ajudou-me muito e a filha foi ser minha madrinha de casamento.

P: E hoje ainda se dão bem?

Benedita Vau: Damos, damos. Até com a mãe. E a filha mora lá na casa da mãe. A mãe foi para Sesimbra. Ainda lá fiquei a trabalhar durante um ano depois de casada, que ela não arranjou logo, mas depois veio uma rapariguinha lá de Manteigas. Eu fiquei ainda de manhã, e saía à tarde.

P: E vinham todas ali da Beira…

Benedita Vau: Alentejanas havia poucas. O resto era tudo lá de cima, até havia uma de Vinhais.

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