"A gente era os caddies"
Item
Tema
Trabalho Hoteleiro
Título
"A gente era os caddies"
Entrevistado
António Almada (nome fictício)
Resumo
António Almada foi o único rapaz de entre uma família de “10 ou 12 filhos que nasceram”. Tinha quinze anos quando começou a trabalhar, seguindo uma espécie de lei geral da aldeia que recrutava para o hotel da terra todos os que não quisessem prosseguir os estudos. Era isso ou o trabalho na terra. O pai tinha começado na mesma empresa, enchendo os garrafões de água à mão. Aos 12 anos já trabalhara como caddie, ajudando os “senhores” em troca de gorjetas, mas não o considera um trabalho. No hotel, ingressa nos serviços de manutenção, e lida com toda a espécie de arranjos, de carpintaria a fechaduras e portas. Com os seus 15 anos, recorda a ideia de um hotel que pagava a horas certas e dispunha de um número de empregados ajustado ao volume de tarefas a desempenhar, no qual o trabalho oferecia um nível de especialização mais elevado e cuidado. Recorda ainda que acedia aos quartos de hotel por uma porta de serviço, da mesma forma que isso foi regra em certos prédios que contavam com o trabalho de “criadas de servir”. Nas suas memórias, foi repetida uma mensagem de solidariedade de classe com quem hoje trabalha na hotelaria: “Dantes, por exemplo, durante a noite, só num piso, se calhar havia cinco ou seis pessoas a trabalhar. E agora não. Agora se calhar essas 5 ou 6 pessoas estão a trabalhar por 3 ou 4 pisos. Agora elas têm de fazer tudo. Quer dizer, são menos pessoas, mas têm de fazer tudo!”
Data de nascimento
25 de outubro de 1966
Data de recolha do testemunho
17 de maio de 2022
Local de recolha
Paúl, Torres Vedras
Recurso
Transcrição de entrevista por gravação em áudio
Autor da recolha
Ana Sofia Figueiredo
História do trabalho hoteleiro
António Almada: Eu nasci na Maceira, no bairro da Portela, onde era o único rapaz em 10 ou 12 crianças que nasceram. O resto era tudo raparigas e pronto, fomos crescendo…A minha mãe sempre foi doméstica e o meu pai trabalhou em Mafra, depois trabalhou nas águas do Vimeiro, e em mecânica, o que acabou por ser a vida dele toda. E a vida não foi nada fácil, nada fácil na altura. Nessa altura a vida não era fácil para a gente nem para ninguém. Andei na escola e brinquei muito, que era a coisa que mais gostava de fazer. Se pudesse hoje ainda brincava!
P: Qual era a profissão que gostava de ter “quando fosse grande”?
António Almada: Ah eu acho que na altura nunca tive essas ideias, eu gostava era de brincar e não pensava nisso.
P: Então e quando chegou ao hotel tinha mais ou menos que idade?
António Almada: Quando comecei a trabalhar tinha, mais ou menos, 15 anos.
P: Para ajudar a família?
António Almada: Não, porque não queria ir para a escola, então como não estudava tive de ir trabalhar. Quando eu comecei a trabalhar na carpintaria, na Empresa A, e depois é que fui para o hotel, que também pertencia às águas. Estava lá um carpinteiro, no hotel já havia um carpinteiro, um senhor já de idade com quem eu me dei muito bem lá. O nosso trabalho lá era reparar tudo, desde carpintaria, estores, fechaduras, era tudo o que fosse manutenção. Sim, tudo no hotel. Fora a eletricidade e canalizadores que isso existia lá. Havia lá canalizadores e eletricistas. Agora tudo o que era carpintaria, fechaduras, e estores era tudo na parte da carpintaria.
P: E já fazia isso tudo com apenas 15 anos?
António Almada: Não, eu aí já devia ter os meus 16 anos, porque primeiro andei na carpintaria, cá nas águas. Geralmente a gente não tinha contacto com o cliente porque a receção mandava para a gente o que é que tínhamos de fazer, quais eram as avarias que havia e a que horas é que nós lá podíamos ir não é, quando não estivessem lá clientes.
P: E a receção do hotel ou até mesmo a gerência funcionava bem?
António Almada: Sim, eu acho que sim! Na receção era tudo certinho, aquilo ali era tudo certinho.
P: E mesmo em termos de condições, davam-lhe alimentação ou era só mesmo ir trabalhar?
António Almada: Sim nesse sentido tinha-se lá tudo, almoçava-se, tínhamos tudo.
P: E os outros empregados, tinha uma boa relação com eles?
António Almada: Eu só lidava com aquele senhor, só encontrava outros empregados na hora de almoço que era quando a gente se falava e pronto. Mas lá era tudo pessoal da terra, praticamente, a gente ali falava porque a malta conhecia-se toda, não é? Aquilo era uma empresa onde a maior parte dos empregados eram todos ali da M.. Era quase tudo ali da terra.
P: Agora também é assim?
António Almada: Não agora já não, aquilo antes era tudo malta da M., B., havia umas pessoas de R., porque de resto aquilo era só ali mesmo, naquele círculo de pessoas que estavam ali e assim.
P: E as pessoas eram formadas?
António Almada: Não, não. Cada um tinha de se desenrascar. As pessoas que iam para lá servir à mesa aprendiam lá, com os outros, com os mais velhos que lá estavam. Não havia formações, não havia nada. Naquela altura não havia nada de formações, a gente não tinha formações.
P: Então o tipo de cliente lá também não era muito exigente?
António Almada: Isso também não sei, isso lá dentro com os clientes eu não sei, não tinha esse contacto. Porque eu era só mesmo a parte das avarias que a gente tratava. Quem lidava lá com os clientes eram sempre as pessoas do restaurante, do bar, pronto, essas pessoas. A gente tinha uma entrada de serviço, era uma porta de serviço, ia-se lá para cima, entrava-se nos quartos, batia-se à porta, duas vezes ou três e se ninguém respondesse a gente tinha uma chave mestra que abria tudo e era assim que a gente trabalhava.
P: E o seu primeiro dia? Como é que foi a experiência, a expectativa? Alguma coisa que correu bem ou menos bem?
António Almada: Não, eu…correu sempre bem porque já eram pessoas que eu já conhecia cá debaixo também, não é? As pessoas que lá estavam também vinham cá abaixo, quando precisava mesmo de ir à oficina da carpintaria, elas vinham cá, porque era tudo pessoal que a gente conhecia, passei pouco para o outro lado.
P: E em termos de tarefas, também não era muito difícil?
António Almada: Não, não aquilo não era muito difícil, reparava uma mesa, reparava uma cadeira, reparava estores, uma fechadura… aquilo era avarias, praticamente aquilo era avarias. Só houve uma altura em que a gente esteve lá a arranjar as mesas todas do 4º andar, onde era uma sala, era um salão mesmo grande, onde eles fazem jogos, fazem essas coisas todas, e nós andámos a tirar os tampos das mesas, para meter uns tampos novos. E isso foram meses a fazer esse trabalho. Esse trabalho era feito quando a gente saía lá de uma avaria e vinha-se para baixo, porque era quando não havia avarias que a gente ia mudando os tampos das mesas. Foi um critério que eles tiveram para mudar os tampos todos e a gente fazia, pronto.
P: E sente que, por exemplo, estando num hotel onde os clientes eram servidos e havia essa importância, o seu trabalho era respeitado, pelas outras áreas?
António Almada: Sim, sim.
P: Ali toda a gente se respeitava? Não havia diferenças no tratamento?
António Almada: Não, nunca vi assim nada. Nem comigo, nem com as outras secções. Não, normalmente não. Não, porque aquilo também era tudo pessoal que já se conhecia há muito tempo.
P: E há alguma situação de maior constrangimento no hotel?
António Almada: Não, comigo não.
P: Quando saiu, saiu de lá bem?
António Almada: Sim, quando eu saí de lá, fui para um curso de mecânica, daí ter saído. Eu gostava muito de carpintaria, mas como aquilo começou sempre a ser a mesma coisa, fazer as mesmas coisas, e então tive a oportunidade. Surgiu um curso e eu acabei por ir para lá para o curso.
P: Pois, e depois aí definiu logo a área de mecânica para o seu futuro?
António Almada: Pois! Do outro lado, no curso, ainda não tinha acabado o curso, quem me estava a dar o curso tinha uma oficina e disse logo: “Tens de passar para Torres, lá para a oficina” e foi a partir dai que vim cá para Torres, e cheguei aqui, a aturar estas pestes todas.
P: Desde que foi para Torres Vedras que ficou pelo P.?
António Almada: Já vão uns anitos, 30 e tal anos.
P: E depois nunca mais se interessou pela parte hoteleira?
António Almada: Não, não. Até porque é assim: na parte hoteleira, o servir à mesa, o hotel, são coisas que eu também não gostava. Eu da carpintaria gostava porque era aqueles serviços de arranjar nas coisas, mexer nas coisas. Agora estar a lidar diretamente com os clientes e, se me convidassem para ir trabalhar para lá para servir à mesa eu negava logo que eu não ia, que eu não gostava. Isso eu não gostava.
P: Sim, até porque na altura, aquilo se calhar não estava tão desenvolvido…
António Almada: Sim, eram as condições que davam e depois havia lá um ou dois que mandava naquilo e aquele pessoal exigia muito com aquela gente e eu como sou um bocadinho lixado de vergar, era aquela coisa. Mas não, era daquelas coisas que eu também não quero. Nunca gostei mesmo de servir à mesa ou estar atrás de um balcão. Mesmo que me convidassem, eu não ia porque não gostava disso. Depois, quando vim para Torres, para a oficina, foi uma coisa que eu me adaptei bem e gostei e sempre tive bons clientes.
P: As influências do seu pai acabaram por ajudar um bocadinho, não?
António Almada: Sim, sim! Na família, o meu pai é mecânico, o meu irmão é mecânico, o marido da minha irmã é mecânico, eu sou mecânico, e o irmão da minha mulher é mecânico! E nunca houve ninguém que tivesse montado uma oficina para todos trabalharem.
P: Ainda não surgiu a oportunidade.
António Almada: Pois, agora também é difícil, só se for a minha filha que queira montar uma oficina para mim.
P: E o tempo em que trabalhou na parte do golf?
António Almada: Ah isso não era um trabalho, isso era um hobbie antes de começar a trabalhar.
P: Mas isso nas férias de verão?
António Almada: Nas férias de verão a gente ia para lá andar com os senhores, eles andavam lá a jogar golf e a gente ia para lá com eles, a gente era os caddie, para andar com os sacos de Golf, qQue era para a gente ganhar mais uns trocos. Foi aí que eu comecei a ganhar os primeiros trocos, não é? Porque de resto…
P: Tinha que idade?
António Almada: Ah sei lá, se calhar 12 anos, talvez. A partir dos 12 até aos 15 andei lá, quando era de verão, quando eram as férias, quando era aos fins de semana, de sábado a domingos.
P: E eles chamavam? Ou ia para lá todos os dias?
António Almada: A gente aos sábados e domingos ia para lá. Havia uns senhores que eram de A. e esses senhores vinham cá quase todos os fins de semana e eu andava sempre com o mesmo senhor. Depois havia mais 3 ou 4 colegas que também, cada um tinha aquela pessoa certa para a gente andar, estás a perceber?
P: Então ainda começou a trabalhar muito mais cedo.
António Almada: Isso era para a gente arranjar uns trocos, era.
P: E como é que funcionavam as folgas e férias na altura em que começou a trabalhar?
António Almada: Quando eu comecei a trabalhar, isso estava tudo certinho, as férias eram marcadas, era naquela altura em que a gente pedia, e eles ou aceitavam ou tinham de ser remarcadas para outra altura, mas isso, pela Empresa A, sempre foi certinho. O ordenado nunca foi um ordenado grande, mas aquilo era sempre certinho. Nessa altura, era o Sr. Bernardo Vilas (nome fictício), que foi o senhor que montou a empresa.
P: E como está o hotel agora?
António Almada: Hoje em dia estão lá meia dúzia de mulheres a fazer limpezas àquilo, enquanto dantes, esta meia dúzia, que lá está, era meia dúzia por cada andar do hotel, está a perceber? Agora é meia dúzia para limpar aquilo tudo!
P: E, por exemplo, como é que descreve os postos de emprego? Havia postos diferentes para homens e mulheres? Por exemplo, rececionistas serem apenas mulheres?
António Almada: Na receção, na altura, até havia mais homens do que mulheres! Na restauração também era misto, na parte da restauração era misto sim, havia homens, havia mulheres. E nessa altura ainda havia só uns para servir o comer, e havia outros para os vinhos, para as águas. Agora, agora não… Agora chegas lá e tens um tipo de serves-te.
P: Ah então agora é tipo Buffet?
António Almada: Exatamente tipo Buffet!
P: E antes tinha os copeiros?
António Almada: Tinha-se tudo, tinha copeiros, tinha chefe de mesa. O chefe de mesa ia lá e tirava o pedido, e depois havia o que levava o comer, o que levava os vinhos, as águas e essas coisas todas. Agora, não há isso… era porque o que leva as bebidas sabe onde é que estavam as bebidas e ele é que ia buscar, agora não! Agora tem de ser a mesma pessoa a fazer tudo. Hoje chegas lá com o comer e ainda não trouxeste o vinho. Enquanto na altura o pedido era feito, o chefe de mesa dava ordem de: “isto é o comer, isto é o vinho” e a pessoa das bebidas podia logo ir lá pôr as bebidas, pôr tudo. Quando viesse o comer, o outro já lá estava. Já as pessoas estavam servidas. Era bom para os clientes! Os clientes na altura ficavam melhor, agora já lá fui, duas ou três vezes com a malta da idade, já lá fomos comer, mas, lá está, aquilo é tudo Buffet! A gente é que vai, só a parte das bebidas é que anda lá uma pessoa e é que vai lá. Ou seja, as bebidas estão atrás da gente e vai lá uma pessoa, agarra na garrafa e serve a gente, mas isso também não interessa, se me metessem a garrafa em cima da mesa eu também me servia. Mas isso é assim, agora. Notas em tudo. Ou seja, dantes tinhas as camareiras, as pessoas que arrumam os quartos, que arrumam aquilo tudo, que se calhar tinham muito mais relação com os clientes do que agora. Dantes tinham melhor relação do que agora. Porque agora elas são tão poucas, que só falam com os clientes se chegar lá para arrumar o quarto e se tiver lá o cliente. E dantes não. Dantes havia, por exemplo, durante a noite, só num piso, se calhar havia cinco ou seis pessoas a trabalhar. E agora não. Agora se calhar essas 5 ou 6 pessoas estão a trabalhar por 3 ou 4 pisos. Desde fazer as limpezas às piscinas, às casas de banho, a tudo, são sempre as mesmas pessoas. Enquanto dantes havia, por exemplo, as pessoas que iam só fazer as camas, as que iam só arrumar os quartos e isso tudo, e aquelas que iam lá fazer a limpeza às casas de banho. Agora elas têm de fazer tudo. Quer dizer, são menos pessoas, mas têm de fazer tudo!
António Almada: O patrão era português. Foi ele que montou as. O Hotel A começou onde é as piscinas. Ali havia sempre uma senhora que andava a dar copos de água, aí é que eram as termas. Começaram a encher os garrafões naquelas bicazinhas pequeninas que lá estavam. Carregavam as camionetas para ir para L. O ponto forte daquilo crescer foi por ter levado água para L. Ele era de L., veio aqui, comprou aquilo, montou 3 ou 4 camionetas, começou a acartar para Lisboa e depois seguiu forte. Foi aí que fizeram o primeiro hotel. E aquele tinha muitos clientes e tinha muita malta de Lisboa que vinha para cá, mesmo para tratamentos e aquilo tudo. E depois, como aquilo estava a dar, pensou fazer o hotel A, lá em cima. Mas fez primeiro um mais pequeno. A malta chama-o “O hotel velho”, e depois é que foi feito então aquele grande. Lembro-me daquele hotel a ser feito, devia de ter os meus 6/7 anitos quando aquilo começou a ser feito. E pronto, e enquanto ele geriu aquilo, aquilo deu muita dinheiro.
António Almada: Quando o meu pai começou na Empresa A foi para encher águas à mão, os garrafões de água à mão.
P: Portanto, ele foi um dos primeiros empregados?
António Almada: Ah, isso não sei, dos primeiros empregados não sei. Agora mecânico deve ter sido o primeiro, que ele já veio de M.. O meu pai trabalhou no capote, que era o dono da M.. E depois, quando eles montaram ali a empresa, ele foi convidado para vir para cá, o meu pai, e como já namorava com a minha mãe não é, e para estar aqui mais perto, ele veio para cá. Veio para cá e fez a casa, casou-se e nunca mais saiu de lá.
P: Trabalhou a vida toda para a empresa?
António Almada: Trabalhou. Menos aqueles anos em que esteve nas águas. Mas reformou-se aos 71 anos. Não, ele reformou-se aos 66 anos, mas trabalhou na empresa até aos 71 anos. Ficou a trabalhar com o ordenado dele e descontava à mesma, mas como estava reformado, tinha a reforma dele e tinha mais o ordenado. Porque ele reformou-se por idade. Se te reformares por doença ou outra coisa qualquer, ou por invalidez, não podes continuar a trabalhar. Agora ele podia continuar a trabalhar no mesmo trabalho e pronto e foi o que ele fez.
P: Aquela história do senhor, de quando trabalhava no Golf. Havia um senhor que ia lá muitas vezes e o Rui ia sempre com ele. Lá no golf, pode falar um pouco sobre isso?
António Almada: Ah, isso foi um jogador, o C. (importante jogador do Sport Lisboa e Benfica)
P: Ele era cliente no Hotel A?
António Almada: Ele era cliente e ia lá quase todos os fins de semana, ou seja, quando era as férias grandes, ia lá jogar golf. Ele ia lá de manhã e depois vinha embora à tarde. Mas, almoçava lá, fazia tudo lá. Ele era jogador do Benfica. E eu era rapazito, e ele nessa altura já me pagava bem. Foi, era o gajo que mais me pagava, por cada volta que a gente dava, por cada jogo que ele fazia lá. Eu não jogava, eu levava o carrito, ele jogava Golf e eu levava o carrinho dos tacos.
P: E ele era simpático?
António Almada: Era! Nunca apanhei lá cliente nenhum que fosse, que as pessoas fossem malcriadas. E mesmo se fosse um gajo que fosse malcriado nem ninguém queria ir com ele, sempre assim foi. A gente só precisava de estar atentos a ver a bola, onde é que ela ia cair, que era se ele não soubesse daquela dava para a gente mais ou menos saber e ir lá ver onde é que ela estava.
P: E ele dava-lhe gorjetas? Vocês tinham um ordenado base ou era gorjetas?
António Almada: Cada cliente estipulava aquilo que queria pagar por cada volta, está a perceber? Depois era sempre muito coiso, eles não pagavam sempre o mesmo preço.
P: Então vocês recebiam de forma diferente? Conforme o cliente?
António Almada: Exatamente! Por isso é que havia muitos que…
P: Tinham de dar alguma comissão ao hotel?
António Almada: Não, não!
P: Era tudo para vocês?
António Almada: Era tudo para a gente. Porque aquilo não tinha nada a ver com o Hotel A, ou seja, aquilo era ao pé do hotel, o cliente era de lá, a gente estava ali assim, onde eles iam buscar os carrinhos e tudo, e depois eles se precisassem nós íamos lá com eles.
P: Alugavam o carrinho e o “funcionário”?
António Almada: Não, nós já tínhamos os carrinhos deles. Havia lá um rapaz que tomava conta dessa casa, onde estava os carrinhos e onde estava isso tudo. Esse era lá empregado!
P: E vocês transportavam o carrinho?
António Almada: Sim, levava-se o carrinho, ia-se com o carrinho com os sacos e depois quando chegavam ao pé da bola, conforme o sítio onde a bola caísse, ele pedia o número do taco que queria? Porque os tacos têm números. Depois ele pedia.
P: Têm pesos diferentes é isso?
António Almada: Não, têm ângulos diferentes que é outra coisa, que é para a bola seguir uma direção especifica? Tem um taco que é de saída, que entras para mandar a bola com força, depois tem outro em que a bola está aqui e só tem de fazer o movimento.
P: E vocês não podiam fazer e experimentar enquanto lá estavam à espera?
António Almada: Sim, então quando eles não estavam lá, a gente às vezes experimentava e mandava-se bolas cá para baixo. Porque a gente quando não tinha nada para fazer vinha cá para baixo para os campos de golf à procura de bolas, que eles perdiam muitas bolas, ou enfiadas naquelas árvores e ali tudo. Depois a gente também tinha muitas bolas e então vendia-se. Eles perguntavam à gente se a gente não tinha bolas, porque havia certos indivíduos que não eram bons, ou tinham azar. Também perdiam muitas bolas, e depois quando eles iam para lá perguntavam-nos se tínhamos bolas, a gente vendia.
P: E tinham tempo parado?
António Almada: Havia sempre aqueles que se encostavam um bocadinho quando podiam. Não, mas por exemplo no Hotel A, havia lá uma equipa muito boa, um senhor conhecido é que era o chefe de manutenção lá do Hotel A. E ele era exigente! Para a parte do campo, onde tem o buraco, aquilo não pode ter ali uma erva grande, não pode ter nada que é para a bola rolar ali. E quase todos os dias havia 2/3 mulheres lá ajoelhadas a puxar aquelas ervazinhas mais, que não era aquele tipo de relva que não era precisa. Tudo o que não fosse, elas estavam ali a arrancar as coisinhas todas!
P: E trabalhavam à chapa do sol? Assim?
António Almada: Era. Com o chapéu na cabeça e lá andavam.
P: Pois e era como vocês quando estavam lá no golf?
António Almada: Pois!
P: Eram as condições que tinham… E nos dias assim mais de chuva ficavam dentro do hotel?
António Almada: Ficava-se cá em baixo, ou seja, onde é o hotel velho, que era onde estavam os carrinhos e a gente ficava ali na brincadeira, na galhofa ali.
P: Também eram todos crianças?
António Almada: Pois. Era tudo malta nova, era tudo malta até aí aos 15 anos está a ver? A partir dos 15 a malta já arranjava sempre trabalho ou no hotel. Assim que se fazia 14/15 anos, já a malta do hotel dizia: “como é que é, não queres ir servir à mesa? Não queres fazer isto ou fazer aquilo?”.
P: Pois aproveitavam que já tinham ali aquela base para o hotel, não é?
António Almada: Pois, pois! Depois a malta ia lá para dentro, não é? Mesmo muita gente. A maior parte da malta da minha idade aprendeu a trabalhar no hotel, a servir à mesa.
P: E eles aprendiam, vendo não era?
António Almada: Quando eles chegavam lá, os outros diziam: “olha vais ali e levas isto ou fazes aquilo” “vais entregar já ali naquela mesa”. E a malta mais velha estava, iam controlando. Mas aquilo ao fim de duas/três vezes que iam à mesa, aquilo já estava aprendido. E se eles tivessem dúvidas, perguntavam.
P: E o patrão chegava a passar por vocês e cumprimentava?
António Almada: Falava! O patrão era uma pessoa que falava com os empregados, sim.
P: E sabia o vosso nome?
António Almada: É assim, ele passava e até podia saber o nome da malta mais velha, da idade do meu pai. A malta da geração dele, não é? Mas a malta que lá começou, tinha de saber o nome de mesmo muita gente!
P: Mas, por exemplo, sabia as ligações familiares? Sabia que era filho de X ou Y?
António Almada: Ah isso não sei. Eu já apanhei o patrão velho, o patrão vi-o três ou quatro vezes e depois ele, coitado, já não vinha muita vez para cá, que coitado já tinha uma idade. Ele já era mais velho que o meu pai um bocado, ele já era uma pessoa de idade. O meu pai é que o conhecia muito bem! Ele chegou a andar com ele numa avioneta, que ele tinha uma avioneta. O centro de Aviação que foi feito, foi ele que o fez para aterrar lá com a avioneta. Aquele terreno não é dele, aquilo estava na altura a fazer de pista, antes de ser alcatroado. Ele alugou aquele terreno, mas o terreno não era dele, ele fez um contrato.
P: E ele era assim tão amigo do seu pai ao ponto de o deixar andar com ele?
António Almada: Sim, eles eram muito amigos! Do meu pai e de muitos que lá estavam. Tudo o que era dos primeiros empregados e daquela gente toda que andou ali assim, ele conhecia aquelas pessoas todas. No fundo foram eles que lhe fizeram a empresa. A empresa foi feita, não foi sozinho por ele, foi pelos empregados todos. Se não houvesse aquela gente toda ali à volta dele, ninguém cresce sozinho! Nem ele nem ninguém. O patrão era uma pessoa humilde. Ele também era uma pessoa que veio do nada, não é?
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António Almada: No hotel, quando o rio começava a encher muito, a empresa tinha uma máquina que, ou ia lá o meu pai, ou ia o L., que era um senhor que trabalhava com o meu pai, agarravam na máquina e iam abrir a foz. Para os campos de golf não serem inundados com água.
P: Mesmo no inverno?
António Almada: Se o tempo tivesse bem…tudo o que fosse tempo bom dava!
P: O grosso dos clientes dormia no hotel ou não?
António Almada: Não. A maioria deles que vinha jogar golf, a maioria vinha de fora, iam e vinham, juntavam-se aos grupos e vinham. Eu andei muito tempo com uns senhores de A., que eles aos fins de semana vinham cá de propósito só para jogar golf.
P: Era ao fim de semana?
António Almada: Era!
P: E vocês aí também criavam relações?
António Almada: Sim, porque eles também tinham o trabalho deles, não é? Depois juntavam-se àqueles grupos, aqueles que gostavam de jogar.
P: E eram pessoas endinheiradas?
António Almada: Era. Eram pessoas com mais dinheiro, claro! Pessoas que deviam ter empresas lá para aqueles lados.
P: Por exemplo, pessoas lá da terra usufruíam do hotel?
António Almada: Não! Havia 3 ou 4 empregados que iam para lá jogar, mas iam para lá jogar e tinham ordens, eles pediam e podiam ir para lá jogar, mas de resto, ali dentro da M. na havia ninguém que tivesse dinheiro para fazer uma vida assim.
P: E vinham muitos estrangeiros?
António Almada: Vinham, ainda vinham muitos estrangeiros. Na altura em que eu era novo, ainda vinham aquelas coisas da escola, de Espanha.
P: As excursões?
António Almada: Isso era o nosso chá, ir para lá à noite! E arranjar maneiras de dar a volta àqueles, não sei se eram professores que iam com elas para lá. Arranjar maneira de dar a volta para que elas e eles não é, conseguissem vir para a rua para estarem ao pé do pessoal dali que vinha para P., e então eles tentavam que a malta tentasse dar a volta para ajudá-los para eles saírem de lá e para eles virem também para a galhofa. A malta até dizia: “Olha, vamos às espanholas!”. Então isto era tudo rapazecos da mesma idade, só que claro enquanto em Espanha havia disso, na minha altura nunca ouvi falar que Portugal fosse para algum lado. Agora já vai, mas na altura não me lembro dessas coisas. Eles vinham para cá.
P: As diferenças culturais eram grandes.
António Almada: Claro.
P: Então e como é que vocês comunicavam?
António Almada: Oh o espanhol, um gajo consegue perceber melhor o espanhol do que eles à gente, se calhar. Mais ou menos também se percebia bem!
P: Então e se fosse um inglês? Vocês sabiam desenrascar?
António Almada: Não, eu inglês nunca soube, mesmo hoje também não.
P: Mas apareciam algumas pessoas assim, que vocês não entendiam?
António Almada: Inglês, por exemplo, não percebia, mas havia lá sempre um ou dois que conseguiam estar ali e entender. Mas assim malta nova, também ingleses e assim, não havia. Quem vinha para cá mesmo só de escola eram os espanhóis! Os espanhóis é que vinham, que eu me lembre, eram só os espanhóis!
P: Por causa da praia, ali em Porto Novo? Eles iam por causa do Turismo de Sol e Mar?
António Almada: Pois isso não sei como é que era, sei que era viagem de finalistas ou o que era, eles vinham para cá e até muitas excursões. O hotel tinha sempre preços bons que o gajo fazia para esses grupos. Conseguia manter muitos clientes, porque também ao nível dos empregados, eram muitos empregados! Agora não está lá nenhum desses todos, quanto mais metade! Eles agora querem faturar sem gastar, mas isso também não tem, depois falta a outra coisa, não é. Agora qual é? Se é qualidade…, mas mesmo assim eles têm muitos grupos, agora nesta altura, como tinham antes.
P: E voltando um pouco atrás, quando era mais novo no golf, tem alguma lembrança das coisas que fazia para além das que disse?
António Almada: Não. Aquilo como não era bem emprego, ou seja, era um serviço para a gente ganhar uns trocos, como se dizia antes: “pás Gasosas!”. Mas sim, foi das primeiras coisas que eu fiz, foi isso. Naquela altura, os jovens não iam para a apanha da fruta. Porque naquela altura, ou trabalhavas num hotel, ou nas águas, ou então eras agricultor.
P: E acha que, por exemplo, acabou por ir para o hotel por influência do seu pai em conhecer as pessoas?
António Almada: Não, não. Para o golf a gente erámos miúdos e aquilo era o entreter de todos os miúdos. A gente estava ali assim: “olha vamos para a praia”, e depois da praia, começava-se a ir lá para cima, e depois andava-se assim. Um gajo para ir jogar golf, um gajo chegava-se ao pé dele e tínhamos a iniciativa.
P: E apercebiam-se daqueles que pagavam mais e os que pagavam menos?
António Almada: A gente depois acabava por saber porque, por exemplo, hoje ia com um e dava-me x, amanhã ia com outro e dava-me mais, e eu então se eu visse aqueles dois, eu escolhia aquele que me dava mais. E avisava logo os outros: “olha que este gajo é forreta e paga menos!”. Tinha que ser.
P: E para a carpintaria foi, saiu da escola e foi logo?
António Almada: Não, eu para a carpintaria fui quando saí da escola. O senhor, que era o senhor S., que era chefe das obras, tudo o que tinha obras dentro da empresa, ele é que fazia. Ele viu-me, já conhecia o meu pai e disse: “-Então, não estás na escola? -Não eu já saí da escola! -Então e não queres ir trabalhar? -Ah querer queria! -Então vê lá para onde é que queres ir e diz-me!”.
P: Ah então foi o senhor que escolheu a área para onde queria ir?
António Almada: Foi! Eu é que escolhi a área! E depois fui para lá para a carpintaria. E depois a mecânica surgiu por causa do curso, mais nada.
P: Senão, tinha continuado lá?
António Almada: Pois, senão tinha de continuar lá ou então tinha de ir para outra carpintaria ou para outra coisa qualquer. Só que, para aprender mais do que aquilo que eu já sabia? Já tinha de ir para outro lado!
P: Ali já não acrescentava?
António Almada: Pois não. Porque fazer móveis e essas coisas a gente não fazia, ali era mais fazer portas, fazer janelas, tudo obras que fosse preciso, fazer fechaduras, essas coisas. A partir dali a gente móveis lá não se fazia nada dessas coisas. E então aquilo era mais tipo manutenções, uma porta partia-se ou algo do género e tinha que se fazer uma porta.
P: E sente que era um trabalho pesado para a idade que tinha?
António Almada: Não, não!
P: Tendo em comparação o seu trabalho atual de mecânico?
António Almada: Este é muito mais pesado! A mecânica dá mais cabo da cabeça não é. E é puxado, agora a mecânica atual, já é computadores, o computador diz uma coisa, mas não diz tudo! O computador pode dizer que isto está avariado, mas metes a peça e aquilo está a dar-te a mesma avaria. Pode não vir desta, pode vir da outra, mas como o computador está ligado e está a dizer que é esta peça, mas o problema pode não ser desta e pode ser de outra.
P: Então e os estudos que tinha, por exemplo, para saber fazer uma porta, há que saber alguma matemática básica para saber tirar medidas e ângulos.
António Almada: Sim, era tudo com uma fita e depois esquadrias.
P: Eram precisos pequenos cálculos e esse tipo de coisas, acha que conseguia fazer esse tipo de coisas para a sua escolaridade que tinha?
António Almada: Sim, para a escolaridade que eu tinha. Fiz muita porta, quando foi para a F., só lá dentro tinha 80 e tal portas, fora as janelas. E foi tudo lá feito, lá na carpintaria. E quando foi a assentar aquilo tudo, também fui eu que estive a assentar aquelas coisas todas. Eu aprendi a fazer aquilo tudo, agora se calhar se agarrasse na madeira estava ali um bocadinho a pensar como é que se fazia uma porta outra vez. Já lá vão 40 anos.
P: E sentiu-se feliz enquanto lá esteve?
António Almada: Sim! Só estava lá um da carpintaria que uma vez se chateou comigo, não me falava e eu não falava com ele, era primo do meu pai. Mas pronto, o tempo que eu lá estive nunca falei com ele e ele nunca falou comigo. Nunca mais falámos. Depois passei lá para o Hotel A, fui para ao pé do outro senhor e aí pronto.
P: E sentiu-se realizado?
António Almada: Senti-me. Gostei muito enquanto lá estive e daquilo que eu fiz, que ainda hoje sinto saudades de certas coisas de lá. De andar lá a arranjar as coisas, e a correr no hotel e isso tudo! Um gajo andava com a chave mestra, era só bater à porta.
P: E encontrou alguma coisa engraçada nos quartos?
António Almada: Não, não. Nunca entrei em quarto nenhum que tivesse gente lá dentro.
P: Mas, por exemplo, objetos ou assim?
António Almada: Ah não.
P: Os quartos estavam arrumados?
António Almada: Aquilo era assim, geralmente quando eu ia fazer a minha manutenção ao quarto já lá tinham passado os empregados de quarto e isso tudo. Já lá tinha passada tudo, então assim que saíam os clientes, estavam logo lá as empregadas para começar a limpar aquilo. Agora, se calhar, já demoram mais tempo porque são menos.
P: E o hotel estava muito cheio, sempre?
António Almada: Quando era verão estava sempre cheio!
P: E quanto tempo trabalhou lá?
António Almada: No hotel? Sei lá, talvez quase 2 anos. Mas isso no hotel, cá em baixo devia ter estado mais perto de dois anos, mais coisa menos coisa. Já andava a tirar a carta quando passei para o curso, devia ter aí os meus 19.
P: E acha que a nível de salários era justo para a altura que era?
António Almada: Para aquela altura, comparado com agora, se era justo ou não, não sei.
P: Sentiu aquela sensação de: dão-me pouco para aquilo que eu faço?
Antónia Almada: Isso aí é difícil de responder, a gente não tinha como comparar, não sabia o ordenado do meu pai, não sabia nem das outras pessoas, mas comparado com a malta da minha idade, naquela altura os ordenados eram todos equiparados uns com os outros. E a gente, assim que entrava para lá começava a fazer logo descontos e tudo.
P: E a farda? Como é que era? Vocês tinham de usar algum macacão?
António Almada: Não, não! Eu, farda, nunca usei. Quem chegou a usar lá farda, que eram macacos, eram os canalizadores, eletricistas, lá dentro esses é que estavam mais ou menos fardados. E as fardas pronto, dentro do hotel isso já havia, lá da malta da receção e tudo. Isso era tudo fardado já.
P: E eram como? As mulheres com saia e os homens de calças?
António Almada: Os homens de calças e as mulheres de saia, ainda deve ser agora também, não sei como é que é. Mas as mulheres agora também já devem usar calças.
P: Qual era a profissão que gostava de ter “quando fosse grande”?
António Almada: Ah eu acho que na altura nunca tive essas ideias, eu gostava era de brincar e não pensava nisso.
P: Então e quando chegou ao hotel tinha mais ou menos que idade?
António Almada: Quando comecei a trabalhar tinha, mais ou menos, 15 anos.
P: Para ajudar a família?
António Almada: Não, porque não queria ir para a escola, então como não estudava tive de ir trabalhar. Quando eu comecei a trabalhar na carpintaria, na Empresa A, e depois é que fui para o hotel, que também pertencia às águas. Estava lá um carpinteiro, no hotel já havia um carpinteiro, um senhor já de idade com quem eu me dei muito bem lá. O nosso trabalho lá era reparar tudo, desde carpintaria, estores, fechaduras, era tudo o que fosse manutenção. Sim, tudo no hotel. Fora a eletricidade e canalizadores que isso existia lá. Havia lá canalizadores e eletricistas. Agora tudo o que era carpintaria, fechaduras, e estores era tudo na parte da carpintaria.
P: E já fazia isso tudo com apenas 15 anos?
António Almada: Não, eu aí já devia ter os meus 16 anos, porque primeiro andei na carpintaria, cá nas águas. Geralmente a gente não tinha contacto com o cliente porque a receção mandava para a gente o que é que tínhamos de fazer, quais eram as avarias que havia e a que horas é que nós lá podíamos ir não é, quando não estivessem lá clientes.
P: E a receção do hotel ou até mesmo a gerência funcionava bem?
António Almada: Sim, eu acho que sim! Na receção era tudo certinho, aquilo ali era tudo certinho.
P: E mesmo em termos de condições, davam-lhe alimentação ou era só mesmo ir trabalhar?
António Almada: Sim nesse sentido tinha-se lá tudo, almoçava-se, tínhamos tudo.
P: E os outros empregados, tinha uma boa relação com eles?
António Almada: Eu só lidava com aquele senhor, só encontrava outros empregados na hora de almoço que era quando a gente se falava e pronto. Mas lá era tudo pessoal da terra, praticamente, a gente ali falava porque a malta conhecia-se toda, não é? Aquilo era uma empresa onde a maior parte dos empregados eram todos ali da M.. Era quase tudo ali da terra.
P: Agora também é assim?
António Almada: Não agora já não, aquilo antes era tudo malta da M., B., havia umas pessoas de R., porque de resto aquilo era só ali mesmo, naquele círculo de pessoas que estavam ali e assim.
P: E as pessoas eram formadas?
António Almada: Não, não. Cada um tinha de se desenrascar. As pessoas que iam para lá servir à mesa aprendiam lá, com os outros, com os mais velhos que lá estavam. Não havia formações, não havia nada. Naquela altura não havia nada de formações, a gente não tinha formações.
P: Então o tipo de cliente lá também não era muito exigente?
António Almada: Isso também não sei, isso lá dentro com os clientes eu não sei, não tinha esse contacto. Porque eu era só mesmo a parte das avarias que a gente tratava. Quem lidava lá com os clientes eram sempre as pessoas do restaurante, do bar, pronto, essas pessoas. A gente tinha uma entrada de serviço, era uma porta de serviço, ia-se lá para cima, entrava-se nos quartos, batia-se à porta, duas vezes ou três e se ninguém respondesse a gente tinha uma chave mestra que abria tudo e era assim que a gente trabalhava.
P: E o seu primeiro dia? Como é que foi a experiência, a expectativa? Alguma coisa que correu bem ou menos bem?
António Almada: Não, eu…correu sempre bem porque já eram pessoas que eu já conhecia cá debaixo também, não é? As pessoas que lá estavam também vinham cá abaixo, quando precisava mesmo de ir à oficina da carpintaria, elas vinham cá, porque era tudo pessoal que a gente conhecia, passei pouco para o outro lado.
P: E em termos de tarefas, também não era muito difícil?
António Almada: Não, não aquilo não era muito difícil, reparava uma mesa, reparava uma cadeira, reparava estores, uma fechadura… aquilo era avarias, praticamente aquilo era avarias. Só houve uma altura em que a gente esteve lá a arranjar as mesas todas do 4º andar, onde era uma sala, era um salão mesmo grande, onde eles fazem jogos, fazem essas coisas todas, e nós andámos a tirar os tampos das mesas, para meter uns tampos novos. E isso foram meses a fazer esse trabalho. Esse trabalho era feito quando a gente saía lá de uma avaria e vinha-se para baixo, porque era quando não havia avarias que a gente ia mudando os tampos das mesas. Foi um critério que eles tiveram para mudar os tampos todos e a gente fazia, pronto.
P: E sente que, por exemplo, estando num hotel onde os clientes eram servidos e havia essa importância, o seu trabalho era respeitado, pelas outras áreas?
António Almada: Sim, sim.
P: Ali toda a gente se respeitava? Não havia diferenças no tratamento?
António Almada: Não, nunca vi assim nada. Nem comigo, nem com as outras secções. Não, normalmente não. Não, porque aquilo também era tudo pessoal que já se conhecia há muito tempo.
P: E há alguma situação de maior constrangimento no hotel?
António Almada: Não, comigo não.
P: Quando saiu, saiu de lá bem?
António Almada: Sim, quando eu saí de lá, fui para um curso de mecânica, daí ter saído. Eu gostava muito de carpintaria, mas como aquilo começou sempre a ser a mesma coisa, fazer as mesmas coisas, e então tive a oportunidade. Surgiu um curso e eu acabei por ir para lá para o curso.
P: Pois, e depois aí definiu logo a área de mecânica para o seu futuro?
António Almada: Pois! Do outro lado, no curso, ainda não tinha acabado o curso, quem me estava a dar o curso tinha uma oficina e disse logo: “Tens de passar para Torres, lá para a oficina” e foi a partir dai que vim cá para Torres, e cheguei aqui, a aturar estas pestes todas.
P: Desde que foi para Torres Vedras que ficou pelo P.?
António Almada: Já vão uns anitos, 30 e tal anos.
P: E depois nunca mais se interessou pela parte hoteleira?
António Almada: Não, não. Até porque é assim: na parte hoteleira, o servir à mesa, o hotel, são coisas que eu também não gostava. Eu da carpintaria gostava porque era aqueles serviços de arranjar nas coisas, mexer nas coisas. Agora estar a lidar diretamente com os clientes e, se me convidassem para ir trabalhar para lá para servir à mesa eu negava logo que eu não ia, que eu não gostava. Isso eu não gostava.
P: Sim, até porque na altura, aquilo se calhar não estava tão desenvolvido…
António Almada: Sim, eram as condições que davam e depois havia lá um ou dois que mandava naquilo e aquele pessoal exigia muito com aquela gente e eu como sou um bocadinho lixado de vergar, era aquela coisa. Mas não, era daquelas coisas que eu também não quero. Nunca gostei mesmo de servir à mesa ou estar atrás de um balcão. Mesmo que me convidassem, eu não ia porque não gostava disso. Depois, quando vim para Torres, para a oficina, foi uma coisa que eu me adaptei bem e gostei e sempre tive bons clientes.
P: As influências do seu pai acabaram por ajudar um bocadinho, não?
António Almada: Sim, sim! Na família, o meu pai é mecânico, o meu irmão é mecânico, o marido da minha irmã é mecânico, eu sou mecânico, e o irmão da minha mulher é mecânico! E nunca houve ninguém que tivesse montado uma oficina para todos trabalharem.
P: Ainda não surgiu a oportunidade.
António Almada: Pois, agora também é difícil, só se for a minha filha que queira montar uma oficina para mim.
P: E o tempo em que trabalhou na parte do golf?
António Almada: Ah isso não era um trabalho, isso era um hobbie antes de começar a trabalhar.
P: Mas isso nas férias de verão?
António Almada: Nas férias de verão a gente ia para lá andar com os senhores, eles andavam lá a jogar golf e a gente ia para lá com eles, a gente era os caddie, para andar com os sacos de Golf, qQue era para a gente ganhar mais uns trocos. Foi aí que eu comecei a ganhar os primeiros trocos, não é? Porque de resto…
P: Tinha que idade?
António Almada: Ah sei lá, se calhar 12 anos, talvez. A partir dos 12 até aos 15 andei lá, quando era de verão, quando eram as férias, quando era aos fins de semana, de sábado a domingos.
P: E eles chamavam? Ou ia para lá todos os dias?
António Almada: A gente aos sábados e domingos ia para lá. Havia uns senhores que eram de A. e esses senhores vinham cá quase todos os fins de semana e eu andava sempre com o mesmo senhor. Depois havia mais 3 ou 4 colegas que também, cada um tinha aquela pessoa certa para a gente andar, estás a perceber?
P: Então ainda começou a trabalhar muito mais cedo.
António Almada: Isso era para a gente arranjar uns trocos, era.
P: E como é que funcionavam as folgas e férias na altura em que começou a trabalhar?
António Almada: Quando eu comecei a trabalhar, isso estava tudo certinho, as férias eram marcadas, era naquela altura em que a gente pedia, e eles ou aceitavam ou tinham de ser remarcadas para outra altura, mas isso, pela Empresa A, sempre foi certinho. O ordenado nunca foi um ordenado grande, mas aquilo era sempre certinho. Nessa altura, era o Sr. Bernardo Vilas (nome fictício), que foi o senhor que montou a empresa.
P: E como está o hotel agora?
António Almada: Hoje em dia estão lá meia dúzia de mulheres a fazer limpezas àquilo, enquanto dantes, esta meia dúzia, que lá está, era meia dúzia por cada andar do hotel, está a perceber? Agora é meia dúzia para limpar aquilo tudo!
P: E, por exemplo, como é que descreve os postos de emprego? Havia postos diferentes para homens e mulheres? Por exemplo, rececionistas serem apenas mulheres?
António Almada: Na receção, na altura, até havia mais homens do que mulheres! Na restauração também era misto, na parte da restauração era misto sim, havia homens, havia mulheres. E nessa altura ainda havia só uns para servir o comer, e havia outros para os vinhos, para as águas. Agora, agora não… Agora chegas lá e tens um tipo de serves-te.
P: Ah então agora é tipo Buffet?
António Almada: Exatamente tipo Buffet!
P: E antes tinha os copeiros?
António Almada: Tinha-se tudo, tinha copeiros, tinha chefe de mesa. O chefe de mesa ia lá e tirava o pedido, e depois havia o que levava o comer, o que levava os vinhos, as águas e essas coisas todas. Agora, não há isso… era porque o que leva as bebidas sabe onde é que estavam as bebidas e ele é que ia buscar, agora não! Agora tem de ser a mesma pessoa a fazer tudo. Hoje chegas lá com o comer e ainda não trouxeste o vinho. Enquanto na altura o pedido era feito, o chefe de mesa dava ordem de: “isto é o comer, isto é o vinho” e a pessoa das bebidas podia logo ir lá pôr as bebidas, pôr tudo. Quando viesse o comer, o outro já lá estava. Já as pessoas estavam servidas. Era bom para os clientes! Os clientes na altura ficavam melhor, agora já lá fui, duas ou três vezes com a malta da idade, já lá fomos comer, mas, lá está, aquilo é tudo Buffet! A gente é que vai, só a parte das bebidas é que anda lá uma pessoa e é que vai lá. Ou seja, as bebidas estão atrás da gente e vai lá uma pessoa, agarra na garrafa e serve a gente, mas isso também não interessa, se me metessem a garrafa em cima da mesa eu também me servia. Mas isso é assim, agora. Notas em tudo. Ou seja, dantes tinhas as camareiras, as pessoas que arrumam os quartos, que arrumam aquilo tudo, que se calhar tinham muito mais relação com os clientes do que agora. Dantes tinham melhor relação do que agora. Porque agora elas são tão poucas, que só falam com os clientes se chegar lá para arrumar o quarto e se tiver lá o cliente. E dantes não. Dantes havia, por exemplo, durante a noite, só num piso, se calhar havia cinco ou seis pessoas a trabalhar. E agora não. Agora se calhar essas 5 ou 6 pessoas estão a trabalhar por 3 ou 4 pisos. Desde fazer as limpezas às piscinas, às casas de banho, a tudo, são sempre as mesmas pessoas. Enquanto dantes havia, por exemplo, as pessoas que iam só fazer as camas, as que iam só arrumar os quartos e isso tudo, e aquelas que iam lá fazer a limpeza às casas de banho. Agora elas têm de fazer tudo. Quer dizer, são menos pessoas, mas têm de fazer tudo!
António Almada: O patrão era português. Foi ele que montou as. O Hotel A começou onde é as piscinas. Ali havia sempre uma senhora que andava a dar copos de água, aí é que eram as termas. Começaram a encher os garrafões naquelas bicazinhas pequeninas que lá estavam. Carregavam as camionetas para ir para L. O ponto forte daquilo crescer foi por ter levado água para L. Ele era de L., veio aqui, comprou aquilo, montou 3 ou 4 camionetas, começou a acartar para Lisboa e depois seguiu forte. Foi aí que fizeram o primeiro hotel. E aquele tinha muitos clientes e tinha muita malta de Lisboa que vinha para cá, mesmo para tratamentos e aquilo tudo. E depois, como aquilo estava a dar, pensou fazer o hotel A, lá em cima. Mas fez primeiro um mais pequeno. A malta chama-o “O hotel velho”, e depois é que foi feito então aquele grande. Lembro-me daquele hotel a ser feito, devia de ter os meus 6/7 anitos quando aquilo começou a ser feito. E pronto, e enquanto ele geriu aquilo, aquilo deu muita dinheiro.
António Almada: Quando o meu pai começou na Empresa A foi para encher águas à mão, os garrafões de água à mão.
P: Portanto, ele foi um dos primeiros empregados?
António Almada: Ah, isso não sei, dos primeiros empregados não sei. Agora mecânico deve ter sido o primeiro, que ele já veio de M.. O meu pai trabalhou no capote, que era o dono da M.. E depois, quando eles montaram ali a empresa, ele foi convidado para vir para cá, o meu pai, e como já namorava com a minha mãe não é, e para estar aqui mais perto, ele veio para cá. Veio para cá e fez a casa, casou-se e nunca mais saiu de lá.
P: Trabalhou a vida toda para a empresa?
António Almada: Trabalhou. Menos aqueles anos em que esteve nas águas. Mas reformou-se aos 71 anos. Não, ele reformou-se aos 66 anos, mas trabalhou na empresa até aos 71 anos. Ficou a trabalhar com o ordenado dele e descontava à mesma, mas como estava reformado, tinha a reforma dele e tinha mais o ordenado. Porque ele reformou-se por idade. Se te reformares por doença ou outra coisa qualquer, ou por invalidez, não podes continuar a trabalhar. Agora ele podia continuar a trabalhar no mesmo trabalho e pronto e foi o que ele fez.
P: Aquela história do senhor, de quando trabalhava no Golf. Havia um senhor que ia lá muitas vezes e o Rui ia sempre com ele. Lá no golf, pode falar um pouco sobre isso?
António Almada: Ah, isso foi um jogador, o C. (importante jogador do Sport Lisboa e Benfica)
P: Ele era cliente no Hotel A?
António Almada: Ele era cliente e ia lá quase todos os fins de semana, ou seja, quando era as férias grandes, ia lá jogar golf. Ele ia lá de manhã e depois vinha embora à tarde. Mas, almoçava lá, fazia tudo lá. Ele era jogador do Benfica. E eu era rapazito, e ele nessa altura já me pagava bem. Foi, era o gajo que mais me pagava, por cada volta que a gente dava, por cada jogo que ele fazia lá. Eu não jogava, eu levava o carrito, ele jogava Golf e eu levava o carrinho dos tacos.
P: E ele era simpático?
António Almada: Era! Nunca apanhei lá cliente nenhum que fosse, que as pessoas fossem malcriadas. E mesmo se fosse um gajo que fosse malcriado nem ninguém queria ir com ele, sempre assim foi. A gente só precisava de estar atentos a ver a bola, onde é que ela ia cair, que era se ele não soubesse daquela dava para a gente mais ou menos saber e ir lá ver onde é que ela estava.
P: E ele dava-lhe gorjetas? Vocês tinham um ordenado base ou era gorjetas?
António Almada: Cada cliente estipulava aquilo que queria pagar por cada volta, está a perceber? Depois era sempre muito coiso, eles não pagavam sempre o mesmo preço.
P: Então vocês recebiam de forma diferente? Conforme o cliente?
António Almada: Exatamente! Por isso é que havia muitos que…
P: Tinham de dar alguma comissão ao hotel?
António Almada: Não, não!
P: Era tudo para vocês?
António Almada: Era tudo para a gente. Porque aquilo não tinha nada a ver com o Hotel A, ou seja, aquilo era ao pé do hotel, o cliente era de lá, a gente estava ali assim, onde eles iam buscar os carrinhos e tudo, e depois eles se precisassem nós íamos lá com eles.
P: Alugavam o carrinho e o “funcionário”?
António Almada: Não, nós já tínhamos os carrinhos deles. Havia lá um rapaz que tomava conta dessa casa, onde estava os carrinhos e onde estava isso tudo. Esse era lá empregado!
P: E vocês transportavam o carrinho?
António Almada: Sim, levava-se o carrinho, ia-se com o carrinho com os sacos e depois quando chegavam ao pé da bola, conforme o sítio onde a bola caísse, ele pedia o número do taco que queria? Porque os tacos têm números. Depois ele pedia.
P: Têm pesos diferentes é isso?
António Almada: Não, têm ângulos diferentes que é outra coisa, que é para a bola seguir uma direção especifica? Tem um taco que é de saída, que entras para mandar a bola com força, depois tem outro em que a bola está aqui e só tem de fazer o movimento.
P: E vocês não podiam fazer e experimentar enquanto lá estavam à espera?
António Almada: Sim, então quando eles não estavam lá, a gente às vezes experimentava e mandava-se bolas cá para baixo. Porque a gente quando não tinha nada para fazer vinha cá para baixo para os campos de golf à procura de bolas, que eles perdiam muitas bolas, ou enfiadas naquelas árvores e ali tudo. Depois a gente também tinha muitas bolas e então vendia-se. Eles perguntavam à gente se a gente não tinha bolas, porque havia certos indivíduos que não eram bons, ou tinham azar. Também perdiam muitas bolas, e depois quando eles iam para lá perguntavam-nos se tínhamos bolas, a gente vendia.
P: E tinham tempo parado?
António Almada: Havia sempre aqueles que se encostavam um bocadinho quando podiam. Não, mas por exemplo no Hotel A, havia lá uma equipa muito boa, um senhor conhecido é que era o chefe de manutenção lá do Hotel A. E ele era exigente! Para a parte do campo, onde tem o buraco, aquilo não pode ter ali uma erva grande, não pode ter nada que é para a bola rolar ali. E quase todos os dias havia 2/3 mulheres lá ajoelhadas a puxar aquelas ervazinhas mais, que não era aquele tipo de relva que não era precisa. Tudo o que não fosse, elas estavam ali a arrancar as coisinhas todas!
P: E trabalhavam à chapa do sol? Assim?
António Almada: Era. Com o chapéu na cabeça e lá andavam.
P: Pois e era como vocês quando estavam lá no golf?
António Almada: Pois!
P: Eram as condições que tinham… E nos dias assim mais de chuva ficavam dentro do hotel?
António Almada: Ficava-se cá em baixo, ou seja, onde é o hotel velho, que era onde estavam os carrinhos e a gente ficava ali na brincadeira, na galhofa ali.
P: Também eram todos crianças?
António Almada: Pois. Era tudo malta nova, era tudo malta até aí aos 15 anos está a ver? A partir dos 15 a malta já arranjava sempre trabalho ou no hotel. Assim que se fazia 14/15 anos, já a malta do hotel dizia: “como é que é, não queres ir servir à mesa? Não queres fazer isto ou fazer aquilo?”.
P: Pois aproveitavam que já tinham ali aquela base para o hotel, não é?
António Almada: Pois, pois! Depois a malta ia lá para dentro, não é? Mesmo muita gente. A maior parte da malta da minha idade aprendeu a trabalhar no hotel, a servir à mesa.
P: E eles aprendiam, vendo não era?
António Almada: Quando eles chegavam lá, os outros diziam: “olha vais ali e levas isto ou fazes aquilo” “vais entregar já ali naquela mesa”. E a malta mais velha estava, iam controlando. Mas aquilo ao fim de duas/três vezes que iam à mesa, aquilo já estava aprendido. E se eles tivessem dúvidas, perguntavam.
P: E o patrão chegava a passar por vocês e cumprimentava?
António Almada: Falava! O patrão era uma pessoa que falava com os empregados, sim.
P: E sabia o vosso nome?
António Almada: É assim, ele passava e até podia saber o nome da malta mais velha, da idade do meu pai. A malta da geração dele, não é? Mas a malta que lá começou, tinha de saber o nome de mesmo muita gente!
P: Mas, por exemplo, sabia as ligações familiares? Sabia que era filho de X ou Y?
António Almada: Ah isso não sei. Eu já apanhei o patrão velho, o patrão vi-o três ou quatro vezes e depois ele, coitado, já não vinha muita vez para cá, que coitado já tinha uma idade. Ele já era mais velho que o meu pai um bocado, ele já era uma pessoa de idade. O meu pai é que o conhecia muito bem! Ele chegou a andar com ele numa avioneta, que ele tinha uma avioneta. O centro de Aviação que foi feito, foi ele que o fez para aterrar lá com a avioneta. Aquele terreno não é dele, aquilo estava na altura a fazer de pista, antes de ser alcatroado. Ele alugou aquele terreno, mas o terreno não era dele, ele fez um contrato.
P: E ele era assim tão amigo do seu pai ao ponto de o deixar andar com ele?
António Almada: Sim, eles eram muito amigos! Do meu pai e de muitos que lá estavam. Tudo o que era dos primeiros empregados e daquela gente toda que andou ali assim, ele conhecia aquelas pessoas todas. No fundo foram eles que lhe fizeram a empresa. A empresa foi feita, não foi sozinho por ele, foi pelos empregados todos. Se não houvesse aquela gente toda ali à volta dele, ninguém cresce sozinho! Nem ele nem ninguém. O patrão era uma pessoa humilde. Ele também era uma pessoa que veio do nada, não é?
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António Almada: No hotel, quando o rio começava a encher muito, a empresa tinha uma máquina que, ou ia lá o meu pai, ou ia o L., que era um senhor que trabalhava com o meu pai, agarravam na máquina e iam abrir a foz. Para os campos de golf não serem inundados com água.
P: Mesmo no inverno?
António Almada: Se o tempo tivesse bem…tudo o que fosse tempo bom dava!
P: O grosso dos clientes dormia no hotel ou não?
António Almada: Não. A maioria deles que vinha jogar golf, a maioria vinha de fora, iam e vinham, juntavam-se aos grupos e vinham. Eu andei muito tempo com uns senhores de A., que eles aos fins de semana vinham cá de propósito só para jogar golf.
P: Era ao fim de semana?
António Almada: Era!
P: E vocês aí também criavam relações?
António Almada: Sim, porque eles também tinham o trabalho deles, não é? Depois juntavam-se àqueles grupos, aqueles que gostavam de jogar.
P: E eram pessoas endinheiradas?
António Almada: Era. Eram pessoas com mais dinheiro, claro! Pessoas que deviam ter empresas lá para aqueles lados.
P: Por exemplo, pessoas lá da terra usufruíam do hotel?
António Almada: Não! Havia 3 ou 4 empregados que iam para lá jogar, mas iam para lá jogar e tinham ordens, eles pediam e podiam ir para lá jogar, mas de resto, ali dentro da M. na havia ninguém que tivesse dinheiro para fazer uma vida assim.
P: E vinham muitos estrangeiros?
António Almada: Vinham, ainda vinham muitos estrangeiros. Na altura em que eu era novo, ainda vinham aquelas coisas da escola, de Espanha.
P: As excursões?
António Almada: Isso era o nosso chá, ir para lá à noite! E arranjar maneiras de dar a volta àqueles, não sei se eram professores que iam com elas para lá. Arranjar maneira de dar a volta para que elas e eles não é, conseguissem vir para a rua para estarem ao pé do pessoal dali que vinha para P., e então eles tentavam que a malta tentasse dar a volta para ajudá-los para eles saírem de lá e para eles virem também para a galhofa. A malta até dizia: “Olha, vamos às espanholas!”. Então isto era tudo rapazecos da mesma idade, só que claro enquanto em Espanha havia disso, na minha altura nunca ouvi falar que Portugal fosse para algum lado. Agora já vai, mas na altura não me lembro dessas coisas. Eles vinham para cá.
P: As diferenças culturais eram grandes.
António Almada: Claro.
P: Então e como é que vocês comunicavam?
António Almada: Oh o espanhol, um gajo consegue perceber melhor o espanhol do que eles à gente, se calhar. Mais ou menos também se percebia bem!
P: Então e se fosse um inglês? Vocês sabiam desenrascar?
António Almada: Não, eu inglês nunca soube, mesmo hoje também não.
P: Mas apareciam algumas pessoas assim, que vocês não entendiam?
António Almada: Inglês, por exemplo, não percebia, mas havia lá sempre um ou dois que conseguiam estar ali e entender. Mas assim malta nova, também ingleses e assim, não havia. Quem vinha para cá mesmo só de escola eram os espanhóis! Os espanhóis é que vinham, que eu me lembre, eram só os espanhóis!
P: Por causa da praia, ali em Porto Novo? Eles iam por causa do Turismo de Sol e Mar?
António Almada: Pois isso não sei como é que era, sei que era viagem de finalistas ou o que era, eles vinham para cá e até muitas excursões. O hotel tinha sempre preços bons que o gajo fazia para esses grupos. Conseguia manter muitos clientes, porque também ao nível dos empregados, eram muitos empregados! Agora não está lá nenhum desses todos, quanto mais metade! Eles agora querem faturar sem gastar, mas isso também não tem, depois falta a outra coisa, não é. Agora qual é? Se é qualidade…, mas mesmo assim eles têm muitos grupos, agora nesta altura, como tinham antes.
P: E voltando um pouco atrás, quando era mais novo no golf, tem alguma lembrança das coisas que fazia para além das que disse?
António Almada: Não. Aquilo como não era bem emprego, ou seja, era um serviço para a gente ganhar uns trocos, como se dizia antes: “pás Gasosas!”. Mas sim, foi das primeiras coisas que eu fiz, foi isso. Naquela altura, os jovens não iam para a apanha da fruta. Porque naquela altura, ou trabalhavas num hotel, ou nas águas, ou então eras agricultor.
P: E acha que, por exemplo, acabou por ir para o hotel por influência do seu pai em conhecer as pessoas?
António Almada: Não, não. Para o golf a gente erámos miúdos e aquilo era o entreter de todos os miúdos. A gente estava ali assim: “olha vamos para a praia”, e depois da praia, começava-se a ir lá para cima, e depois andava-se assim. Um gajo para ir jogar golf, um gajo chegava-se ao pé dele e tínhamos a iniciativa.
P: E apercebiam-se daqueles que pagavam mais e os que pagavam menos?
António Almada: A gente depois acabava por saber porque, por exemplo, hoje ia com um e dava-me x, amanhã ia com outro e dava-me mais, e eu então se eu visse aqueles dois, eu escolhia aquele que me dava mais. E avisava logo os outros: “olha que este gajo é forreta e paga menos!”. Tinha que ser.
P: E para a carpintaria foi, saiu da escola e foi logo?
António Almada: Não, eu para a carpintaria fui quando saí da escola. O senhor, que era o senhor S., que era chefe das obras, tudo o que tinha obras dentro da empresa, ele é que fazia. Ele viu-me, já conhecia o meu pai e disse: “-Então, não estás na escola? -Não eu já saí da escola! -Então e não queres ir trabalhar? -Ah querer queria! -Então vê lá para onde é que queres ir e diz-me!”.
P: Ah então foi o senhor que escolheu a área para onde queria ir?
António Almada: Foi! Eu é que escolhi a área! E depois fui para lá para a carpintaria. E depois a mecânica surgiu por causa do curso, mais nada.
P: Senão, tinha continuado lá?
António Almada: Pois, senão tinha de continuar lá ou então tinha de ir para outra carpintaria ou para outra coisa qualquer. Só que, para aprender mais do que aquilo que eu já sabia? Já tinha de ir para outro lado!
P: Ali já não acrescentava?
António Almada: Pois não. Porque fazer móveis e essas coisas a gente não fazia, ali era mais fazer portas, fazer janelas, tudo obras que fosse preciso, fazer fechaduras, essas coisas. A partir dali a gente móveis lá não se fazia nada dessas coisas. E então aquilo era mais tipo manutenções, uma porta partia-se ou algo do género e tinha que se fazer uma porta.
P: E sente que era um trabalho pesado para a idade que tinha?
António Almada: Não, não!
P: Tendo em comparação o seu trabalho atual de mecânico?
António Almada: Este é muito mais pesado! A mecânica dá mais cabo da cabeça não é. E é puxado, agora a mecânica atual, já é computadores, o computador diz uma coisa, mas não diz tudo! O computador pode dizer que isto está avariado, mas metes a peça e aquilo está a dar-te a mesma avaria. Pode não vir desta, pode vir da outra, mas como o computador está ligado e está a dizer que é esta peça, mas o problema pode não ser desta e pode ser de outra.
P: Então e os estudos que tinha, por exemplo, para saber fazer uma porta, há que saber alguma matemática básica para saber tirar medidas e ângulos.
António Almada: Sim, era tudo com uma fita e depois esquadrias.
P: Eram precisos pequenos cálculos e esse tipo de coisas, acha que conseguia fazer esse tipo de coisas para a sua escolaridade que tinha?
António Almada: Sim, para a escolaridade que eu tinha. Fiz muita porta, quando foi para a F., só lá dentro tinha 80 e tal portas, fora as janelas. E foi tudo lá feito, lá na carpintaria. E quando foi a assentar aquilo tudo, também fui eu que estive a assentar aquelas coisas todas. Eu aprendi a fazer aquilo tudo, agora se calhar se agarrasse na madeira estava ali um bocadinho a pensar como é que se fazia uma porta outra vez. Já lá vão 40 anos.
P: E sentiu-se feliz enquanto lá esteve?
António Almada: Sim! Só estava lá um da carpintaria que uma vez se chateou comigo, não me falava e eu não falava com ele, era primo do meu pai. Mas pronto, o tempo que eu lá estive nunca falei com ele e ele nunca falou comigo. Nunca mais falámos. Depois passei lá para o Hotel A, fui para ao pé do outro senhor e aí pronto.
P: E sentiu-se realizado?
António Almada: Senti-me. Gostei muito enquanto lá estive e daquilo que eu fiz, que ainda hoje sinto saudades de certas coisas de lá. De andar lá a arranjar as coisas, e a correr no hotel e isso tudo! Um gajo andava com a chave mestra, era só bater à porta.
P: E encontrou alguma coisa engraçada nos quartos?
António Almada: Não, não. Nunca entrei em quarto nenhum que tivesse gente lá dentro.
P: Mas, por exemplo, objetos ou assim?
António Almada: Ah não.
P: Os quartos estavam arrumados?
António Almada: Aquilo era assim, geralmente quando eu ia fazer a minha manutenção ao quarto já lá tinham passado os empregados de quarto e isso tudo. Já lá tinha passada tudo, então assim que saíam os clientes, estavam logo lá as empregadas para começar a limpar aquilo. Agora, se calhar, já demoram mais tempo porque são menos.
P: E o hotel estava muito cheio, sempre?
António Almada: Quando era verão estava sempre cheio!
P: E quanto tempo trabalhou lá?
António Almada: No hotel? Sei lá, talvez quase 2 anos. Mas isso no hotel, cá em baixo devia ter estado mais perto de dois anos, mais coisa menos coisa. Já andava a tirar a carta quando passei para o curso, devia ter aí os meus 19.
P: E acha que a nível de salários era justo para a altura que era?
António Almada: Para aquela altura, comparado com agora, se era justo ou não, não sei.
P: Sentiu aquela sensação de: dão-me pouco para aquilo que eu faço?
Antónia Almada: Isso aí é difícil de responder, a gente não tinha como comparar, não sabia o ordenado do meu pai, não sabia nem das outras pessoas, mas comparado com a malta da minha idade, naquela altura os ordenados eram todos equiparados uns com os outros. E a gente, assim que entrava para lá começava a fazer logo descontos e tudo.
P: E a farda? Como é que era? Vocês tinham de usar algum macacão?
António Almada: Não, não! Eu, farda, nunca usei. Quem chegou a usar lá farda, que eram macacos, eram os canalizadores, eletricistas, lá dentro esses é que estavam mais ou menos fardados. E as fardas pronto, dentro do hotel isso já havia, lá da malta da receção e tudo. Isso era tudo fardado já.
P: E eram como? As mulheres com saia e os homens de calças?
António Almada: Os homens de calças e as mulheres de saia, ainda deve ser agora também, não sei como é que é. Mas as mulheres agora também já devem usar calças.